É o carro dos novos álbuns passando na sua rua
Oi, gente.
Fuçando aqui e ali no nosso serviço de streaming, além da pescaria em outras freguesias notícias e postagens, descobrimos meia dúzia de álbuns que despertaram nossa curiosidade – e é claro que dividiríamos nossas considerações consideráveis após algumas adições de cada trabalho.
Sendo assim, a coluna desta semana traz as resenhas dos novos trabalhos de Nick Cave and The Bad Seeds, Tindersticks, Pixies, Kim Gordon, Ana Frango Elétrico e 808 State. Como se pode perceber, tem disco para todos os gostos na lista; se valem a pena ser conferidos são outros 800, mas já fizemos o trabalho sujo para nossos fiéis leitores.
E para A Leitora Mais Crítica da Coluna, claro, pois amar é recomendar apenas bons discos.
(Um parêntese aleatório para contar uma história de pai. Antônio, O Primeiro de Seu Nome, está numa fase Beatles e gosta muito de “All you need is love”, que ele canta da forma que uma criança de três anos consegue entender. Aí que Antônio quis “falar com aquela moça”, que é a Alexa do Amazon Music, e pediu “All you neeed is love” – que ela entendeu, ignorante que é do vocabulário infantil, como “Aline Churrasco”. Só isso mesmo, quis compartilhar um desses momentos mágicos da paternidade)
Para encerrar o texto de abertura, vale lembrar que algumas músicas desses álbuns estão em nossa playlist no Spotify, “…E obrigado pelos peixes”, que já conta com mais de 90 horas de música. Vai lá, figurão, e clique em “seguir” sem medo das consequências.
Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.
NICK CAVE AND THE BAD SEEDS, “GHOSTEEN”
“Skeleton Tree”, lançado em 2016, era por origem um trabalho sombrio, mas ganhou contornos ainda mais dramáticos por conta da trágica morte, um ano antes, de Arthur, um dos filhos de Nick Cave, então com 15 anos. Pois o 17º álbum do cantor e compositor australiano com os Bad Seeds mostra como essa tragédia pessoal continua a afetar suas composições.
“Ghosteen” é um dos melhores álbuns de 2019 e da carreira do australiano, com letras que mostram o quanto o talento de Nick Cave como contador de histórias, sua capacidade narrativa, segue intacto. Ao abrir mão das guitarras e estruturar as músicas a partir de pianos e sintetizadores, o grupo entrega um trabalho que lembra em muitos aspectos o belíssimo “The boatman’s call”, de 1997. São 11 faixas em que Nick Cave canta sobre dor, perda, morte e a brevidade de nossas existências, a procura e negação da fé, da existência de uma entidade superior, desilusões do coração e, claro, a perda do filho.
Encerramento de uma trilogia que inclui “Push the sky away” e o já citado “Skeleton Tree”, “Ghosteen” não é álbum fácil de ouvir, mas é belíssimo em suas canções capazes de dilacerar a alma humana. Para os pais e mães de todo mundo, um trabalho capaz de mostrar como tudo que é precioso pode se tornar frágil e efêmero em um segundo.
ANA FRANGO ELÉTRICO, “LITTLE ELECTRIC CHICKEN HEART”
Veja só como são as coisas caóticas. Descobri Ana Frango Elétrico quando estava de bobeira, vendo os stories alheios no Instagram, e resolvi ver qual era dessa guria de nome tão esquisito – depois descobri que é uma brincadeira com seu nome de batismo, Ana Fainguelernt.
No início veio aquela sensação “WTF?”, mas aos poucos fui sacando os paranauês da moça e hoje posso afirmar que “Little Electric Chicken Heart” é uma das coisas mais legais e inusitadas que ouvi em 2019. Com apenas oito músicas e uma vinhetinha, o álbum é uma divertida mistura de bossa nova, pop, Mutantes, jazz, Tom Zé, samba e até rock.
As letras às vezes são profundas, às vezes herméticas, em alguns momentos quase bobinhas, com um pé no nonsense, e tratam sobre amor, política, questões existenciais e problemas capilares. Como é difícil escolher uma favorita, dá para curtir numa boa faixas tão diferentes como “Torturadores”, “Promessas e previsões”, “Tem certeza?”, “Se no cinema”, “Caspa” e “Devia ter ficado menos”.
PIXIES, “BENEATH THE EYRIE”
Para quem estava acostumado com o caos e destruição sonora de clássicos como “Doolittle” e “Surfer Rosa”, “Beneathe the Eyrie” é uma decepção tão grande quanto os outros dois álbuns lançados pelos Pixies desde que a banda retomou suas atividades. É um disco sem pegada, pressão, que não faria a menor falta no currículo do grupo. Infelizmente, só reafirma os temores que começaram a surgir com o lançamento de “Indie Rock City”, em 2014: a perda da magia quando uma banda fica tanto tempo separada/sem gravar, o envelhecimento dos integrantes (a voz de Black Francis, definitivamente, não é mais a mesma), a falta que faz a baixista Kim Deal, que pulou do barco quando resolveram voltar ao estúdio.
As letras sobre morte, obsessões, religião e surrealismo marcam presença no trabalho, mas as guitarras furiosas e os vocais insanos de Black Francis ficaram em um passado muy distante. Entre os poucos destaques do álbum estão “St. Nazaire”, “Daniel Boone” e “On Graveyard Hill”. Por outro lado, músicas como “Los Surfers Muertos”, “This is my fate” e “Bird of prey” dão uma uma preguiça danada e saudades de clássicos como “Velouria” e “Monkey gone to Heaven”.
808 STATE, “TRANSMISSION SUITE”
Eu tenho um teste todo particular para saber se um álbum de música eletrônica é bom ou ruim: ouvir na estrada, no ônibus, só observando a paisagem. Pois “Transmission Suite”, sétimo álbum dos ingleses do 808 State, passou com louvor em minhas jornadas até Volta Redonda e Rio de Janeiro. Paisagens diferentes, sensações similares.
O disco é o primeiro em 17 anos da dupla Graham Massey e Andrew Barker, e mais que justifica aquela máxima noventista de que o techno seria a música do século XXI. É uma viagem sonora de quase três décadas, com aquela impressão de que o álbum poderia ter sido contemporâneo de um “In sides”, do Orbital, ou “Dig your own hole”, do Chemical Brothers, e, assim como estes, não tem aquela sensação chatinha de coisa datada. Música feita novo milênio mas com todo jeito de anos 90, porém aqueles anos 90 que mostravam um futuro que permanece à frente de nosso tempo.
“Tokyo Tokyo” já entrou na minha lista de melhores músicas do ano, mas “Transmission Suite” ainda tem maravilhas dançantes e viajantes como “Skylon”, “Landau”, “Cannonball Waltz”, “Trinity”, “Ujala” e “The Ludwig Question”.
KIM GORDON, “NO HOME RECORD”
O primeiro álbum solo de Kim Gordon saiu há pouco mais de um mês, quase uma década depois do fim do Sonic Youth, banda da qual fez parte por 30 anos. Se a espera foi longa, ela valeu a pena: “No home record” é um passo à frente na carreira da cantora, baixista, guitarrista, artista visual, escritora e outros baratos.
O álbum, obviamente, tem um pouco do DNA do Sonic Youth nas experimentações sonoras, guitarras e letras, mas, com a liberdade total de um disco solo, Kim Gordon acrescenta elementos como batidas eletrônicas, vocais inspirados no hip-hop e instrumentos que não costumavam fazer parte do cotidiano de sua antiga banda, como violoncelo e piano elétrico.
Entre os destaques do ótimo “No home record” estão “Air BnB”, “Hungry baby”, “Sketch artist” e “Murdered out”.
TINDERSTICKS, “NO TREASURE BUT HOPE”
Sabe uma coisa que não entendo? O fato de NÃO CONHECER UMA PESSOA SEQUER, umazinha pelo menos, que conheça e goste dos Tindersticks. Às vezes imagino que seja algo esquizofrênico de minha parte, um tipo de música que existe exclusivamente na minha cabeça. Não lembro a data, aconteceu em algum momento da década passada, mas a primeira vez que ouvi “(Tonight) Are you trying to fall in love again” foi uma dessas epifanias musicais que de vez em quando acontecem comigo. Daí parti para a discografia dos ingleses, escrevendo uma ou outra resenha elogiosa de álbum, compartilhando nas redes sociais e… Um silêncio absoluto por parte dos outros seres humanos a respeito do pop de câmara feito pela banda.
“No treasure but hope” foi lançado há menos de duas semanas, e, como não sou vacilão, parti imediatamente para a audição, com arrependimento zero: o álbum é lindo de se ouvir, de uma delicadeza nos arranjos, nos detalhes, que merece do ouvinte isolamento total do resto da humanidade. São canções sobre gente como a gente, o mundo, sobre todos esses sentimentos que carregamos e por situações banais e dramáticas pelas quais passamos, pontuadas pela voz de barítono de Stuart Staples, na melhor tradição da música dos anos 60.
Destacar apenas uma ou outra faixa de “No treasure but hope” seria injusto além da conta. Faça o favor de ouvir o álbum do início ao fim, e, se gostar, entre em contato, por favor; é muito solitário um mundo em que sou o único fã dos Tindersticks.