Acabou o amor?

Por Júlio Black

18/03/2020 às 07h00 - Atualizada 18/03/2020 às 07h43

Oi, gente.

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Os ah migos e ah migas não imaginam como a pandemia afetou nosso trabalho na redação. Não só nas pautas diárias, pois cancelaram tudo na área cultural, mas também me deixou em dúvida sobre o que escrever na coluna. Como estamos a pensar em pautas alternativas, do tipo “o que fazer em casa em tempos de coronavírus”, meio que perdeu o sentido fazer resenhas de séries ou o meu Plano B, que eram os filmes do Bong Joon-Ho no streaming – que parou na tal matéria sobre “o que fazer…”.

A solução? Escrever inspirado na uma sugestão que dei para o próximo episódio do podcast do qual participo, o Papo de Quadrinho (ouçam!), que estamos para gravar: como nossa relação com os quadrinhos de super-heróis mudou com os anos – ou melhor, décadas, pois já se vão mais de 20 anos desde que parte do encanto se perdeu.

Há alguns dias, lendo a antologia “Amor é amor” – uma das HQs resenhadas na semana passada -, veio o seguinte pensamento: “cara, tem uns dois anos que leio NADA de X-Men”; no máximo, se não falha a memória, uma minissérie com os Inumanos e uma graphic novel bem fraquinha. E olha que os X-Men foram por muitos anos a minha equipe de super-heróis favorita. Aí me dei conta do quanto minha relação com os quadrinhos mudou nesses mais de 30 anos colecionando gibis.

Quando entrei nessa vida, lá em 1988, eu era o típico “marvete safado” que comprava todas as HQs da Marvel lançadas pela Abril, eventualmente alguma coisa da DC Comics. Era do tipo que acompanhava a cronologia, privilegiava os formatinhos porque tinham mais histórias – o que me fazia ignorar coisas como “Sandman”, veja só -, caçava as raridades nos sebos. Basicamente, os gibis eram minha leitura majoritária, situação relativamente normal numa família que não tinha o hábito da leitura e eu era a ovelha negra, podemos dizer.

Foi assim por quase dez anos, mas aí as coisas começaram a mudar. A gente “cresce”, passa a ter que se virar com o próprio salário, e aí já havia os CDs, discos de vinil, a revista “Bizz”, namoro, noivado, casamento, viagens, boletos, os livros começam a entrar na nossa vida. Passamos a ter outras prioridades. Você também passa a ter mais acesso a informação, descobre os quadrinhos da Vertigo, Alan Moore e essa turma toda, e também fica de saco cheio da continuidade. Entre os motivos, as sagas definitivas “que mudam tudo”, mas as coisas continuam as mesmas.

E as mortes “definitivas”. Ah, as mortes morridas e trágicas e heroicas e definitivas, que no final das contas são uma espécie de “quem é morto sempre aparece mais tarde”. Superman, Wolverine, Jean Grey, Capitão América, Guardião, Visão, Professor Xavier, Batman, Flash, Doutor Destino… De repente, você percebe que os quadrinhos de super-heróis, sob certos aspectos, não saíram da adolescência, e não estamos com saco para discutir com o fanboy, ou o hater, sobre a 34256593634ª versão de “Guerra Civil” ou uma dessas “Crises finais” da DC. Ler os X-Men fazendo mais uma viagem do tempo, do tipo trazer a formação original para o nosso tempo? Tô fora. E tem quadrinhos demais, seis gibis mensais do Homem-Aranha e dos mutantes, Batman jogando nas onze… Quem vai ter tempo pra tudo isso?

As prioridades mudaram. No lugar da besta-fera da continuidade e da ladainha de sempre, partimos na década passada para séries mensais como “Marvel Max”, “Vertigo”, “Pixel Magazine”. Depois passamos para os encadernados, selecionando fases específicas ou histórias que não dependem do leitor saber que há 150 edições atrás fulano comprou um capuccino que alterou o tecido do espaço-tempo. Na estante lá de casa temos o Thor do Jason Aaron e Esad Ribic, o Gavião Arqueiro do Matt Fraction e David Aja, o Batman do Scott Snyder e Greg Capullo, “O Reino do Amanhã”, os Vingadores do Jonathan Hickman e Rick Remender, o Pantera Negra do Ta-Nehisi Coates, “Grandes Astros: Superman” de Grant Morrison e Frank Quitely.

Mas aprendemos, principalmente, a valorizar os chamados quadrinhos adultos, minisséries e títulos que têm início, meio e fim, não fazem parte de nenhum universo compartilhado: “Sandman”, “Preacher”, “Sin City”, “Authority”, “Promethea”, “Hellblazer”, “Projeto Manhattan”, “Flex Mentallo”, “V de Vingança”, “Y: O último homem”, “A Liga Extraordinária”, “Astro City”, “Frequência Global”, “Valerian”, “Umbrella Academy”. Monstro do Pântano, Patrulha do Destino e Homem-Animal podem fazer parte do universo DC, mas são clássicos atemporais e fechados em si, e também vale destacar o grande volume de quadrinhos nacionais que têm chegado às nossas mãos, muita coisa boa que merece ser lida.

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Por último, mas não menos importante, existe o cinema e a televisão. O fato do MCU (Universo Cinematográfico Marvel), por exemplo, tornar os personagens mais “reais” (live-action, né?), mostrar que os heróis envelhecem, morrem – e continuam mortos -, ter todos aqueles efeitos especiais nos filmes, oferecer a catarse coletiva de um “Vingadores: Guerra Infinita”, faz o Universo Marvel dos quadrinhos parecer ainda menos interessante e excitante, sejamos sinceros. Quando os X-Men entrarem para o MCU, quem não tiver assistido a nenhum dos filmes da Fox perderá nada – da mesma forma que, se um dia houver um reboot, ninguém morrerá por conta disso. Outro exemplo é o Batman, que já teve várias encarnações na tela grande e terá uma nova versão, dirigida por Matt Reeves, chegando em 2021.

Os quadrinhos e os super-heróis fazem parte da minha vida há mais de três décadas, e com certeza continuarão comigo pelo futuro. Tem muita coisa para mostrar a Antônio, O Primeiro de Seu Nome, quando ele estiver com idade. Mas, definitivamente, o amor não é mais o mesmo, e a Fase 4 do MCU deve ser muito mais interessante.

Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.

Júlio Black

Júlio Black

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