Zona da Mata pode perder 52 pequenos municípios

PEC prevê extinção de cidades com menos de cinco mil habitantes e arrecadação inferior a 10% da receita


Por Gracielle Nocelli

08/11/2019 às 07h00

Goianá seria uma das localidades atingidas, caso medida fosse implementada hoje (Foto: Fernando Priamo)

A Zona da Mata pode ter 52 cidades extintas caso a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Pacto Federativo, apresentada na última terça-feira (5) pelo Governo federal, seja aprovada. A matéria determina que os municípios com menos de cinco mil habitantes e arrecadação inferior a 10% da receita total sejam incorporados pela cidade vizinha maior (ver quadro). De acordo com a estimativa do próprio Governo, no país há 1.254 localidades que passariam por este processo. Já em Minas Gerais, segundo dados do Tribunal de Contas do Estado (TCE), este número seria de 211. Ainda de acordo com a PEC, a incorporação teria vigência a partir de 2026 e uma lei complementar definiria qual município vizinho irá absorver a demanda que seria criada. Para o Governo, esta seria uma alternativa para ajustar contas públicas. A proposta trouxe preocupação às prefeituras da Zona da Mata, que temem, sobretudo, as perdas econômica e de identidade cultural. Além disso, há o questionamento se os municípios maiores, como é o caso de Juiz de Fora, teriam condições de absorver e administrar a nova realidade.

O prefeito de Tabuleiro, Dauro Martins (PP), relatou a preocupação com o que pode vir a acontecer. A cidade, situada a cerca de 60 quilômetros de Juiz de Fora, tem 220 postos de trabalho na Administração Pública. “O primeiro impacto seria o desemprego, mas a perda vai mais além. Os municípios pequenos possuem sua identidade cultural e vocação econômica próprias. Com a incorporação, isto seria perdido.”

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Para ele, a nova realidade prejudicaria todo o avanço que Tabuleiro conquistou até o momento. “Quem tem vivência de cidade pequena sabe que trabalhamos muito para criar uma tradição econômica. Aqui a nossa vocação é a pecuária de leite, e também estamos fortalecendo o turismo. Se perdermos a nossa identidade, todo este trabalho também será perdido. Nós ficaremos em condições financeiras piores, seremos um bairro pobre e distante da cidade maior.”

Perda de referência

Na avaliação do prefeito de Piau, Gilmar Aparecido Rezende de Castro (PMDB), a medida representa um retrocesso. “Esta discussão faz com que o município perca a autonomia que conseguiu há mais de 80 anos, isto é regredir.” Destacando que a cidade, situada a cerca de 45 quilômetros de Juiz de Fora, oferece um serviço de saúde de excelência para a região, ele afirma que a aprovação da PEC prejudicaria esta atividade. “Muitos moradores de municípios do entorno recorrem aos atendimentos em Piau, como ficaria esta referência?”, indaga. Neste sentido, também há a preocupação com o turismo. “A nossa tradicional Festa da Banana é reconhecida no país inteiro. Seria outra perda de referência com a extinção de Piau. Acredito que há muitas outras possibilidades para se fazer economia. Não é necessário acabar com os municípios pequenos.”

Também na lista de cidades que seriam extintas está Goianá, que sedia o Aeroporto Presidente Itamar Franco e está localizada a 40 quilômetros de Juiz de Fora. O vice-prefeito Paulo Roberto Assis (PSC) diz que está tranquilo com a situação do município, mas teme pelas localidades vizinhas. “Como a medida, se aprovada, será apenas em 2026, acredito que nós não estaremos mais nesta lista. Até lá é provável que o novo Censo mostre que ultrapassamos os cinco mil habitantes, e a nossa arrecadação, que hoje é em torno de 8%, também poderá atingir o percentual exigido. Mas lamentamos pelos vizinhos que podem sofrer por conta desta medida, que é um retrocesso.”

Aumento da demanda

Já o prefeito de Pequeri, Rafaneli Salles de Almeida (Nelinho, PSDB), ressalta as dificuldades que a incorporação apresentaria para as cidades maiores. “Fiquei muito surpreso com a proposta desta medida, pois, além de acabar com a autonomia de muitas cidades pequenas, ela cria um trabalho de gestão bastante complexo para as maiores. Espero que a matéria não seja aprovada, pois quem é do interior sabe como é importante esta identidade cultural para cada morador. Além disso, acredito que criaria um tumulto para quem absorver a demanda que será criada.” Segundo ele, este é o momento para apoiar os municípios pequenos e não tirá-los do mapa. Pequeri está distante cerca de 55 quilômetros de Juiz de Fora.

PJF e AMM criticam medida

Procurada pela Tribuna, a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) analisou a medida apresentada pelo Governo como “incipiente”. Em nota, justificou que “a proposta não apresenta cálculos sobre a economia que será gerada”, e que seria preciso “mais discussão e detalhamentos a respeito”. No texto, também esclareceu que não é possível prever como seria os impactos da incorporação dos municípios. “Não sabemos quais cidades seriam incorporadas por Juiz de Fora, por isso, não é possível mensurar como se daria este processo.”

Já a Associação Mineira de Municípios (AMM) se posicionou de forma contrária à PEC do Governo federal. Em nota emitida à imprensa, o presidente da entidade e prefeito de Moema, Julvan Lacerda, declarou que trata-se de uma proposta inviável com a intenção de desviar o foco dos problemas enfrentados pelo Governo. “Primeiramente, os municípios deveriam ter sido ouvidos. As entidades municipalistas deveriam ser consultadas. É uma mudança drástica vinda de cima para baixo. Tem município com menos de três mil habitantes muito mais bem gerido do que o próprio Governo federal.”

A AMM afirmou, ainda, que está “analisando criteriosamente os impactos da medida para os municípios mineiros.”

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Especialista aponta “zero chance” de aprovação

Na avaliação do cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Marco Antonio Carvalho Teixeira, a PEC tem “zero chance” de ser aprovada. “Não se pode discutir extinção de um ente federativo com base apenas em critérios fiscais, é preciso levar outras variantes em conta, como população, receita, cidadania e a própria questão política. Há vários elementos que mostram que o Governo está tratando a questão de uma maneira muito simplista e ela é bem mais complexa do que se imagina”, disse à Agência Estado.

Para ele, outra questão importante na discussão é a identidade do local dos habitantes, algo que não pode ser discutido com base apenas em planilha de custos. Por isso, ele propõe um debate amplo sobre o assunto. “É preciso construir soluções, mas em conjunto e não apenas do ponto de vista técnico e financeiro. O início do debate foi posto, pois até o início da década de 1980 o país tinha cerca de 3,9 mil municípios, número que saltou para os atuais 5,5 mil e a criação de tais municípios envolveu custos também.”

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