Os saltos dos irmãos que escrevem a história da ginástica em JF

Wanderson e Deber são irmãos e confidentes. Escolheram a educação física e hoje são treinadores de ginástica. Nas competições, no entanto, estão em lados opostos.


Por Mauro Morais

21/07/2019 às 07h00

 

Deber e Wanderson: Diferenças na altura, na idade e no gênio. (Foto: Fernando Priamo)

O menino corria de um lado para o outro fazendo estrelas durante o recreio. Um dia Deber Luiz Zambelli Pedrosa estancou no pátio da Escola Municipal Bom Pastor, no Bairro Cidade Jardim, e se colocou a observar o pequeno João Victor Cândido, de apenas 7 anos, em suas acrobacias. Logo estava ensinando o garoto como posicionar as mãos e lançar o corpo. O movimento era simples, nenhum duplo twist carpado, salto com uma pirueta de um giro em torno de si seguido por um duplo mortal, mas foi o bastante para o professor acionar seu alerta para novos talentos. Mais algum tempo, e Deber convidou João para integrar sua equipe de ginástica no Clube Bom Pastor, onde também dava aulas. Este mês, o menino, já com 8 anos, fez sua estreia em campeonatos, no Escolar de Ginástica de Trampolim, em Itabira (MG), e voltou com as medalhas de ouro no duplo mini trampolim, ouro no mini trampolim e prata no tumbling. Conquistas que se somam a muitas outras na longa lista de disputas do professor de 51 anos, 12 vezes medalhista no campeonato pan-americano e 22º colocado no Campeonato Mundial de Ginástica de Trampolim, de 2009, na Rússia.

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Toda vitória, conta, parece ser a primeira. Impulsos fundamentais para a movimentação do ofício de um profissional que por 21 anos comandou uma premiada equipe no Instituto Vianna Júnior. Hoje Deber atua na escola de João e no clube onde o jovem pratica a ginástica. Ao todo, o professor tem 135 pequenos atletas sob sua responsabilidade, apenas dois deles são meninos, no entanto. A mesma disparidade percebe Wanderson Zambeli (com um “l” a menos) Pedrosa, irmão de sangue e de profissão de Deber. Professor de ginástica no Colégio Academia de Comércio desde 1997, ele treina, atualmente, 80 jovens, mas possui uma longa fila de espera. Os meninos têm bom desempenho, inclusive, um deles já foi campeão brasileiro.

“Com eles mudo e aprendo. Quando estou dando aula, me sinto um pouco pai e me coloco no lugar do pai”, conta Wanderson, dizendo se emocionar com a doação integral, própria da paternidade. “O que me encanta mais é a capacidade dos ex-alunos se lembrarem de você. Outro dia estava na rua e um ex-aluno pediu para tirar foto comigo. Eu havia dado aula para ele no terceiro período. Isso mostra que deixei alguma coisa nessas pessoas”, diz Deber. E eles deixam algo em você? “Deixam muito. Ano passado não fui a nenhuma competição. Perdi um aluno. Ele estava ganhando tudo. Fomos ao mundial da Bulgária, ele estava indo bem, mas quis parar, não quis mais. Falou que sentia muitas dores. Eu fiquei mal, me perguntando onde errei, porque ele quis parar. Fiquei muito chateado. Demorou a passar. Agora viajei com um novo grupo, que me deu tanta alegria que retomei o fôlego. É isso: sempre vêm novas crianças, novas histórias”, emociona-se. “O ginasta vai passar, mas eu sempre vou estar aqui. Outro dia uma avó, que trazia a filha trouxe o neto, e tive a certeza disso”, completa Wanderson, que, como o irmão, tornou-se referência no esporte na cidade e no país, formando diferentes gerações.

Amor à primeira vista: Wanderson e Deber escolheram logo na faculdade a ginástica como esporte principal de suas atividades. (Foto: Fernando Priamo)

Flic flac

O flic flac serve como uma preparação para uma acrobacia, com o ginasta levantando os braços em sincronia com um salto. Um elemento básico, uma noção fundamental, explica Wanderson, de 54 anos, três a mais que Deber, o caçula dos três filhos (são irmãos de Wanilde) de um comerciante e de uma auxiliar escolar, que viveram em Piau, há pouco mais de 40 quilômetros de distância de Juiz de Fora, até o mais velho completar o ensino fundamental. Na cidade de menos de três mil habitantes não havia escolas que ofertassem o ensino médio. E todos se mudaram para o Bairro Mariano Procópio e, em seguida, para a casa própria no Santa Terezinha, onde ainda hoje vivem Wanderson e a mãe. O patriarca se foi há mais de 20 anos. Em casa gestaram o projeto de cursar educação física e compartilharam a paixão pela ginástica. “Eu sempre quis ser professor de educação física e dentista. Acho que na escola me envolvi com áreas afins”, conta ele, que prestou seu primeiro vestibular para odontologia, mas não passou. Ao se envolver com o exército, onde o esporte tinha um espaço relevante, Wanderson passou a considerar o novo curso. “Eu via na televisão e já me envolvia. Gostava de assistir. Nunca fiz ginástica, mas ensino”, diz. “Já eu trabalhava na Ferreira Guimarães, e quando passei na faculdade parei de trabalhar”, narra Deber, sempre envolvido com esportes. “Eu fazia cursinho na parte baixa da (Rua) Halfeld e matava aula de álgebra para jogar vôlei. Quando o Wanderson ficava sabendo, contava para a minha mãe: ‘Olha, o Deber está matando aula para jogar vôlei!'”, lembra Deber, que pleiteava uma vaga no curso de educação física, já concluído pelo irmão, que, então, estudava para concorrer a uma vaga na odontologia. “Eu queria que ele passasse no vestibular”, justifica-se Wanderson. Deber foi aprovado. Wanderson, não. “Mãe, você não está feliz?”, perguntava Deber ao ver a lista com os aprovados. “Estou, mas como vamos contar para o Wanderson?”, respondia a mãe. Dias depois, no entanto, quando já estava em Cabo Frio para espairecer da decepção, Wanderson foi convocado e começou a trajetória para se formar dentista. “Quando fui fazer faculdade, já me envolvi muito com a área da ginástica e da dança. Fiz muitos cursos específicos. E dancei por muitos anos, viajei o Brasil inteiro fazendo shows de dança de salão. Durante dois anos, fui monitor de ginástica olímpica na graduação”, conta Deber, que acabou se afastando do vôlei e seguindo os passos do irmão.

Carpado

Deber mede 1,89m e calça 44, enquanto Wanderson mede 1,70 e calça 40. (Foto: Fernando Priamo)

Quando as pernas, unidas, e o tronco formam um ângulo de 90º, dá-se o nome de carpado, movimento bastante popular na ginástica que Wanderson introduziu em sua rotina de professor logo na primeira escola na qual trabalhou, a Estadual Professor Lopes, em Benfica. Já em seu segundo ano de faculdade, Deber deu aulas na mesma instituição. Na época, a oferta de educadores físicos era maior que a demanda, já que menos turmas se formavam anualmente na cidade. Foi pelo bom desempenho em sua primeira turma, participando de campeonatos e ganhando medalhas, que Wanderson recebeu o convite para formar uma equipe de ginástica na Academia de Comércio. “Gosto de trabalhar em escola, porque acho que mesmo sendo competitivo o esporte complementa a formação, para além do cognitivo”, observa ele. Deber pondera com outra realidade: “O clube tem um lado bom que é o de ser todo voltado para o esporte e ter a estrutura para aceitar as sugestões”. Juntos, os irmãos organizam uma Copa local, que reúne mais de cem crianças de instituições privadas e públicas. Juntos, também, se divertem e trocam confidências. “Não podemos fazer só uma coisa. Faço outras coisas. Gosto de cinema, teatro, televisão, música. A gente sempre vai ao Rio, temos outras atividades”, diz Wanderson, que desde cedo conjuga a ginástica com a odontologia. “Fazendo duas coisas, eu acho que saio um pouco. No consultório é uma pessoa de cada vez, tem ar-condicionado, a pessoa está com a boca aberta e não pode falar, então eu falo o tempo inteiro. Aqui eu não consigo falar, porque as crianças falam o tempo inteiro”, ri. Hoje ele aluga o consultório de uma amiga e atende em horários alternativos, como o sábado. “Gosto de trabalhar com idosos”, conta ele, que ainda faz doutorado em educação física, na Argentina, e uma pós-graduação em Juiz de Fora, ao lado do irmão. Wanderson estuda gestão, e Deber, educação especial. “A educação tem que ser continuada”, ressalta Wanderson. “Nós temos ótimos professores formadores em esportes, em diferentes modalidades, no país”, completa. E como é ensinar sem ter feito? “Meus alunos até me perguntam. Digo que é normal. Sei ensinar porque está no sangue”, diz Deber. “Muita coisa na ginástica é técnica. Uma aluna na faculdade, uma vez, falou sobre ‘qualidade espalhada’, que hoje os treinadores treinam em muitos países. A qualidade, que era de um lugar só, se espalhou pelo mundo. Eu estava vendo o campeonato mundial júnior de ginástica, que teve na Hungria, e percebi que os ginastas faziam praticamente as mesmas séries, com um alto grau de dificuldade”, completa Wanderson, que já deu aulas como professor da disciplina de ginástica em faculdades da cidade.

Wanderson (direita): “Sou mais o meu pai. Ele é mais minha mãe. Só nos parecemos na fisionomia. Na verdade, somos opostos.” (Foto: Fernando Priamo)

Parada de mãos

O corpo reto seguindo a linha do pulso, de ponta-cabeça, compreende o movimento nomeado parada de mãos na ginástica. Trata-se de um elemento de equilíbrio, característica que só se dá entre os irmãos Wanderson e Deber quando compreendidas as diferenças quase complementares que os une. As diferenças, inclusive, são físicas, ainda que ambos sejam carecas. Enquanto Deber tem 1,89 metro e calça 44, o irmão, Wanderson, tem 1,70 metro e calça 41. “Tenho uma altura perfeita para o que faço. Tenho colegas na odontologia que são maiores e têm vários problemas de coluna”, destaca o menor. “Quando eu tinha 20 e poucos, tinha outro tipo físico. Eu saía do chão um tanto assim (aponta para a altura do quadril). Hoje não saio mais, mas tenho que manter o físico. Com a idade é difícil, porque o tônus não é o mesmo, mas não podemos ficar acima do peso. O Deber sempre fica acima do peso e eu brigo com ele”, conta sobre o irmão que, recentemente, perdeu 15 quilos. Perfeccionistas, os dois refletem na vida o que o esporte que ensinam defende. “A ginástica não permite a falha. Não é como no futebol ou no vôlei, que tem outro tempo, outro set. Em um segundo, ou erra ou acerta”, aponta Wanderson. E aí o técnico aciona outras potências. O movimento não é apenas físico, garantem. “A gente é médico, fisioterapeuta, psicólogo e o que mais precisar”, ri Wanderson, que em campeonatos acaba por disputar com o irmão. “Vai ganhar quem fizer melhor, quem usar melhor a técnica”, observa Deber. “Mas é claro que não vou trabalhar o ano inteiro para chegar ao campeonato e não trazer a medalha. Não vou para passear. Logicamente que vou querer ganhar”, acrescenta Wanderson. Em casa, portanto, evitam debater o esporte. “Acompanho tudo, tenho uma opinião formada sobre o que vejo de esporte. Às vezes parece que me coloco numa posição superior, mas digo porque vejo e porque faço. Já participei de quatro mundiais, e isso me dá um lugar”, orgulha-se Wanderson. São confidentes? “Sim”, respondem juntos. “Eu mando mais mensagem para ele do que ele para mim”, reclama Wanderson, que por ser mais velho assume um papel mais paternal na relação. “Se alguém tem que chamar atenção, vai ser eu chamando a atenção dele. Fora isso, a gente se conhece só de olhar”, pontua Wanderson. O que aprenderam um com o outro? “Aprendi a ter paciência com o Wanderson”, responde Deber, do signo de áries. “Tenho opinião”, explica o irmão pisciano, dizendo ter aprendido com Deber a ser mais rápido e também mais descolado. “Se eu brigar com ele, no outro dia não consigo conversar. Ele consegue. Sou mais o meu pai. Ele é mais minha mãe. Só nos parecemos na fisionomia. Na verdade, somos opostos”, ri Wanderson.

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