Uso de agulhas em escola de JF leva 84 pessoas à busca de coquetel
Compartilhamento em teste de glicemia feito por alunos e moradores do Parque Independência aconteceu em feira de ciências
Um compartilhamento de agulhas por mais de 80 pessoas durante teste de glicemia na feira de ciências realizada no último sábado (23) na Escola Municipal Arllete Bastos de Magalhães, no Bairro Parque Independência, Zona Nordeste de Juiz de Fora, levou desespero aos responsáveis pelos alunos e deixou as autoridades de Saúde do Município em alerta. Nesta terça-feira, houve corrida ao HPS e ao Departamento de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST/Aids), no Morro da Glória, em busca do coquetel de medicamentos indicado como medida de Profilaxia Pós-Exposição de Risco (PEP). Segundo a Prefeitura, os três remédios foram distribuídos a 84 usuários que se submeteram ao exame naquela ocasião e deverão ser tomados durante 28 dias contínuos. A maioria do grupo exposto ao risco biológico é formada por adolescentes, com idades entre 14 e 16 anos, mas o evento era aberto à comunidade e, portanto, moradores da região também podem ter sido afetados. A pressa em adquirir a medicação é explicada pelo fato de a prevenção de urgência à infecção pelo HIV e hepatites virais ter que ser realizada em até 72 horas após o episódio de contato. Ainda conforme a PJF, até o início da noite, todas as 84 pessoas fizeram o teste viral, e todos os exames deram negativo.
Apesar de a feira de ciências ter acontecido no sábado, o caso veio à tona só na segunda-feira, após uma aluna contar à mãe, funcionária de unidade de saúde, que havia utilizado a mesma agulha que a colega durante o teste de glicemia. Segundo a Secretaria de Comunicação, a responsável entrou em contato com a direção da escola e repassou a informação. Em seguida, as secretarias de Saúde e de Educação também foram notificadas e decidiram montar um esquema especial para atender a todos aqueles que se submeteram ao procedimento. Alguns responsáveis chegaram a relatar que o coquetel teria acabado no HPS, onde 24 pessoas foram atendidas na manhã desta terça, seguindo o Protocolo de Atendimento ao Risco Biológico Ocupacional e Sexual (Parbos). A assessoria da Secretaria de Saúde, no entanto, afirmou ter sido uma opção a mudança do local de atendimento para o Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) do Departamento de DST/Aids, próximo à Avenida dos Andradas, onde os envolvidos foram orientados pelo médico infectologista Marcos de Assis Moura e receberam o medicamento. Ainda conforme a pasta, devido à alteração, um veículo do Serviço De Transporte Inter-Hospitalar (Stih) permaneceu no HPS para fazer o transporte dos usuários.
Na fila de espera pelo serviço, o tom era de revolta. Érica Batista, 44 anos, foi buscar o PEP para o filho de 13 anos, estudante do 7º ano. “Ele participou da feira no sábado, e o dia foi normal. Essa notícia do compartilhamento de agulhas surgiu ontem à noite (segunda). A coordenadora da escola me ligou por volta de 21h30 falando que houve um acidente com as crianças, que compartilharam uma agulha no teste de glicemia na escola. Na hora fiquei muito indignada.” A mãe do aluno foi orientada a ir ao HPS até as 8h desta terça. Levantei cedo, cheguei lá às 7h30, e já não conseguimos mais medicamento. Tivemos que vir para cá.” Devido à demora, ela teme que os remédios não façam mais efeito. “Ele vai tomar atrasado”, lamentou.
Para Érica, houve falta de responsabilidade. “A diretora deveria ter chamado um setor da área de Saúde, e não ter deixado uma professora, que não tem habilitação para isso. Principalmente porque ela deixou os alunos fazerem sozinhos. E agora? Como vai ser? E se tinha alguém infectado? Foi um evento aberto, qualquer pessoa do bairro participou. Várias crianças e adultos. Não tenho ideia de quantos, mas no HPS disseram que só de madrugada passaram mais de cem pessoas.”
Já outra mãe, 42, que preferiu não se identificar, contou ter sido informada da situação envolvendo sua filha, 16, na manhã desta terça, quando a diretora do colégio telefonou. “Questionei para saber se era pessoal de enfermagem que havia feito o teste. Pretendo fazer boletim de ocorrência, porque a professora deu uma de médica, mas não é.” Ela também chegou a ir ao HPS, sendo orientada a seguir para a unidade no Morro da Glória.
A Secretaria de Comunicação da Prefeitura informou que todos os alunos participantes da feira de ciências teriam sido devidamente orientados pelos professores responsáveis pelo evento na escola municipal, que oferecia o teste de glicemia entre as atividades. A estimativa da pasta era de que entre 85 a 100 pessoas poderiam ter sido submetidas ao compartilhamento de agulhas, mas no fim do dia foram confirmadas 84, sendo todas orientadas a tomar a medida profilática. Paralelamente, a Secretaria de Educação instaurou procedimento para apurar o fato e as responsabilidades.
Alunos usaram mesma agulha em sala
Estudantes e responsáveis por alunos da Escola Municipal Arllete Bastos de Magalhães também denunciaram que, na quarta-feira da semana passada, pelo menos três alunos de uma sala do oitavo ano do ensino fundamental teriam feito testes de glicemia com agulha compartilhada. Eles teriam usado o equipamento de uma colega diabética. “Ela está acostumada a fazer o teste sozinha em casa e teria levado para dentro da sala de aula para mostrar como iria fazer na feira de ciências. E a professora permitiu”, disse Érica Batista, 44 anos, mãe de um discente de 13 anos.
Uma adolescente, 15, contou ter participado da equipe que realizou os testes de glicemia na feira na manhã de sábado. “Não tinham comprado algodão. Tive que ir lá em casa buscar. E não tinha álcool também. Minha amiga pegou. Depois a professora ajudou a arrumar um material e sumiu. Deixou só a gente. Minha amiga furava, pegava o algodão e limpava o dedo. Furou professor, criança, aluno. Furou gente pra caramba de todas as idades.”
Segundo a jovem, havia boa quantidade de materiais descartáveis disponíveis, como as fitinhas e as agulhas usadas nos testes de glicemia, mas teria faltado orientação. “Eu só fiquei metade do período e não estava reparando naquilo, mas vi que ela trocava algumas agulhas, não todas. A professora não podia ter deixado minha amiga sozinha, ela tem só 14 anos. Achou que ela sabia fazer só porque tem diabetes. Mas ela está acostumada a se furar, e não furar outras pessoas.”
Tratamento e exames de sangue periódicos
O infectologista do Departamento de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST/Aids) da Prefeitura, Marcos de Assis Moura, esclareceu que para toda pessoa submetida a acidente biológico, por contato com sangue ou fluidos corporais, é indicado o uso de Profilaxia Pós-Exposição de Risco (PEP), existente há mais de 20 anos no Brasil. “Visa à prevenção do HIV. À pessoa exposta nesse contexto, em até 72 horas, é oferecido antirretroviral, o coquetel do próprio tratamento de HIV, por 28 dias, a fim de prevenir essa infecção, foco da prevenção.”
Além da medicação, todos os envolvidos no caso da Escola Municipal Arllete Bastos de Magalhães estão passando por testes de sangue. “A pessoa faz exame inicial e, estando negativa (para HIV), inicia o tratamento. No final das quatro semanas, fazemos outro exame para verificar se houve positividade ou não. E repetimos com três meses, conforme protocolo do Ministério de Saúde. De forma geral, os riscos são muito baixos para HIV, porque menos de 10% das transmissões são por acidentes biológicos. Em Juiz de Fora, não temos relato de caso após o PEP bem feito.”
Sobre a possibilidade de alguns estudantes ou moradores do Parque Independência terem tido acesso à medicação mais de 72 horas após o evento, o médico afirmou que a prevenção é uma requisição e um direito do indivíduo. “Não estamos quantificando as horas, está tudo em torno de 72 horas. É muito difícil, em acidente de surto, individualizar caso a caso, pelo motivo de cometer uma injustiça ou, ainda, estigmatizar o paciente ou expor a situação dele. Porque estamos falando de um acidente biológico que inclui uma testagem prévia, na qual pode-se descobrir alguma doença.” O prazo considerado pela equipe para efeito do coquetel foi até as 14h desta terça. “Mas é bom ressaltar que nesse tipo de acidente com material perfurocortante, do tipo que aconteceu na escola, é extremamente baixo o risco”, afirmou o infectologista.
Segundo ele, quem precisar de atendimento individualizado ou tiver dúvidas específicas terá disponíveis serviços médicos e psicológicos. Sobre os possíveis efeitos colaterais do PEP, o profissional disse que há muito preconceito. “Na última década, os medicamentos que têm mais tecnologia no mundo são os antirretrovirais. E o Brasil é exemplo, usa o melhor, com menos efeito colateral. Tem muitos poucos casos, independentemente da idade.” Já as bulas, conforme o médico, preveem “infinitos” efeitos colaterais. “É necessário relatar dos mais simples aos mais graves. Mas na prática, menos de 5% interrompem a terapia.”
Sobre o caso da escola, o infectologista orienta a sempre procurar uma equipe especializada para procedimentos como o teste de glicemia. “Qualquer manipulação de material biológico deve ser feita por profissionais da área de saúde. Eles estarão aptos a organizar esse material e, o mais importante, fazer o descarte adequado. Apesar de ser corriqueiro o hábito de a pessoa fazer domiciliarmente a glicemia, coisas em grupos têm que ser orientadas.”