Medo besta


Por Júlia Pessôa

24/11/2019 às 07h00

Uma tentativa/ameaça/suspeita de assalto, uma reação a mão armada, uma vítima fatal. Troque-se os nomes e , dependendo do caso, a ordem dos fatores, e temos a cena repetida elevada à enésima potência. “Estava no lugar errado, na hora errada”. Até quando se vai defender a máxima de que armas são sinônimos de segurança para o dito “cidadão de bem”, quando Ágathas não chegam aos dez de idade, quando músicos são exterminados por oitenta tiros (OITENTA TIROS), quando… quem foi que matou Marielle e Anderson mesmo? Infelizmente, adianto a resposta. Não é tão cedo que vai acabar o belicismo no país em que se manda e desmanda e que o cargo de maior poder político é ocupado por alguém que funda um partido próprio, cujo número faz alusão ao calibre 38 de um revólver, e cuja representação é um painel feito com cartuchos de balas. (A ultradireita, além de todas as tristes mazelas, é cafonérrima).

Eu entendo o impulso que faz quem se sente ameaçado de alguma forma correr a mão à cintura para buscar a arma. O problema é ela estar ali, e poder estar cada vez mais facilmente. O problema é ela ser a resposta, a primeira, quando não a única. O problema é achar que ela é proteção. Não é. Jamais será. Não se apaga fogo com gasolina, não se coíbe a insegurança causando mais insegurança (a ponto de matar), não se evita tragédia com tragédia. “E se fosse você? E se tentassem te assaltar/matar/roubar/insira aqui sua pergunta passivo-agressiva sobre criminalidade?”. Só neste ano, houve um aumento de 16% no número de pessoas mortas e feridas por balas perdidas em locais em que havia presença de agentes de segurança do estado (policiais civis ou militares). Segundo o levantamento, da plataforma Fogo Cruzado, 23 pessoas morreram e 61 ficaram feridas na Região Metropolitana do Rio entre 1º de janeiro e 3 de setembro. Estamos falando de ações com agentes treinados. Imagine a desgraça quando pensarmos num cenário em que qualquer borra-botas como eu e você que me lê pode ter acesso a uma arma de fogo.

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Esses dias mesmo falei sobre um medo que carrego desde sempre, mesmo tendo achado, também desde sempre, muito besta. De estar, um dia, no dito “lugar errado, na hora errada” – que parece ser cada vez mais frequentado – e passar alguém atirando, ao léu. A cada dia que passa, tenho achado meu medo menos besta. E ando com um questionamento perene, como um zumbido na orelha depois de um estrondo: restarão lugares e horas certas?

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