Quem e como fará com que a terra se acenda?
Calçadões encardidos. Multidões apodrecem. Há um abismo entre homens. E homens, o horror. Quem e como fará com que a terra se acenda? E desate seus nós, discutindo-se Clara, Iemanjá, Maria, Iara, Iansã, Catijaçara? Quem sabe, os antifascistas, Caetano. Quem sabe, torcedores integrantes de organizadas. Isso mesmo. Como farão com que a terra se acenda? Nas ruas, mascarados. Não para esconder a identidade, mas para fugir da pandemia. E suplicando por democracia.
Se está nas mãos de “organizações criminosas” como as torcidas organizadas, estamos ferrados! Ora, mas que ignorância. Está nas mãos de agremiações sociais, justamente como as torcidas organizadas. Sempre perseguidas nas minúcias das pistas, Caetano.
Mas dizem que as torcidas organizadas são o bolsonarismo com uma camisa de time. Pregam o ódio ao rival, a desunião e a submissão do adversário. Que a própria existência das torcidas organizadas levou o país a sediar jogos de torcida única. São rasos quanto ao bolsonarismo e desonestos quanto às organizadas.
Porém, a raça humana segue trágica, sempre, Caetano. Indecodificável. Tédio, horror, maravilha. Alguns descobriram neste domingo que torcedores organizados são humanos. E ficaram miseravelmente assustados. Descobriram que os torcedores organizados são seres racionais. Mas como aqueles indivíduos animalescos são politizados?
É que o berço foi a opressão dos anos 1960 e 1970. A tortura. A perseguição – mantida, por instituições, togadas e fardadas, até hoje. Nasceram dos estudantes para o povo. Por isso, torcidas jovens. Poder Jovem do Flamengo, hoje Jovem Fla. Poder Jovem do Botafogo, a Torcida Jovem. Força Jovem do Vasco. Young Flu. A democracia é a razão de existência das torcidas jovens. Antes, a luta era contra a Ditadura Militar. Agora? Bem, são antifascistas.
Atravessam décadas de criminalização. São vândalos. Criminosos. Bandidos travestidos de torcedores. São assim taxados porque são pobres. São pretos. A violência é um problema exclusivo ao futebol? Ou o futebol é a instância mais popular de um país essencialmente opressor contra pobres e negros? Ou o futebol, justamente a sua instância mais popular, tem passado por um processo ferrenho de elitização?
Como na Avenida Paulista, os policiais militares transferem para os cassetetes e bombas de gás lacrimogêneo a ausência de políticas públicas do Governo federal para o conjunto das torcidas organizadas. Que são heterogêneas, até dentro das próprias estruturas, aliás. Mas nenhum desses aspectos interessa a quem prega a sua criminalização. Sempre perseguidas nas minúcias das pistas, Caetano.
Há um abismo entre homens. E homens, o horror. Quem e como fará com que a terra se acenda? Os torcedores organizados, pois não cederam as ruas. Pois esgotaram-se de notas de repúdio e da inanição dos freios e pesos da democracia.