Como ampliar o acesso à cultura? Gestor responde

Diretor geral da Funalfa, Zezinho Mancini discute acesso à cultura em quarta pergunta enviada pela Tribuna a pesquisadores, gestores e produtores locais


Por Mauro Morais

29/12/2019 às 07h00

Existe um perfil para o consumidor de cultura no Brasil? Para a empresa de consultoria J. Leiva – Cultura e Esporte, é possível traçar algumas características de acordo com seu “Cultura nas capitais”, levantamento realizado nas 12 maiores capitais do país. O material, um dos mais completos e mais recentes a mapear as plateias nacionais, aponta que 47% desse público são homens e, o restante, 53%, é mulher. A maior fatia desses consumidores, 22%, tem entre 25 e 34 anos. E 47% cursaram até o Ensino Médio, enquanto 29% fizeram apenas o Ensino Fundamental e 24% cursaram o Ensino Superior. Ainda, 47% desse público pertencem à classe C, 32% pertencem à classe B, e 15%, às D e E. Entre os pesquisados, apenas 6% eram enquadrados como pertencentes à classe A.

Enquanto ler livros e ir ao cinema são as atividades culturais mais frequentes, cerca de um terço dos entrevistados nunca foi a um teatro ou a um museu. E 66% nunca frequentaram um concerto. A desigualdade expressa nas ruas também está nos espaços de cultura. Num ano em que a literatura ganhou ainda mais potência com os slams; que o cinema apresentou a força de um Nordeste inventivo e resistente; que a cantora mais tocada nas plataformas de streaming, Marília Mendonça, organizou uma série de shows gratuitos em praças de capitais brasileiras; o acesso à cultura não se distanciou dos debates.

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Previsto no artigo 215 da Constituição Federal, o direito à cultura dá acesso, apoio e incentivo, bem como a proteção de algumas manifestações. “O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional”, define o artigo 1º. “Consumir é participar dos cenários da vida social, de suas disputas e significados. A escassez de bens impõe certa lógica: a de que alguns se apropriem dos bens e outros não, em um processo que permite a distinção e união, o reconhecimento do valor dos bens ou sua desvalorização, assim como daqueles que os consomem”, defendem os pesquisadores André Luis Souza, Frederico Barbosa da Silva e Herton Ellery Araújo no texto “O consumo cultural das famílias brasileiras”, que integra a pesquisa homônima realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2007.

Em Juiz de Fora, o Centro de Artes e Esportes Unificados, o CEU da Zona Norte, é uma das experiências mais exitosas de adesão de uma comunidade a um equipamento cultural. Fundado em 2015, a partir de um modelo do Governo federal, o projeto ser adaptou às demandas do entorno e ofereceu acesso. Para discutir o assunto, ampliando a compreensão acerca do tema, a Tribuna convidou o atual diretor geral da Funalfa, Zezinho Mancini, na quarta pergunta da série “Cultura amanhã”.

Como ser propositivo quando reconhecemos que o acesso à cultura deve estar, também, onde nem o Poder Público está?

Zezinho Mancini responde

Publicitário, cursa especialização em gestão e políticas culturais, do Observatório do Itaú Cultural em parceria com a Cátedra Unesco de Girona. Ator, integrou o Teatro da Academia e a Cia. Putz!, onde também foi produtor, função que também ocupou ao atuar com o bailarino e coreógrafo Marcelo Misailidis. Sócio na produtora Santo Expedito, fez lançamento de bandas locais, gravação de clipes e a produção de espetáculos teatrais. Dirigiu o Centro Cultural Bernardo Mascarenhas entre 2013 e 2014. Foi diretor de cultura da Funalfa em 2017 e, desde o ano seguinte é diretor geral da instituição. Seu mais recente trabalho artístico é o espetáculo “Essa estranha sensação de família”, no qual assinou a direção de produção e atuou.

Há seis meses, ingressei em uma especialização em Gestão e Políticas Culturais. Na turma, somos 40 gestores de cultura oriundos dos mais diversos cantos do país. Estudamos, até o momento, com professores de nacionalidade alemã, uruguaia, espanhola e brasileira. Diante dessa pluralidade de vozes e experiências, posso dizer que há um consenso: o Poder Público não irá exaurir a demanda da produção cultural. Nem aqui, nem nas Américas, nem na Europa.
Isso porque acima da já propalada questão da insuficiência de recursos destinados ao segmento, existe a dinâmica de meios, mídias, hábitos e aspectos da cultura. Quem cria, desenvolve e define a cultura é a sociedade. As ações culturais surgem a partir da necessidade natural de um grupo social. Para a gestão cultural pública, arte erudita e popular devem ser igualmente importantes. Entretenimento e preservação de patrimônio e memória devem ter seus valores reconhecidos.
Todos os campos da cultura, inclusive aqueles que a tangenciam, como a moda, a gastronomia, o meio ambiente, a economia criativa, todos são independentes, surgem e se modificam a partir de demandas específicas. É preciso, portanto, que a gestão ordene essas demandas no contexto presente da cidade/estado/nação. Que reconheça o que deve ser estimulado, o que deve ser preservado, o que deve ser apoiado, o que deve ser nutrido. E, também, que perceba que há quem caminhe só. Cada um, cada um.
Acontece que a liberdade cultural é uma liberdade coletiva. As necessidades culturais também. Temos que compreender que promover o acesso à cultura é responsabilidade de todos os agentes. Sociedade, governo, mídia, empresariado, todos são potenciais geradores de políticas culturais. O Estado não pode ser o detentor único do poder e dizer o que deve ou não ser acessado. Ele jamais terá propriedade suficiente para definir isso. A cultura é muito maior que a política. E ela não será nunca controlada.

“Para a gestão cultural pública, arte erudita e popular devem ser igualmente importantes. Entretenimento e preservação de patrimônio e memória devem ter seus valores reconhecidos” – Zezinho Mancini

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