“The Mandalorian”, a série que vai te colocar na ilegalidade

Por Júlio Black

20/11/2019 às 07h01 - Atualizada 20/11/2019 às 07h12

Oi, gente.

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O Disney+, serviço de streaming que estreou no último 12 lá na gringa, chegou com a promessa de entregar tudo, mas tudo mesmo, que está sob o guarda-chuva da mastodôntica empresa de entretenimento : conteúdo da própria Disney (filmes, animações, séries) produzido em quase um século, Marvel, Lucasfilm, National Geographic, Pixar, Fox. Até aí meio que tanto faz; o bicho pega quando pensamos nas novidades, que incluem a primeira série em live-action do universo de “Star Wars”, “The Mandalorian”. E por que o bicho pega? Porque o Disney+ está disponível, por enquanto, apenas nos Estados Unidos, Canadá e Holanda, deixando milhões de fãs de “Guerra nas Estrelas” sem acesso à produção, pelo menos por alguns meses. No caso do Brasil é ainda mais angustiante, pois a gigante capitalista já avisou que o serviço só deve chegar ao país daqui a um ano (!).

Ou seja: no mundo da lei e da ordem, “The Mandalorian”, por aqui, demora uns 12 meses, pelo menos, pagando o boleto ou debitando em conta.

Teoricamente, é assim que a procissão anda, mas… Estamos no século XXI, né?, e a gente sabe que a tecnologia está aí para o bem e para o mal – e para quem, na letra fria da lei, tem disposição de desrespeitar questões como direitos autorais, pirataria, transmissão de conteúdo. Como desrespeitar a letra fria da lei é tão fácil como ferver água, neste caso, “The Mandalorian” já tem os dois primeiros episódios disponíveis para download em sites corsários e serviços de torrent, com legendas que são preparadas a ponto de conseguirem completar a Corrida de Kessel em menos de 12 parsecs.

Para o fã de séries em geral e “Star Wars” em particular, provavelmente não há muito o que se pensar: é partir para o abraço e baixar os episódios por vias “extraoficiais”, assistir e comentar com os amigos. Para jornalistas e o povo de sites especializados, podcasts, youtubers, porém, fica a questão: a não ser que você passe uma temporada nos Estados Unidos, Canadá, Holanda, como explicar o “já assistimos a ‘The Mandalorian’, e aqui estão nossas considerações”? Conversando com um amigo a respeito, ele não titubeou: “Ora, vai lá, assiste, escreve a respeito e deixa quieto”. Quem viajar por sites de cultura pop, no YouTube ou podcasts com certeza topará com quem promete “viajar” para a América toda semana só para assistir à série.

Em bom português: TODO MUNDO vai assistir a “The Mandalorian”, e dane-se que vai demorar um ano para chegar aqui. A não ser que tenhamos um acordo de última hora entre a Disney e outra plataforma de streaming.

Por isso, o que tem formigado na minha cachola nos últimos dias é: até que ponto o direito ao acesso à cultura, a uma obra de arte/entretenimento, nos dá o direito de assumirmos a condição de bucaneiros da internet; e até que ponto uma empresa de entretenimento pode acusar de pirataria quem baixa conteúdo ilegalmente pela internet, uma vez que o tal conteúdo não está disponível para a pessoa pelas vias legais, mesmo que ela esteja disposta a pagar por ele – e, no caso de “The Mandalorian”, falamos de uma produção que integra uma franquia com os tais fãs ávidos e coisa e tal, que entregariam seus reais sem pensar duas vezes. Mas veja bem, partimos do pressuposto que esse compartilhamento coletivo não resulte em lucro para terceiros, pois ninguém aqui é a favor de gatonet, camelô vendendo DVD a cinco reais etc.

Vamos dar um exemplo das antigas sobre como a pirataria pode ser falta de opção, e que rolava muito quando o assunto era música. Hoje temos serviços de streaming mais baratos que um CD, mas imagine o sujeito, 15 anos atrás, que queria comprar o álbum de um My Bloody Valentine da vida. Ele descobre que o tal álbum nunca foi lançado no Brasil por falta de interesse das gravadoras, a lojinha de discos jamais importaria o disco, as compras pela internet ainda engatinhavam no Brasil… Mas o Soulseek tinha o disco para baixar, compartilhado por um anônimo, só bastava ficar conectado algumas horas na internet discada. Basicamente, o sujeito queria gastar seus reais no álbum, mas ninguém “deixava”, aí a solução era “saquear” o ganha-pão do artista.

Voltemos para 2019. A internet de alta velocidade é uma realidade, todo mundo com Smart TV em casa, smartphone na palma da mão, notebook, tablet, galera disposta a assinar dois ou três serviços de streaming… O que a Disney faz? “Ah, vamos demorar um ano para oferecer o serviço, então todo mundo sem ‘The Mandalorian’, ok?”.

Convenhamos, é um senhor tiro no pé. Estamos em pleno século XXI, malandro, em que os filmes costumam estrear no Brasil até com um dia de antecedência em relação aos EUA, ninguém precisa mais esperar três, seis meses, tudo para evitar a pirataria. Os canais de TV por assinatura aprenderam com “Lost” e “Game of Thrones” que não dá para aguardar uma semana, um mês, que até lá geral já foi na internet e baixou tudo. Amazon e Netflix fazem estreias globais de “The crown”, “Mr. Robot”, porque sabem que bobeou, o torrent vai lá e créu.

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Quando os serviços de streaming ainda engatinhavam, anos atrás, essa estratégia do Disney+ até poderia fazer sentido, afinal o volume de produções deve ser gigantesco. Mas hoje, com todas as facilidades da tecnologia, não há explicação plausível para a Disney deixar passar um espaço de tempo tão grande. Uns dois, três meses, ainda vai, mas um ano? Em termos capitalistas e tecnológicos, é uma eternidade, e nesse período não vai faltar gente disposta a dar um pulo nos sites corsários para baixar ilegalmente tudo que for lançado pelo Disney+.

Daí vem a questão de um milhão de downloads: como tratar como “pirateador” um sujeito que não quer ganhar dinheiro com o compartilhamento ilegal de conteúdo, mas apenas assistir a uma história do universo do qual ele é apaixonado? Afinal, estamos falando de esperar um ano, e não uma semana ou um dia, que aí já seria algo meio besta e mais questão de afobação, do “ah, mas eu quero agora”,e sabemos que esperar um cadinho não faria mal.

No final das contas, sei lá, é tudo muito complicado, nebuloso. Como trabalho com cultura, acredito que ela deva estar ao alcance de todos, ao mesmo tempo que é direito do artista, do dono da franquia, cobrar pelo conteúdo produzido. Mas e quando essa corporação não permite o acesso, como fica? Como reclamar do download ilegal por algo que a pessoa quer pagar, mas não deixam?

É um caso a se pensar. E assistindo a “The Mandalorian”, provavelmente.

Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.

Júlio Black

Júlio Black

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