O falso dilema

Se a questão de salvar vidas estivesse vinculada primariamente ao setor econômico, então o problema seria tão-somente de direcionamento de recursos financeiros


Por Azelino Cesar de Lima, professor

03/06/2020 às 06h23

Não é difícil analisar os dizeres de uma pessoa quando ela os expõem publicamente. Se alguém diz: “Como você tem dinheiro limitado, você vai ter que fazer escolhas, vai ter que definir onde você vai investir. Há uma pessoa mais idosa, que teve uma doença crônica, avançada e teve uma complicação. Para ela melhorar, eu vou gastar praticamente o mesmo dinheiro que vou gastar para investir em um adolescente, que está com um problema. A quantia é a mesma, só que essa pessoa é um adolescente que tem a vida inteira pela frente e a outra pessoa, idosa, que pode estar no final da vida. Qual vai ser a escolha?”

Claramente, observam-se nessa fala, no mínimo, duas síndromes. A do esquecimento e a da adivinhação. Esquece o autor que o dinheiro a que ele se refere tem origem, entre outras, nas contribuições de anos a fio que os idosos recolheram aos cofres públicos. O autor do texto em apreço, de quebra, como uma Pitonisa, adivinhou que o idoso poderia estar no fim da vida e que o jovem teria uma vida inteira pela frente. As duas premissas, fundamentadas em variáveis vazias, denotam a inexistência de qualquer dilema e, nos termos de seus dizeres, fica claro que a escolha já está feita.

PUBLICIDADE

Está na nossa Constituição: “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Sobre o direito à vida, assim já se pronunciou um eminente Ministro do STF: “O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos.”

Ao longo da vida, pude observar que algumas pessoas, quando chegam a um grau de conhecimento ou são conduzidas a posições que lhes conferem possibilidades de decisões, às vezes, se perdem nos limites de sua condição de ser humano e adentram como verdadeiros posseiros nos limites dos domínios de Deus.

Se a questão de salvar vidas estivesse vinculada primariamente ao setor econômico, então o problema seria tão-somente de direcionamento de recursos financeiros. Ocorre que nada é tão simples assim, pois a humanidade está diante de uma realidade muito mais complexa. Em qualquer hipótese, não cabe neste momento qualquer tipo de decisão fundamentada em falsas premissas. É, pois, inaceitável a falácia de “fazer escolhas”, pois a vida de ninguém é mais ou menos valiosa do que de qualquer outro.

Este espaço é livre para a circulação de ideias e a Tribuna respeita a pluralidade de opiniões. Os artigos para essa seção serão recebidos por e-mail (leitores@tribunademinas.com.br) e devem ter, no máximo, 30 linhas (de 70 caracteres) com identificação do autor e telefone de contato. O envio da foto é facultativo e pode ser feito pelo mesmo endereço de e-mail.

O conteúdo continua após o anúncio

Os comentários nas postagens e os conteúdos dos colunistas não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir comentários que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.