Sofrer de lonjura


Por Renan Ribeiro

13/12/2019 às 18h33

Minas Gerais é um estado de espírito, não tenho mais qualquer dúvida a respeito disso. Certa vez, minha mãe me contou toda tocada uma cena singela e linda, ocorrida no ambulatório onde acontecem as consultas de rotina dela. A médica que a atendeu veio de fora da cidade. Não tinha como deixar o sotaque paulista carregado passar batido. Muito atenciosa, a profissional quis saber mais sobre a rotina da minha mãe, e como ela também não nega prosa, as duas trocaram algumas figurinhas durante o atendimento. Essas conversas, algumas vezes, podem dizer muito mais sobre a saúde de qualquer paciente do que algum exame. Uma informação que pareça boba, ou que em um primeiro momento possa ser julgada como descartável, pode mudar os rumos do tratamento.

No meio da conversa, no entanto, surgiu um assunto mais sensível. A clínica contou um caso vivido por um de seus professores, que trabalhava em um dos cantões de Minas. Ele ouviu de um paciente “Doutor, eu tô sofrendo de lonjura”. Desse jeito: direto. Com total domínio do termo. E sem dar mais nenhum detalhe dos sintomas que pudesse sentir.

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O “sofrer de lonjura” tem um primo distante, também genuíno, o ”é logo ali” do mineiro, que nomeia essa coluna. Porém, com um logo ali é mais fácil lidar. É um desconforto que pode acabar rapidamente, em no máximo um par de horas (se o interlocutor tiver alguma sorte). Mas se alguém, como fez aquele senhor, encaixa lonjura na frase, a coisa fica mais grave. Nesse caso, a distância é muito dolorida, e precisamos imaginar que há muito chão nesse trajeto e o que ele representa. Fiquei imaginando, àquela altura, que estando em Juiz de Fora, a própria médica já sentia alguns dos efeitos que esse problema causa, embora ela tenha dito que estava gostando muito da cidade.

Lonjura é mal aparentemente fácil de curar, mas, na verdade, é das coisas mais difíceis de lidar nessa vida. Tão duro, que hora ou outra acaba virando caso de saúde mesmo. Essa saudade doída vai junto na mala e chega antes dela. É o que se sente ao botar o pé onde a lonjura está. A partir desse momento, ela bate mais inclemente, antecipando a falta que vai ser sentida, quando for preciso voltar. A cabeça também fica comprometida. Volta e meia estaciona na estrada e não larga quem a vive.

Quem convive sofre junto, porque o paciente desse mal guarda silêncio, fica com o olhar caído, fixo no nada. Perceptivelmente, ele vai murchando, dói só de ver. Mas para essas pessoas, um recado é importante: abrace quem sofre de lonjura. Ofereça o aconchego e o acalanto para que ela não se sinta só. A própria médica disse que muita gente busca consulta médica porque sente muita solidão. É da nossa natureza sentir falta de afeto materializado em gente que a gente ama.

A má notícia para esses casos é que a cura definitiva pode custar muito caro e, talvez, não seja viável. Mas o tratamento é possível. Ele é constante e, muitas vezes, persiste por toda a vida. Não vai resolver tudo, mas ajuda a melhorar. Nas mãos, as redes sociais e o próprio telefone ajudam a baixar os sintomas. As visitas com a maior frequência possível também melhoram o ânimo. O que também não pode ficar sem ser dito, no fim de toda essa história, é que ter lonjura também é ter a certeza de que os afetos cultivados são imprescindíveis.

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