Grupo empresarial de JF é investigado por sonegar R$ 800 milhões
MP, Polícia Civil, Secretaria de Estado de Fazenda e Advocacia-Geral do Estado deflagraram operação conjunta
Um grupo empresarial de Juiz de Fora ligado a fábricas de papéis é investigado por suspeita de causar prejuízo de mais de R$ 800 milhões aos cofres públicos por meio de sonegação fiscal. Nesta quinta-feira (4), uma força-tarefa formada pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Polícia Civil, Secretaria de Estado de Fazenda e Advocacia-Geral do Estado deflagrou a operação Papel de Família. Nove mandados de busca e apreensão foram cumpridos em três indústrias de papéis, escritórios de contabilidade e residências nas cidades de Juiz de Fora e Sapucaia (RJ). Foram apreendidos cerca de R$ 10 mil, 12 mil euros e US$ 10 mil em espécie.
Conforme o MP, as investigações apontam que todas as três fábricas seriam pertencentes ao mesmo grupo empresarial derivado da antiga Paraibuna de Papéis, “que teriam, ao longo de mais de 20 anos, praticado diversas fraudes fiscais que geraram uma dívida de cerca de R$ 300 milhões com o Estado de Minas Gerais, por sonegação de ICMS. O grupo também teria uma dívida de cerca de R$ 500 milhões com a União, por sonegação de tributos”.
Ainda de acordo com o MP, fraude mais recente foi descoberta por auditores fiscais da Superintendência Regional da Fazenda de Juiz de Fora. Eles autuaram a empresa investigada por fornecer, durante anos, energia elétrica e gás natural para outra empresa do mesmo grupo, sem nota fiscal.
As investigações também indicam que, “apesar das enormes dívidas com o Estado de Minas Gerais e a União, o patrimônio individual da família do principal dono do negócio teria aumentado bastante nos últimos anos, com a aquisição de diversos imóveis na cidade de Juiz de Fora, inclusive com a construção de um shopping na Zona Norte”.
A suspeita da força-tarefa é de que os recursos financeiros obtidos com a suposta sonegação tenham sido desviados para a aquisição de imóveis e construção do shopping, caracterizando o crime de lavagem de dinheiro.
O MP chegou a pedir a prisão de dois empresários e de um contador, mas o pedido foi negado pela Justiça, “sob a alegação de que se tratava de empresários conhecidos na cidade e que não colocavam em risco a ordem pública”. Se condenados, os investigados podem pegar penas de até 15 anos de prisão.
Procurado pela reportagem, o advogado do grupo investigado, Gladstone Miranda, informou que irá se manifestar ao término da operação. No entanto, ele já adiantou que “a referida operação se mostra arbitrária, injusta e desnecessária, haja vista que referido procedimento investigatório se encontra em andamento há anos e as acusações são desprovidas de fundamentação jurídica, inclusive com sentença já proferida a favor da empresa”.
Shopping
Em nota, a Tfsa Empreendimentos S.A., sociedade anônima de capital fechado, constituída por grupos empresariais autônomos e independentes entre si e proprietária do Shopping Jardim Norte, repudiou quaisquer imputações que a possam envolver com operações ilícitas e se colocou “à disposição das autoridades autoras do procedimento para fornecer todas as informações necessárias à comprovação de sua mais absoluta autonomia em relação a seus sócios, tendo todos os seus recursos advindos de fonte lícita e forma legal, com regular contabilização na forma da legislação”.
Promotor afirma que patrimônio dos sócios ‘se avolumava’
O promotor de Justiça do MPMG e um dos responsáveis pela operação, Fábio Nazareth, disse que a operação Papel de Família teve início em uma investigação do Ministério Público que remonta ao ano de 2007, quando a Secretaria de Estado de Fazenda constatou a prática reiterada de sonegação fiscal por parte de um grupo econômico de Juiz de Fora, o que gerou uma dívida no valor atual de, aproximadamente, R$ 300 milhões. “A partir de 2007 as autuações fiscais foram intensificadas e se constatou que aquela prática, que vinha desde a década de 90, continuava a persistir. Ao mesmo tempo em que essas empresas envolvidas aumentavam sua dívida com o Estado, ou seja, empobreciam, o patrimônio dos sócios se avolumava, cada vez mais, principalmente através de aquisição de imóveis, chegando ao ponto de se construir, recentemente, um shopping na Zona Norte de Juiz de Fora.”
Diante da veiculação de que um shopping na Zona Norte teria sido construído com recursos sonegados de ICMS por empresa do Grupo Paraibuna, a Tfsa Empreendimentos S.A. esclareceu “que em momento algum foi consultada para prestar quaisquer informações às autoridades mencionadas a cerca de seus negócios”.
Lavagem de dinheiro
Ainda conforme o promotor, as evidências levaram à suspeita da prática do crime de lavagem de dinheiro pelos empresários, donos do grupo. “A operação Papel de Família teve como finalidade angariar provas da prática do crime de lavagem de dinheiro, identificar o patrimônio que teria sido adquirido com recursos provenientes da sonegação fiscal e responsabilizar os sócios, os verdadeiros sócios, que são todos de uma mesma família de Juiz de Fora.” Segundo Nazareth, se a operação for exitosa, “vai resultar na possibilidade de se recuperar para o Estado todo o valor sonegado durante todos esses anos.” A finalidade, conforme ele, é reaver R$ 300 milhões para Minas Gerais.”
O promotor informou que todos os nove mandados de busca e apreensão foram cumpridos, tanto os direcionados às empresas quanto aqueles executados nas residências dos investigados. “A operação transcorreu normalmente, não houve nenhuma intercorrência. Foram apreendidos em duas residências e em um escritório de contabilidade cerca de R$ 10 mil, 12 mil euros e US$ 10 mil. Esses valores serão colocados à disposição do juízo, e todos os bens e documentos arrecadados serão levados para Belo Horizonte, onde serão periciados, analisados e depois encaminhados ao Ministério Público, para dar continuidade à investigação.”
Autuações desde o final da década de 90
O superintendente Regional da Fazenda de Juiz de Fora, Carlos Damasceno, reforçou que o grupo empresarial derivado da antiga Paraibuna de Papéis vinha sendo autuado pelo fisco estadual há muitos anos, antes ainda de 2007. “Já existiam autuações desde o final da década de 90. Declaravam o imposto que deviam pagar, mas não pagavam. No passado isso não era motivo para crime, mas era uma autuação de natureza não contenciosa. O fisco veio fazendo autuações, até que identificamos outras irregularidades, como a comercialização de mercadorias sem a emissão de documentos fiscais, entre estabelecimentos do próprio grupo, no período de 2008 a 2013. Só essas autuações somaram R$ 30 milhões, mas já haviam outras, e essas já eram de natureza contenciosa.”
A partir daí, conforme Damasceno, a Secretaria de Estado de Fazenda fez uma representação fiscal, que é encaminhada ao Ministério Público por meio de documento de auto de notícia crime. “O MP começou a fazer essas investigações e, ao mesmo tempo, o Estado, por meio da Advocacia-Geral, foi tentando cobrar os valores. Mas as pessoas que figuravam como sócios dessas empresas não tinham capacidade financeira.” Diante dessa situação, segundo o superintendente, o MP começou a verificar o quadro societário das firmas, detalhando quem havia entrado, saído, quais sócios eram da família e como estava o patrimônio. “Ao mesmo tempo em que a empresa estava empobrecendo, os sócios de fato, que não apareciam diretamente nos quadros societários das empresas, estavam aumentando o patrimônio. O fundador do grupo e o filho dele, que é o real administrador das empresas, tiveram o patrimônio aumentado de maneira vertiginosa, em forma de imóveis, terrenos e investimentos.”
Sobre o shopping na Zona Norte, Damasceno esclareceu que boa parte do terreno onde o empreendimento foi instalado pertencia à empresa investigada. “Parte dos recursos que a empresa investigada foi adquirindo ao longo dos anos com a sonegação foram utilizados na incorporação e na construção do shopping. Não sabemos precisar as porcentagens. O shopping em si não é alvo da operação, mas isso mostra que eles conseguiram investir em outros negócios com o dinheiro da sonegação fiscal. Se o MP comprovar irregularidade, deve ficar restrito à família (e não deve atingir outros sócios).”
Segundo o superintendente, as ordens judiciais foram solicitadas pelo MP a fim de verificar se as empresas continuam sonegando impostos e também para buscar patrimônios para saldar essas dívidas com o Estado, que chegam a R$ 300 milhões. “O ICMS é de âmbito estadual, e na investigação a Procuradoria da Fazenda Nacional compartilhou a informação da dívida de R$ 500 milhões. Essa quem vai cobrar é a União, nem sabemos a natureza dessa dívida. Só soubemos em razão de terem compartilhado conosco as informações que ajudaram na materialização das investigações do MP. O material apreendido na operação também será compartilhado de forma judicial.”
Além do dinheiro em espécie, na ação desta quinta foram apreendidos computadores, celulares e documentos físicos. Uma das indústrias alvo da investigação fica no município de Sapucaia (RJ), e as outras duas, em Juiz de Fora, onde também foram cumpridos mandados em três residências e em três escritórios de contabilidade. As buscas se prolongaram nas fábricas devido às cópias de arquivos magnéticos.