E se chover?


Por Júlia Pessôa

01/12/2019 às 07h00

Escrevo essa coluna numa manhã linda de sol, que promete dar praia, ainda que o tempo vire e fique nublado, ou até chegue a chover. Mas tanto faz, eu estou naquele breve estágio da vida em que pouca coisa parece importar, uns diazinhos de folga, em que a gente se desliga de todas (ou quase) as obrigações, dos nossos passos controlados pelo andar apressadíssimo dos ponteiros, do som dos despertadores nas nossas orelhas, das telas piscando nossa extensa fileira de deveres do dia. “Se chover, a gente dá uma voltinha”. Sim. (Alguém já viu que linda a cor do mar em dias nublados e de chuva).

É libertador, sim, e ao mesmo tempo um tanto triste, como conseguimos ser maleáveis em dias que estamos livres dos nossos afazeres. É justificável, claro. No corre dos prazos e coisas que precisam ser feitas, entregues, respondidas, não dá para pensar em poesias clichê “como é linda a cor do mar em dias de chuva”, a gente só pensa que não tem mar, na chuva que engarrafa o trânsito e atrasa nossa chegada em algum lugar em que precisamos estar 20 minutos atrás. A rotina, e sua extensa lista de afazeres, parece que comprime nosso cérebro em dias úteis, e a gente nunca consegue pensar em emendas que, como roga a sabedoria popular saem piores que o soneto. “Se chover, vou atrasar”. “Se chover, vou pagar mil reais num uber caríssimo”, “Se chover, o trânsito vai ficar um inferno”, “Se chover, ninguém vai”, “Se chover, já era”. Não que seja mentira – detesto o discurso falso e Pollyanista de que “tudo tem seu lado bom”.

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Mas aqui com a cabeça calma, na contradição de ouvir o silêncio – interrompido só por cigarras que confirmam a claridade do dia (acabei de pesquisar no Google que elas seguem a claridade, daí o aumento de seu número em grandes centros urbanos em que a luz nunca se apaga – mas essa anedota fica para outra coluna), sempre vai ter uma opção se chover. Ainda que seja perder a praia e ficar em casa, como ficaria na minha própria. E eu espero poder manter, ainda que só um pouquinho, esse espírito que impede que a gente se paralise. Então se falharem meus planos para os dias, por mais atribulados que possam ser, eu quero muito poder ir a algum lugar da minha cabeça ou do meu coração, “dar uma voltinha”. Por dois minutinhos que sejam. Só para recarregar os níveis de coragem e impetuosidade necessários para encarar qualquer temporal; só para encontrar as luzes, mesmo quando elas são claramente artificiais. (E assim, gastei minha metáfora das cigarras).

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