‘As loucas sem gaiola’ homenageia as transformistas
Com apresentação gratuita neste sábado (17) em JF, ‘As loucas sem gaiola – Les Girls forever’ resgata o trabalho artístico de travestis ao longo de décadas
Entre tantas histórias esquecidas ou às quais não se dá a devida importância, as artistas travestis e transformistas que encararam as agruras da ditadura militar (1964-1985) mereciam um capítulo à parte. Mas essas figuras podem ser lembradas e resgatas, pelo menos, por meio da forma com que ganhavam a vida: a arte. É uma das propostas do espetáculo “As loucas sem gaiola – Les Girls forever”, que retorna a Juiz de Fora neste sábado (17) para uma única apresentação, às 18h, no Teatro Paschoal Carlos Magno. A entrada é gratuita, e os ingressos estão disponíveis no site sympla.com.br.
Completando 40 anos de carreira, Safira Bengell é a diretora geral do espetáculo, há pouco mais de dois anos em cartaz e que já realizou mais de 20 apresentações em cidades como Natal, Fortaleza, Recife, Manaus, Belém e Teresina. Entre os artistas que fazem parte do show, além da própria Safira, estão Aurora The Witch, Tita Tully, Saraah, Camila Borges, LOren Z , Evora e Jeycw Ferraz, entre outros, além de nomes que ela categoriza como “valores nacionais” de Juiz de Fora. No palco, a intenção é levar para o público – de todas as famílias e idades, ressalta – um pouco da magia e do sucesso de antigos espetáculos, como o “Les Girls” original, lançado há quase seis décadas, mas também “Rei Momo em Travesti”, “Bonecas na quarta dimensão”, “Eles no meio delas”, “Vive les femmes” e tantos outros.
“O show foi idealizado devido à falta de registro dessa memória tão importante que é o trabalho dos transformistas brasileiros durante a ditadura, que era uma forma de combate à discriminação. O espetáculo tem como objetivo três palavras principais: descobrir, registrar e lembrar essas histórias”, conta Safira.
Ela ressalta, ainda, que o espetáculo também é fruto da percepção de que geralmente existem registros apenas de artistas de grandes capitais. Ela dá como exemplo o “Les Girls” original, que de acordo com a artista tinha nomes como Rogéria, o roteirista Mário Meira Guimarães e músicas e textos de João Roberto Kelly. Por conta disso, a produção tem registrado depoimentos pelos locais que passa para a produção de um documentário, desdobramento do espetáculo – assim como um livro que, segundo Safira, deveria ter sido lançado ainda em 2019, mas que por necessidade de atualizações em geral pode sair em 2020.
Presentes em todo o showbiz
Com um elenco de artistas da nova e antiga gerações, “As loucas sem gaiola – Les Girls forever” é um passeio por um passado em que travestis e transformistas eram presença em espetáculos teatrais de sucesso, nos grandes bailes de carnaval do Rio de Janeiro (“Inclusive com presenças marcantes e pioneiras como rainhas de bateria das escolas de samba”, afirma), as primeiras participações em programas de televisão, em show de calouros. “Fui uma das pioneiras do ‘Clube do Bolinha’, primeiro programa da TV brasileira a agregar esses artistas”, relembra.
“Depois vamos com os concursos de beleza, em que o Miss Brasil Gay de Juiz de Fora será lembrado e homenageado nessa etapa de Minas Gerais”, adianta. Contaremos também sobre as primeiras travestis a fazer televisão no Brasil como personagens femininas, como a Cláudia Celeste na extinta TV Manchete, que contracenou com o Mario Gomes.” Haverá espaço, ainda, para o fenômeno das drag queens.
“Queremos tentar mudar a imagem das travestis brasileiras, que muitos ligam ao fenômeno da Aids e à prostituição. A sociedade não conhece esses protagonistas, ainda somos vistas folcloricamente. E queremos ainda gerar emprego e renda a essa população, esses profissionais.” Para o resgate desse passado, o show conta com projeções de fotos de antigos nomes, muitos já falecidos, e ainda abre espaço para a interação com o público, que pode tirar dúvidas. Por fim, há distribuição de material educativo para as áreas de saúde e direitos humanos.
Para a memória sobreviver
Apesar de não ter vivido, a princípio os piores anos da ditadura, Safira Bengell lembra que nem por isso teve vida fácil. Ela conta que já foi presa por estar vestida de mulher, de ter que ficar na prisão, numa época em que ser artista, ressalta, era sinônimo de “figura subversiva”. “À noite, quando íamos trabalhar, tínhamos que ficar trancadas antes de ir para outra casa noturna porque poderíamos ser presas se nos vissem na rua. Chegaram a rasgar meus documentos uma vez, e eu era tão danada que fui à polícia denunciar. Corri o risco de ser morta!”
Por fim, ao ser questionada sobre a importância de resgatar esse passado e tantos personagens, ela recorre à frase que leu em um livro: “‘O Brasil é um país que ainda insiste em não reconhecer sua memória e sua história’. Quem não conhece seu passado não pode ter um futuro. O espetáculo, de forma alegre e sutil, bem humorada, quer mostrar que essa população também é brasileira, profissional, sempre existiu e vai existir, que somos capazes de levar felicidade. Esse é nosso objetivo. Somos palhaças de luxo nesse imenso teatro que é a vida.”
‘As loucas sem gaiola – Les Girls forever’
Apresentação gratuita neste sábado (17), às 18h, no Teatro Paschoal Carlos Magno (Rua Gilberto de Alencar s/n)