“Quem tem amiga, tem coragem”


Por Júlia Pessôa

02/11/2019 às 07h00

Essa semana mesmo eu conversava com minha amiga Sandra, a Sandra Zanella cujo nome aparece assinando as matérias de polícia aqui no jornal. Sempre me funde os miolos como uma pessoa como ela, talvez a mais leve que eu conheço, seja justamente repórter policial. Ter que cobrir homicídios horrorosos, acidentes de trânsito em que o corpo ainda está no local, resgatar crimes hediondos como estupros – não raramente de crianças -, feminicídios, enfim, um show de horrores rotineiros. Talvez seja justamente por isso, por ter tanta leveza, que a Sandra não sucumbe ao que é tão pesado no seu dia a dia. E não é que ela não desabe. Várias vezes me contou sobre as vezes em que chorou fazendo alguma matéria humana que é, o que para mim só me faz tê-la em conta mais alta. O jornalismo não a endureceu, espero que também não a mim.

Essa poderia, mas não é uma coluna sobre a Sandra. Pelo menos não só sobre ela. Papo vai, papo vem, e ela soltou uma frase que talvez até explique a contradição dela mesma, em ser tão suave e tratar de assuntos tão pesados: “Quem tem amigo, tem coragem” (principalmente amiga). Já nem me lembro do contexto em que ela disse, mas eu não poderia concordar mais. Pensei em todas as vezes em que eu, caso não tivesse as amizades que tenho, de fato eu teria me acovardado e deixado de fazer coisas importantíssimas na minha vida, teria ficado estacionada com medo de mudanças, ignorando que em muitas das vezes mudar pode fazer a gente mais feliz. Acho que é assim pra todo mundo.

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Eu tento muito ser uma boa amiga, mas sinto sempre que estou em falta, porque sempre tive uma sorte muito grande neste departamento – com uma ou outra história de decepção ou mágoa aqui ou acolá. Meu tempo atualmente é corrido e curto, o que me impede de ser a mais presente das pessoas, mas tenho a meu favor ouvidos atentos e a preocupação em me desdobrar em momentos importantes – sejam os difíceis ou os festivos. Não sei se isso basta, mas vou passar a vida tentando equilibrar a balança dos tesouros com quem fui presenteada, e sigo sendo, ao longo dos meus 34 anos.

Eu tenho a impressão de que as amizades mais importantes que a gente tem nos encorajam tanto porque funcionam como uma espécie de dublê da gente. São quem segura as pontas quando a gente não tem força pra levar o dia, a semana, o mês, uma fase a vida. São quem faz as honras quando a gente tá tão, mas tão, mas tão feliz, que não consegue dar atenção devida a todo mundo que devia. São quem sempre está, mesmo que esteja a muitos quilômetros de distância, ainda que um continente ou um oceano entre os corpos. E o melhor disso tudo é que a gente nunca perde por oferecer nossa amizade, ainda que seja pra alguém que não a queira. Toda vez que motivo minhas amigas a fazer algo por elas, sinto que falo um pouquinho comigo mesma, e acabo dando um passinho em direção a ser alguém melhor. Toda vez que alguém se conecta na fonte inesgotável de coragem da amizade, a corrente flui nos dois sentidos. Eu, ainda que patologicamente medrosa, ando cada vez mais corajosa. A Sandra tá certa. “Quem tem amigo tem coragem.” Assim, ando indestrutível, eu diria.

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