Central de Cancelamento


Por Renan Ribeiro

17/01/2020 às 07h00

Dia sim, dia não, uma opinião ganha repercussão nacional. Aspas circulam pelas redes, dividindo as pessoas entre quem defende e quem cancela o dono daquele discurso. Essa, inclusive, é uma das expressões que se tornaram mais presentes nas telas de uns tempos para cá. Os cancelados, que eram acostumados a receber admiração, amor e apoio, de uma hora para outra precisaram aprender a lidar com cobranças, a dar explicações, a sair de cena e pensar no que fizeram.

Muitos deles fazem pedidos de desculpas que criam ainda mais desconfiança, mas acabam, de maneira controversa, dando uma visibilidade ainda maior. Enquanto a coisa acontece lá longe, com as celebridades, está tudo certo. As pessoas deixam de consumir o conteúdo produzido por elas, param de seguir, de curtir e seguem suas vidas. Há, claramente, consequências positivas e negativas desse ato, que ainda devem ser avaliadas por especialistas.

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O que ocorre é que o cancelamento também acontece com pessoas próximas e, nesse caso, fica mais difícil deixar de lado. O abismo criado pelos posicionamentos políticos das últimas eleições deixou uma ferida aberta, que ainda deve demorar a cicatrizar.

As opiniões e preconceitos que ficavam restritos ao íntimo, passaram a ser compartilhados sem qualquer filtro. As pessoas deixaram de encarar a responsabilidade sobre o que dizem e fazem, o que tornou alguns afetos inconciliáveis. Brigas, discussões e silêncios começaram a fazer parte da rotina de muitas pessoas. Agora, mais de um ano depois, os impasses seguem presentes. O climão segue instalado. Só que não tem mais como ignorá-lo. O desconforto senta ao lado no sofá da sala, te acompanha até a mesa da cozinha, vai conosco onde há alguma reunião de pessoas. O desafio é: o que fazer daqui em diante, depois de tudo o que foi dito? Levando em consideração que não há como ignorar o que aconteceu? Conhecendo tudo o que as pessoas pensam de verdade.

Nesse quadro tumultuado e tenso, percebi que algumas marcas e movimentos se preocuparam em levar mensagens que incentivaram o perdão, a abrir mão da razão em nome dos laços. Mas eu acredito que isso, apenas, não seja o suficiente. Precisamos encontrar formas mais eficientes de conversar, de expor o que pensamos, de abrir espaço para o entendimento, de incentivar as pessoas a se abrirem, falar sobre suas emoções e pensamentos.

Outro ponto fundamental é reavaliar a forma como lidamos com os erros. O ditado não diz que “é errando que se aprende”? O conhecimento também vem dos tropeços que levamos. Mas isso depende de um compromisso sério com as pessoas. Porque o arrependimento da boca para fora, só para fazer bonito, ou para não perder algo, não serve. É necessário errar, reconhecer o erro e levar o aprendizado para evitá-lo mais adiante. O que também toca na lição sobre entender qual é a hora em que não dá mais para insistir e o cancelamento é a única opção possível, a última instância.

No fim, precisamos redescobrir o diálogo, a importância de ouvir o contraditório, sem partir imediatamente para a agressão, ou para o desprezo absoluto do outro. Porém, construir algo tão sensível e tão humano é o mais difícil, por isso, incomoda. Não há fórmula pronta. Vamos ter que aprender fazendo. Espero que o caminho da educação consiga reaproximar e reconciliar as pessoas, quando for viável. Por enquanto, é preciso praticar a escuta e a empatia até o limite do possível.

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