Encanto quebrado


Por Renato Salles

15/11/2019 às 07h08

Quando eu era criança, gostava muito mais da Seleção. Entre o final dos anos 1980 e o início dos 1990, aquela camisa amarela tinha algo de mágico e de raro que me prendia por horas à frente do televisor. Lembro, sempre com carinho, de sorrisos e lágrimas. Entre o choro do garoto de sete anos na eliminação nos pênaltis para a França na Copa de 1986 e o gol de Cannighia após passe genial de Maradona na derrota de 1 a 0 no Mundial de 1990, rememoro com alegria os gols de Bebeto no título da Copa América de 1989. Era só um garoto como outro qualquer, que, àquela época, acreditava, de fato, que a Seleção era o Brasil.

Depois veio a Copa de 1994 e o tetra do time de Parreira. Com 15 anos, aquela foi a primeira vez que fui para a rua comemorar uma conquista futebolística. Lembro, como se fosse hoje, da farra nas ruas lotadas do Alto dos Passos. Em 1998, a convulsão do então Ronaldinho foi um baque de quem ainda acreditava que o Brasil era infinitamente melhor do que os outros. Daí, veio 2002. Para mim, a grande Copa. À época na faculdade, os jogos da madrugada eram motivos para festas, farras e paixões, garantidas também pelo talento do agora Ronaldo, de Rivaldo e de um outro Ronaldinho.

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Talvez 2002 tenha sido o ápice do meu carinho com a Seleção. A Copa do “JapãoCoreia” foi a única e última vez em que o menino/adolescente apaixonado pela camisa amarelinha conviveu com o adulto blasé no que concerne ao time da CBF. Não torço contra, mas também não sofro. Foi assim em 2006 – com a farra do time do Parreira – e em 2010 – com a rabugice da equipe de Dunga. Em 2014, até tentei reaver o afeto, afinal a Copa foi disputada no rio da minha terra. Fui em três jogos do selecionado nacional. Fiz muita farra e cantei a plenos pulmões. Torci a favor. Mas não sofri. O mesmo aconteceu em 2018.

Hoje, abro o jornal e vejo que o Brasil enfrenta a Argentina. Só isto era razão para o coração disparar em minha tenra infância e arredia adolescência. Agora, não desperta a menor emoção. Não sou mais a criança que gostava em demasia da Seleção, que está longe de ser o Brasil. Atualmente, são outros os 7 a 1 diários vivenciados nesta República proclamada há 130 anos que me afligem.

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