Uma bala não é boa nem má.
Uma bala apenas é.
Uma bala é desprovida de vontades: resignada, é empreiteira de um serviço só. Não tem sonhos ou remorsos, não se alegra ou se entristece. Não tem medo de sangue nem lhe causa náusea fratura exposta. Tem estômago de chumbo, uma bala.
Uma bala, caro leitor, não tem opinião. Não conhece o livre arbítrio.
Quando o gatilho é disparado, quando o cão bate no percursor, quando explode o cartucho, quando o projétil viaja ao dobro da velocidade do som dentro do cano, ela apenas traça uma linha reta até o seu destino. Trajeto inexorável. E o som que se ouve é grito em perseguição.
(todo estampido é o lamento de uma arma que não escolhe o rumo que aponta)
Mas uma bala não pode ser advertida, e uma bala não pode ser alcançada.
Uma bala só sabe um caminho: não muda de sentido ou direção. Não pede licença. Apenas vai entrando e devastando o que não vê pela frente, pois toda bala é cega e é surda e a isso se presta:
destrói mochila cor-de-rosa. batom de morango. lapiseira da barbie. caderno da lilica. tiara da mulher-maravilha. blusa de colégio. pele negra. coluna vertebral. pulmão. um coração de oito anos.
Uma bala trabalha apenas uma vez. É testa de ferro. Tem patrão.
E é o suficiente pra destruir a vida da gente dentro de uma Kombi numa sexta-feira ordinária no Largo do Birosca,
Rio de Janeiro
Brasil.
