Esquerda e direita: ainda existem


Por Paulo Cesar de Oliveira, Jornalista e diretor-geral da revista Viver Brasil e do jornal Tudo BH

02/06/2020 às 06h54

Na minha juventude e mesmo ainda no início de minha jornada profissional, como “foca” em alguns veículos, confesso que me impressionava o discurso de parte da chamada “esquerda”, que bradava contra o perigo representado pelos ianques, os americanos imperialistas que queriam dominar o mundo, em especial o Brasil, para espoliar nossas riquezas.

O minério de ferro e a Floresta Amazônica eram os alvos principais desses desalmados capitalistas. A cobiça mundial por nossas riquezas chegou a unir a esquerda e a direita no início dos anos 70. Nossos nacionalistas governantes da época gritavam ao mundo a necessidade de explorar e proteger a riqueza de nossa Amazônia.

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Em nome da ocupação e proteção da floresta, barbaridades ambientais foram cometidas e um enorme escândalo de corrupção surgiu: a construção da Transamazônica, uma rodovia que rasgou a floresta, permitindo a entrega de terra a pessoas e empresas amigas. Uma estrada não terminada a um custo astronômico. Um escândalo que abafamos, assim como abafamos os escândalos envolvendo a Ponte Rio-Niterói, a Ferrovia do Aço, em Minas Gerais, as Usinas Atômicas de Angra e outros de menor porte.

Passados 50 anos do alarido da esquerda contra o apetite ianque por nossas riquezas, vem a direita com o mesmo discurso monocórdio, agora acusando a China de querer controlar nossa agricultura, nossa infraestrutura. “Parceria sim, domínio, subjugação, não”, bradam aos céus nas redes sociais os que definem como sendo a Terceira Guerra Mundial o avanço chinês no mundo econômico. Avanço alavancado por empresas ocidentais, inclusive diversas brasileiras de empresários reconhecidamente avessos às práticas e retóricas de esquerda. Capitais que foram atraídos por vantagens oferecidas pelo governo chinês que, no entanto, impõe regras, como qualquer outro país – claro, os que têm governos – impõe aos que chegam.

Não estou a defender o comportamento dos chineses. Muitos fazem sérias restrições a suas ações. Mas daí a dizer que eles querem dominar o país, roubar nossas riquezas vai uma diferença enorme. É discurso, inclusive, de gente graúda de dentro do governo e de gente que espalha o medo para buscar benesses. São, só que eu me lembre, mais de 50 anos de um mesmo discurso.

Antes acusando os ianques – a direita – e agora os chineses, a esquerda. Nesses anos todos, não fizemos nada para sermos soberanos. E pensar que não tem muitos anos, debochávamos dos chineses, que, dizíamos, vinham para o Brasil para montar lanchonete e vender pastel. Hoje temos medo, ou queremos criar o medo, de que cheguem para transformar o país numa imensa pastelaria.

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