Solidariedade: fazer o bem sem olhar a quem

Tribuna inicia série de reportagens sobre solidariedade, com histórias de pessoas que dedicam parte de seu tempo ao trabalho voluntário


Por Regina Campos, editora, e Fabiane Almeida, estagiária

02/11/2019 às 10h05- Atualizada 03/12/2019 às 11h27

Lindberg Gonçalves, 51 anos, não perde uma competição de atletismo em Juiz de Fora. Em muitas delas, ele participa sem competir. Lindberg é guia de corredores com deficiência física ou mental, uma atividade que ele faz com prazer em poder ser útil a alguém. Lindberg, assim como milhões de pessoas em todo mundo, entende o significado de solidariedade, ou seja, tem consciência das necessidades dos outros e procura fazer algo para ajudar quem necessita de algum amparo, seja ele material ou emocional.

Lindberg guia a bicicleta para Bruno Guedes na prova de duathlon (Foto: Arquivo pessoal)

Neste mês de novembro, a Tribuna inicia uma série de matérias sobre solidariedade, gestos de amor ao próximo feitos por pessoas, como Lindberg, em ações próprias ou como integrantes de alguma casa de caridade. A proposta é mostrar o quão valioso é o trabalho de quem se dedica a ajudar o próximo. O voluntariado promove a construção de uma sociedade melhor e devolve cidadania a quem vivia à margem dela.

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Além das matérias que serão publicadas nos domingos de novembro, a solidariedade é tema do calendário 2020 que o jornal produziu para presentear seus assinantes. Durante o mês de outubro, o editor de fotografia da Tribuna, Fernando Priamo, percorreu 12 instituições assistenciais da cidade para registrar cenas solidárias. Entre as inúmeras fotos feitas, ele escolheu 12, uma para cada mês do ano, para compor o calendário. “Em minhas imagens, eu busquei mostrar a importância de um gesto de amor. Doar carinho é algo muito valioso”, afirma o fotógrafo.

Voluntário já completou mais de 40 corridas

Há mais de duas décadas que o administrador Lindberg Gonçalves dedica parte do seu tempo ao trabalho voluntário, tendo passado por várias atividades. De todas, a que mais lhe dá prazer é ser guia de corredores com deficiência, função que desempenha há quatro anos. “Depois que tive câncer, há cinco anos, comecei a correr e, em 2015, participei da corrida de São Silvestre. Logo depois, treinando com os outros atletas, conheci o trabalho de guia, através do JF Paralímpico”, conta. De lá para cá, já guiou cerca de dez atletas em mais de 40 provas de curta distância, tanto em Juiz de Fora como em outras cidades da região.

Em 2017, Lindberg foi os olhos de Bruno Guedes no duathlon Thiago Machado, em Juiz de Fora. “Quando terminou, ele me deu um abraço forte e falou: ‘muito obrigado! Você reuniu as duas coisas que eu mais gosto de fazer’.” Bruno subiu ao pódio como campeão da prova. No mesmo ano, Lindberg se aventurou com outro atleta na bicicleta para duas pessoas. André Santiago, também deficiente visual, foi campeão mineiro de duathlon paralímpico, após 6km de corrida e 18km de bike.

Cada atleta que acompanha é, para Lindberg, um desafio diferente. “Os deficientes intelectuais são interessantes, pois são como crianças. Eu guio uma moça de 45 anos e a gente brinca durante todo o trajeto, é super divertido. Ela não tem o compromisso de chegar em primeiro lugar, e sim em ser feliz por estar ali. Essa pureza é boa.”
Para os atletas paralímpicos, praticar um esporte que gostam e superar seus limites é sempre gratificante. “Na linha de chegada, eles comemoram, e o público bate palmas. É uma felicidade muito grande para eles. Tem muitas pessoas que não conhecem a atividade de guia, e muitos deficientes que estão dentro de casa nem sabem que isso existe. Poderíamos estar proporcionando isso para muito mais pessoas.”

O próximo desafio de Lindeberg é guiar um atleta em uma prova de triathlon, que, além da corrida e do ciclismo, exige sincronismo impecável também na natação. Para o ele, o trabalho voluntário é, na verdade, uma troca. “O outro não deve ser tratado com vitimismo, pois ele também está oferecendo algo para quem o ajuda. O altruísmo genuíno é para pessoas como Irmã Dulce, Madre Tereza de Calcutá, Chico Xavier, Papa Francisco… Quando tenho consciência de que fazer o bem, me faz bem, já estou fazendo uma troca. O outro não é um coitado, ele tem uma dificuldade e todos nós também temos alguma dificuldade.”

Gesto solidário comove peregrinos

Voluntários trabalham na construção da casa de seu Ari, que posa ao lado dos amigos na foto abaixo (Fotos: Regina Campos

O desejo de promover o bem-estar do próximo uniu um grupo de amigos que participou, em julho, da Caminhada da Fé. No primeiro dia de peregrinação, os caminhantes cruzaram com o aposentado Ari Martins de Souza, 74 anos, que, em pé na beira da estrada de Torreões, esperava os romeiros com água fresca e um café saboroso. “Eu sabia que vocês iam passar aqui e vim desejar uma boa caminhada”, disse, enquanto matava a sede de quem ele nem conhecia.

Seu Ari (o último da esquerda para a direita) ao lado dos voluntários que ajudam na construção de sua casa

O gesto generoso daquele homem simples comoveu os romeiros. Ali mesmo, na estrada, eles decidiram que voltariam a Torreões para ajudar seu Ari a terminar a casa que ele construía sozinho na beira da estrada. E assim foi feito. Uma “vaquinha” levantou os recursos para a compra do material, e os homens mais habilidosos se prontificaram para o trabalho braçal. Em apenas um dia, eles embolsaram toda a parte externa da casa. “Essa ajuda para mim é uma coisa fantástica, eu não esperava”, afirmou seu Ari no dia que sua obra ganhou um mutirão.
“É muito difícil construir uma casa, não tenho dinheiro para fazer tudo. Eu vivo só com a aposentadoria de um salário mínimo.”

Um dos voluntários na obra, o comerciante Luiz Dieres da Cruz (de blusa vermelha nas fotos), garante ser muito gratificante poder ajudar alguém. “A gente que já passou por muitas dificuldades sabe como é. É uma alegria muito grande poder ajudar. Gostaria de poder fazer mais.”

Para seu Ari, que nunca morou em uma casa própria, o sonho de deixar um teto para as filhas está próximo de se tornar realidade. “Eu nunca esperava encontrar uma ajuda dessa. Agora já começo a acreditar que, quando eu for embora, minhas filhas terão onde ficar.”

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