‘A vida invisível’ e o novo Woody Allen estreiam em Juiz de Fora
A leva de estreias nos cinemas tem, ainda, “As golpistas”, “Criem sem saída” e “Entre facas e segredos”
Polêmica e diversidade de histórias marcam os filmes que estreiam nesta quinta-feira (5) em Juiz de Fora. Entre os lançamentos, estão o brasileiro “A vida invisível” e “Um dia de chuva em Nova York”, que chegam a Juiz de Fora com atraso. No caso do primeiro, o longa de Karim Aïnouz chega credenciado por um prêmio no Festival de Cannes, na mostra Um Certo Olhar, e a escolha como representante brasileiro para tentar uma indicação ao prêmio de melhor filme internacional no Oscar – decisão que provocou alguma polêmica, pois o grande preterido foi o fenômeno “Bacurau”. Já “Um dia de chuva em Nova York” é o primeiro trabalho de Woody Allen após as novas acusações de abuso sexual e pedofilia, que fizeram com que a Amazon cancelasse o contrato de produção de quatro filmes.
A leva de estreias tem, ainda, “As golpistas”, filme de Lorene Scafaria baseado na história real de um grupo de strippers que, afetadas pela crise econômica de 2008, criou um plano para manter a renda, aplicando golpes em seus clientes. Outros lançamentos são “Criem sem saída”, em que Chadwick Boseman (“Pantera Negra”) interpreta um detetive que tenta desvendar uma série de crimes contra policiais; e “Entre facas e segredos”, misto de comédia e policial dirigido por Rian Johnson (“Star Wars: Os últimos Jedi”) e estrelado por Daniel Craig, Chris Evans e Ana de Armas.
Drama de um passado ainda presente
Diretor de longas como “Madame Satã” (2002) e “O Céu de Suely” (2006), Karim Aïnouz não esconde que o melodrama foi o grande inspirador de “A vida invisível”, adaptação do livro “A vida invisível de Eurídice Gusmão” (2016), de Martha Batalha. A história nos leva até a década de 1950, no Rio de Janeiro, e mostra como o machismo, o patriarcado, era e ainda é capaz de segregar as mulheres a condições subalternas, de submissão, e impedi-las de realizar seus sonhos.
As protagonistas são as irmãs Guida e Eurídice (Julia Stockler e Carol Duarte, respectivamente, em suas estreias no cinema), filhas de um casal de portugueses. Apesar de unidas, elas têm sonhos diferentes. Mais tímida, Eurídice sonha em ser pianista, estudar em Viena (Áustria), enquanto a despachada Guida quer viver um grande amor, livre de amarras. Ela consegue, a princípio, realizar o sonho ao fugir para a Europa com um marinheiro; entretanto, ao voltar grávida e sozinha, é rejeitada e expulsa de casa pelo pai, arquétipo do homem machista e bronco de décadas passadas e que provoca a separação das irmãs. Eurídice, por sua vez, cede às pressões e termina em um casamento sem amor, com o típico “homem de bem” (Gregorio Duvivier) que, nos dias atuais, costuma ser visto rosnando pelas redes sociais e áreas de comentários dos sites de notícias.
A partir de então, “A vida invisível” mostra a trajetória das duas irmãs, os sofrimentos de cada uma numa sociedade acostumada a relegar as mulheres “certas” a uma vida do lar, de procriação, submissão ao marido – quando não coisa pior, vide a violência doméstica muitas vezes silenciada -, enquanto aquelas que se “perderam”… Bem, imagine ser mãe solteira há 50, 60 anos atrás.
A produção vem arrancando críticas positivas desde as primeiras exibições em festivais e é cotada para ser uma das cinco indicadas ao Oscar de filme internacional, provavelmente com produções como o sul-coreano “Parasita”, de Bong Joon-ho, e o espanhol “Dor e glória”, de Pedro Almodóvar.
Ah, e nunca é demais lembrar: Fernanda Montenegro, a maior atriz do Brasil, tem participação importante no final do filme.
O retorno de Woody Allen
Os últimos anos têm sido nada fáceis para Woody Allen. O ator, diretor e roteirista de 84 anos, recém-completados no último domingo (1º), foi mais uma vez acusado de abuso sexual e pedofilia, desta vez por sua filha Dylan Farrow; o caso teria ocorrido em 1992, quando ela tinha 7 anos. Ainda que não tenha sido condenado em nenhum dos escândalos, as acusações em tempos do movimento #MeToo afetaram a carreira do artista nos Estados Unidos.
A Amazon, com quem tinha contrato para quatro filmes, rompeu o acordo e se recusou a distribuir seu mais recente longa, “Um dia de chuva em Nova York”. Depois de um processo na Justiça, as duas partes chegaram a um acordo (não revelado), e Allen ficou com os direitos de distribuição do filme – nos EUA, por enquanto, nenhuma distribuidora se mostrou interessada, e pela primeira vez desde 1981 o diretor passou um ano sem lançar um novo trabalho. No exterior, porém, o filme já ganhou tela em mais de 20 países – incluindo o Brasil, onde estreou em 21 de novembro.
Por conta de toda a polêmica e escândalos, “Um dia de chuva em Nova York” tem críticas e propaganda, obviamente, prejudicadas de alguma forma pela necessária discussão do quanto a vida privada de um artista pode interferir não apenas na análise de sua obra, mas também se o público deve ignorar o artista do ser humano no momento de assistir a um filme, ler um livro, ouvir sua música.
E Woody Allen, francamente, parece pouco interessado no que pensam a seu respeito, pelo menos se analisarmos a trama de seu 49º filme, que repete muitos elementos de sua filmografia e parece ter sutis (?) alfinetadas aos seus atuais e antigos detratores.
A repetição de clichês de filmes anteriores e alfinetadas já começa com o casal de protagonistas, os namorados Gatsby (Timothée Chalamet) e Ashleigh (Elle Fanning). O primeiro, um bon vivant rico e que repete vários maneirismos dos alter egos de Allen, tem o sobrenome tirado de “O grande Gatsby”, filme de 1974 que tinha Mia Farrow, ex-mulher do cineasta, no elenco; já a segunda faz a figura ingênua, algo meio tapada, que se deixa encantar por homens mais velhos, maduros, que ora a veem como musa, ora como a jovenzinha tola que pode ser manipulada. Semelhanças com “Tudo pode dar certo”, “Poderosa Afrodite” ou “Manhattan” não são descabidas.
longa mostra que Ashleigh, estudante de jornalismo, consegue a oportunidade de entrevistar um diretor renomado, Roland Pollard (interpretado por Liev Shreiber, o sobrenome parece clara referência a Roman Polanski, diretor de Mia Farrow em “O bebê de Rosemary” e que não pode entrar nos Estados Unidos por ter sido condenado por estupro de menor de idade). A ideia, a princípio, é aproveitarem a cidade depois da entrevista, mas os namorados são logo separados e passam o final de semana em tramas diferentes.
A jovem, porém, se deixa encantar por Pollard, mais um dos personagens de Allen a viver uma crise de meia-idade e, por causa disso, envolvido com mulheres mais jovens; e ainda há tempo para se deixar levar pelas conversas do roteirista Ted Davidoff (Jude Law, outro a emular Woody Allen na tela) e o ator Francisco Vega (Diego Luna), que trabalham no mais recente longa de Roland. Enquanto isso, Gatsby, sujeito obcecado pelo passado a ponto de se recusar a enviar mensagens de texto – sim, ele liga para as pessoas -, tenta fugir da festa anual da família e vai tendo suas epifanias por Nova York, além de cruzar caminho com a irmã mais nova (Selena Gomez) de uma ex-namorada.
Com um clima de comédia romântica e de erros, “Um dia de chuva em Nova York” tem recebido críticas mistas. Para alguns, é “o bom e velho” Woody Allen de sempre, enquanto outros apontam o longa como um dos mais desinteressantes do autor por conta de repetições preguiçosas de situações e personagens já vistos em outros filmes; a visão pouco lisonjeira das personagens femininas também pouco ajuda o diretor. De toda forma, para quem se mostrar disposto a ir ao cinema, provavelmente será difícil ignorar o turbilhão de escândalos na vida de Woody Allen do início ao fim da projeção.