As palavras matam tanto quanto as balas


Por Daniela Arbex

01/09/2019 às 06h32

Ouvi de Adama Dieng, assessor da ONU de prevenção ao genocídio, uma das definições mais duras e certeiras sobre os nossos tempos. “As palavras matam tanto quanto as balas”. Adama refere-se ao poder que elas têm na gestação dos crimes de ódio. “Todos devemos lembrar que discursos de ódio antecedem crimes de ódio”, afirma, usando o holocausto nazista como exemplo. Para o assessor, o holocausto não começou com as câmaras de gás. De fato, começou muito antes dos nazistas, propagado pela ideia de anti-semitismo, por preconceitos religiosos e interesses econômicos. Alimentou-se, ainda, do racismo biológico e da necessidade de exterminar os menos puros, uma ameaça à raça ariana.

E Adama continua sua leitura de mundo falando sobre a ascensão do extremismo na Europa, na Ásia e em várias partes do mundo, o aumento do número de neonazistas e de grupos totalitários. “Quando vemos a maneira como imigrantes e refugiados são depreciados, devemos fazer todo o possível para falar sobre o discurso de ódio”, diz.

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Ao associar o poder da palavra ao do extermínio, o representante da ONU vai além da força de expressão. Nos dá a noção exata de que as guerras são antecedidas por palavras e por mentiras repetidas diariamente até que se tornem verdades.

A construção do muro na fronteira do México e Estados Unidos não foi ideia do Trump, mas sugestão de um colaborador de campanha que apostou que a barreira física seria convertida em poder. Assim nasceu o slogan “Build a wall and make México pay for it” (construir um muro e fazer o México pagar por ele), uma das principais plataformas da disputas presidencial. Enquanto o mundo reagia horrorizado à proposta, os Estados Unidos absorveram a mensagem, elegendo o seu defensor.

No Brasil, o discurso do ódio sustenta a aversão crescente ao outro e a tentativa de massificação das ideias. Quem não está de acordo com o que diz o poder é alçado ao posto de inimigo nacional, passível de ser eliminado. Liberdade de expressão somente para os amigos do rei, os que se julgam melhores do que todo o resto. Aqui a morte dos incapazes é comemorada, e a higiene social promovida como exercício diário.

Lembrem-se que as palavras matam tanto quanto as balas, reiterou Adama Dieng cujo alerta sobre o futuro deve nos mobilizar. “Devemos fazer todo o possível para investir na educação, nos jovens, para que a próxima geração possa entender a importância de viver em paz. Devemos usar as palavras para que se tornem uma ferramenta para o amor, para a unidade social, para a harmonia em vez de ser usada para cometer genocídio e crimes contra a humanidade”.
Que assim seja!

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