O famoso Chico du bar: O homem que dá nome ao Bar du Chico

Neto de lavadeira, filho de um carroceiro e ex-entregador de pães, Chico construiu um dos mais populares bares, que agora tem projeto de modernização e será fechado para a esquina


Por Mauro Morais

19/10/2019 às 15h50- Atualizada 19/10/2019 às 15h54

Entre trabalho e diversão, Chico acompanhou o crescimento da região da esquina onde sempre esteve, na Av. Olegário Maciel com a Rua Espírito Santo. (Foto: Felipe Couri)

Logo em frente, ficava a Açores, mistura de padaria e armazém. Bem ali, do outro lado da rua, Francisco Fernandes Greggio teve sua carteira assinada pela primeira e única vez. Tinha 14 anos, havia abandonado os estudos no Grupo Central na quinta série e assumiu o ofício de entregador de pães. Passou a ajudante de padeiro, açougueiro e muitas outras funções. “No final, eu já gerenciava e entendia um pouco de tudo. Tinha um domínio da casa toda e a confiança do patrão. Ali eu trabalhei por 19 anos. Eu tinha a expectativa de trabalhar por minha conta. Na época, muita gente achou que aquilo era uma doideira, porque eu já tinha três filhos, e largar um emprego de quase 20 anos para me aventurar num negócio próprio era muito arriscado. Foi a melhor coisa que fiz”, diz, sorrindo, o homem que, há 26 anos, detrás do balcão, vê o espaço onde funcionou a Açores.

O emprego atendia um desejo do pai, que numa carroça vendia frutas e verduras e, em 1968, ao lado da esposa e dos nove filhos, mudou-se de Piau para Juiz de Fora. A mãe cuidava dos filhos e da casa, simples, cercada por uma grande horta, na Rua Olegário Maciel, em frente onde hoje está a Rua Espírito Santo. “Na década de 1970, tinha que pedir licença para subir, porque era tudo trilha. O ponto final do ônibus era na pracinha. Não tinha luz, parte não era calçada. Aqui era uma avenida de casinhas, onde tinha as benzedeiras. Acompanhei a evolução do bairro. Era bem comunidade, um lugar onde um entrava na casa do outro, almoçava, pegava uma colher de arroz ou de açúcar”, recorda-se, aos 58 anos, Francisco, que no lugar cresceu Chico, nome que se tornou ponto de referência na área por conta de um dos bares mais frequentados da cidade.

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“Muita gente achou que aquilo era uma doideira, porque eu já tinha três filhos, e largar um emprego de quase 20 anos para me aventurar num negócio próprio era muito arriscado. Foi a melhor coisa que fiz”, conta Chico. (Foto: Felipe Couri)

No princípio era Vem Quem Quer

Com o dinheiro do acerto da Açores, Chico assumiu a Cantina dos Viajantes, próxima ao Estádio Municipal. Não deu certo, e ele alugou uma pequena loja na Olegário Maciel, para onde levou seus cinco jogos de mesas com cadeiras e um freezer. No lugar, montou um botequim, com sinuca e um balcão de alvenaria. Pediu um cheque emprestado para a irmã, e num supermercado comprou bebidas destiladas e outros insumos importantes para o local, cujo nome homenageava o bloco carnavalesco homônimo que havia no bairro: Vem Quem Quer Bar. “Aqui era um reduto do samba. A escola Partido Alto foi criada aqui, inclusive onde é o bar hoje já foi a quadra da escola”, conta ele. “Aqui em cima era muito carente de bares. Tinha só o Silvio, comerciante tradicional, da época dos latões de querosene para vender. Ele vendia uma cervejinha e uma pinguinha, mais nada, e fechava cedo”, lembra. Na esquina funcionava uma mercearia. Passado algum tempo, o dono começou a procurar insistentemente Chico para vender o lugar. Num domingo, precisando de dinheiro, acabou fazendo uma proposta irrecusável. “Vendi umas mesas que tinha. Peguei todo o movimento de sexta, sábado e domingo e dei para ele. Negociei outra parte. Naquele dia, fiz dinheiro nem sei como. Vim para a esquina, e a venda aumentou 50% e foi crescendo. Um dia, de tanto as pessoas falarem que viriam no bar do Chico, acabei mudando o nome. Muita gente achava que Vem Quem Quer era agressivo”, pontua o proprietário do Bar du Chico, nas esquina das ruas Olegário Maciel com Espírito Santo, uma das primeiras casas a exibir partidas de futebol pela TV fechada.

Chico: “Aqui era um reduto do samba. A escola Partido Alto foi criada aqui, inclusive onde é o bar hoje já foi a quadra da escola”. (Foto: Felipe Couri)

No meio de tudo, muito barulho

Por duas vezes, Chico viu as portas de seu bar se fecharem após interdições por excesso de barulho. Numa das vezes, sem alvará para bar na esquina, montou uma pizzaria no lugar e, na loja ao lado, passou a funcionar o bar. Tempos depois, a pizzaria saiu e mais uma vez deu espaço ao bar. A loja vizinha passou a restaurante, foi vendida para uma ex-funcionária e novamente foi comprada pelo comerciante. “Agora vai haver uma mudança. Como a casa vende muito, e por isso tem gerado bastante barulho, vamos atender os pedidos da fiscalização. Vai começar uma reforma, e vamos passar o botequim para o lado e fechar a esquina com vidro, para inibir um pouco o movimento. Enquanto todo mundo fica doido para ter movimento, eu estou reclamando pelo excesso dele. Se vir aqui 1h ou 2h da manhã, não passa na calçada. Realmente incomoda a vizinhança. Eu vou tentar mudar isso, explorando mais o lado da comida e tentar voltar um pouco o que já foi há alguns anos, com mais gente sentada”, diz Chico, que também já incentivou a agitação quando colocou bandas para tocar no interior, do jazz ao rock. “Eu não tinha muita noção”, reconhece, aos risos. Ao longo de quase três décadas, o bar tornou-se um dos maiores vendedores da Cervejaria Petrópolis em Juiz de Fora, chegando a 500 caixas da bebida por mês, das quais pouco consome. “Sou um bebedor de cervejinha bem ponderado. Em horário de trabalho nunca”, afirma. A comida é a tradicional de botequim, como a língua de boi e o chouriço. “Sempre fui eu que cozinhei. Até hoje, se eu puder escolher entre a cozinha e o salão, prefiro ficar lá, escondido”, revela o homem, com o braço paralisado por conta de uma tendinite, reflexos do esforço em cortar carnes, tiras de torresmo e carregar as caixas. Chico não para. E também não reclama.

Chico se prepara para passar o negócio para a filha, que já se dedica ao local e sugeriu novidades já em fase de implantação. O Bar du Chico vai mudar para melhor, garante o comerciante. (Foto: Felipe Couri)

No fim das contas, a diversão

Aos 22, Chico deixou a casa de chão batido e tellha de amianto que dividia com a avó paterna, lavadeira e benzedeira reconhecida na comunidade daquela região da Olegário Maciel. Pai de cinco filhos (de 34 a 19), hoje, no segundo casamento, Chico reside próximo da antiga casa, hoje um prédio. Mora perto do bar, com a esposa e o filho mais novo, numa cobertura onde costuma fazer almoços e churrascos às segundas-feiras. “Temos uma descendência de italianos e temos essa ideia da família que se reúne. Todos os meus filhos, em qualquer lugar que estou, quando chegam me dão um beijo”, celebra ele, avô da pequena Sofia, recém-chegada. Uma das filhas, Carol, tem assumido grande parte dos trabalhos do bar. É dela a ideia de reforçar a marca oferecendo produtos do Bar du Chico para delivery. “A reforma é também para que melhore a cozinha, mais moderna e bem equipada para atender essas entregas”, explica o comerciante, que mostrou para todos os filhos o ofício que escolheu seguir. “Todos trabalharam aqui, mas, em primeiro lugar estão os estudos. Na minha visão, era uma obrigação que eles soubessem como funciona e como eu ganho meu dinheiro”, observa, com o desejo de, pouco a pouco, ir desligando-se do que conseguiu construir. “Hoje consigo viajar mais. Estive na Itália há pouco tempo, fui para Gramado, conheço uma boa parte do Nordeste. Já estamos marcando uma viagem para janeiro, para Ilhabela. Está dando para usufruir um pouco do que ganhei, porque no caixão ninguém leva nada, não é mesmo?!”, diz. Conseguiu enriquecer? “Não me considero uma pessoa rica, mas tenho uma qualidade de vida muito boa. Tenho alguns imóveis e não posso reclamar de nada. Até brinco: para quem era filho de carroceiro, hoje tenho muito. Moro num apartamento muito bom, numa região central, sem luxo mas com qualidade. Consegui dar aos meus filhos uma faculdade. Um pouquinho de dinheiro é bom, mas para isso, e não para guardar. Meu pai, que chegou a me ver com mais conforto, dizia que quem chora miséria vive na miséria. Sempre carreguei isso comigo.”

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