Isolamento social na Idade Média


Por Rodrigo Rainha, historiador e professor da Estácio

18/06/2020 às 06h59

A Idade Média e a Idade Antiga não tiveram uma pandemia, pois não existia, naquele momento, essa conceituação. A expressão latina era chamada de peste ou praga, e isso ocorreu nos dois períodos históricos. Elas eram tratadas como um aspecto personalizável, uma ideia de que a morte e a agonia da doença estivessem chegando juntas. Essa sensação física pode ser pensada como notória e clara. É possível observar a doença caminhando, chegando de cidade em cidade, de relato em relato.

Como não deixavam de acontecer em poucas gerações, a tradição oral contava como as mazelas se moviam e eram avassaladoras. As pragas atingiam, principalmente, as grandes e poderosas cidades – afinal de contas, eram as regiões mais populosas, as mais sujas e as que tinham mais interação. As grandes áreas rurais tinham outros flagelos, mas a peste é uma doença de sociedades estabelecidas, de cidades grandes, de comércio e do desenvolvimento, quanto maior, mais avassaladora. Constantinopla, em Roma; depois, na Idade Média, em Gênova, Veneza, Paris, Porto, Londres, entre outras, são grandes exemplos. Para essas populações ocidentais, a peste significava grandes sinais de que algo deu errado, anúncio do fim do mundo – várias vezes se apegaram ao apocalipse para a explicar o cavaleiro da doença e da morte, caminhando juntos vindo trazer o terror e o extinção da Terra. Para tentar estancar essas mazelas, as fórmulas recorrentes eram trancar uma cidade. Um rei ou um senhor não deixava que ninguém saísse da muralha para não levar a peste. Sendo assim, o isolamento social sempre foi visto como uma solução…

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Muitas vezes, os hábitos humanos precisaram ser reconstruídos para dar sentido àquela nova forma de ataque. Afinal, hoje é quase impensável não tomar um banho como um gesto de higiene e que não devemos comer nossas comidas com as mãos. Contudo, durante a Idade Média, alguns defendiam que banhos eram uma forma perigosa de prazeres, e era muito comum comer com as mãos. Absurdo, não, só era um outro mundo.

Enfim, hábitos de higiene questionáveis, aumento das pessoas concentradas nas grandes cidades, circulação de mercadorias e novos vírus, bacilos, bactérias geraram um conjunto de ciclos ao longo dos séculos XIV e XV, chamados de pestes.

Viver em núcleos urbanos e centros de concentração é estar submetido a problemas com a higiene – os esgotos, os ratos e as baratas são companheiros fiéis e volumosos. Analisando bem, a doença é um mal recorrente, pois nosso corpo a combate e a recombate. Esse ciclo é um duelo sem fim… o que varia é o que temos para combater… Já se tentou oração, os contos de fada já falaram de heróis que vinham para combater, músicas, santos, até um flautista que levava os ratos… Os gatos já foram acusados e sofreram massacres, mulheres foram queimadas por disseminar a peste, e até os judeus, que tinham um hábito de um banho semanal e se contaminavam menos por isso, foram condenados. A partir do século XVI, passamos a abrir os corpos, estudá-los, a ciência, os sanitaristas, as vacinas…. Muito já fizemos, mas nunca devemos duvidar: novas doenças sempre virão.

Frase “Hábitos de higiene questionáveis, aumento das pessoas concentradas nas grandes cidades, circulação de mercadorias e novos vírus, bacilos, bactérias geraram um conjunto de ciclos ao longo dos séculos XIV e XV, chamados de pestes.”

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