Especial Ubá: ‘Precisamos juntar nossa capacidade de produzir com a orientação para a preservação’

Entrevista com o Edson Teixeira Filho, prefeito de Ubá


Por Tribuna

30/06/2019 às 07h00

Com mais de 114 mil habitantes, localizada a 100 Km de Juiz de Fora, a cidade de Ary Barroso, Antônio Olinto e Nelson Ned não tem cinema e nem teatro. Por enquanto. Sofre com problemas típicos de municípios brasileiros, como trânsito, transporte público, saneamento, melhoria em acessos, baixa arrecadação e dependência de recursos de outras esferas governamentais. Porém, graças à visão sustentável que toma conta da administração municipal de Ubá, onde outros enxergam problemas, há quem veja oportunidades, como o prefeito Edson Teixeira Filho, que assumiu seu primeiro “encargo político”, como gosta de dizer, aos 68 anos de idade, em 2016, ao vencer eleição disputada com outras quatro chapas.

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“Nunca serei político, porque não terei tempo para isso. É algo que se deve começar jovem”, brinca o engenheiro agrônomo, formado pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), que deseja deixar como legado duas iniciativas de fazer inveja a qualquer município no mundo: o tratamento do esgoto doméstico, hoje lançado 100% in natura no Ribeirão Ubá, e a produção incentivada de água de qualidade para o abastecimento da população por grupo de produtores rurais.

“Incluímos fundamentos de sustentabilidade na proposta do Plano Diretor que está em apreciação na Câmara Municipal, para termos não uma cidade moderna, mas atual. Uma cidade que convive com os desafios de seu tempo”. Um município que, no próximo dia 3, inclusive, completa 162 anos de emancipação política, embalado pelo desejo de se tornar cada vez mais vibrante e jovial e com um teatro a caminho. O termo de intenção para a construção do prédio de 215 lugares já foi assinado entre Prefeitura e Codemig, e a doação do terreno aprovada pela Câmara.

– Qual é seu propósito como prefeito de uma cidade que, junto com outros nove municípios, forma o maior polo moveleiro do estado e um dos maiores do país?

Edson Teixeira Filho – O principal propósito é não ser político. Sempre brinco que ninguém vira político aos 70 anos. Você começa político quando é jovem e tem tempo para planejar a carreira. Como já passei dos 70, penso um pouco diferente. O que quero é concluir um trabalho muito mais administrativo que político. Lógico que não há como deixar de usar a política. Sou um funcionário público eleito pelo povo e preciso dar respostas a ele. Nosso concurso foi uma eleição disputada com outras quatro chapas e, felizmente, foi muito tranquila. Não deixou sequelas e podemos conviver tranquilamente com cada concorrente político. Para assumir a Prefeitura, tivemos que montar um projeto baseado em um programa de governo muito extenso que atinge todas as áreas. Montamos um projeto confiável, viável e com possibilidade financeira de ser executado. A primeira medida foi criar uma reserva financeira. Não saímos fazendo obras, apesar da necessidade. Ubá é uma cidade que tem uma arrecadação relativamente pequena em relação à população. Estamos entre as 30 piores do estado em arrecadação per capita e isso infelizmente poucas pessoas sabem.

Mas é uma cidade movimentada que polariza muitas outras do entorno, certo?

– É uma cidade de muitas empresas, que gera muita renda, mas a Prefeitura pelo estágio em que se encontra não tem muita arrecadação. Conhecia a estrutura por experiências técnicas anteriores, como secretário de Planejamento e Obras, e sabia que não havia recursos suficientes. Chamei cada um dos secretários, alguns são funcionários de carreira, outros ligados a mim, e coloquei bem claro que deveríamos usar os recursos públicos com qualidade. Fazer mais com menos. E isso foi crucial, porque conseguimos fazer uma reserva com a qual foi possível atravessar o mar revolto em 2018 com a retenção de recursos do governo estadual. No início de 2019, a mesma situação se repetiu, deixando a Prefeitura com uma dívida do Estado de Minas de quase R$ 40 milhões. O que nos sustentou foi exatamente a reserva que fizemos. Enfrentamos também uma época em que os governos federal e estadual não estavam podendo passar recursos voluntários para as prefeituras, ou seja, que são extra orçamento. É uma trajetória de dois anos e meio em que a gente tem uma equipe coesa, que trabalha com praticidade, principalmente sem grandes rompantes. Fazemos o que é necessário. Ainda tivemos um problema sério com a enchente do século, que destruiu grande parte da região ribeirinha. Dez de março de 2018 foi o dia em que o rio subiu quatro metros acima de seu nível e até hoje estamos recuperando suas margens. O desafio é muito grande, mas a gente conta com a contribuição dos servidores. Pelas minhas pesquisas, Ubá está entre as três cidades de Minas que têm o menor percentual de funcionário por habitante. Isso mostra seriedade que não é de agora. Temos que trabalhar dentro da lei de responsabilidade fiscal. Nisso continuamos firmes.

A proposta para o tratamento de esgoto gerou muita polêmica, mas o senhor se manteve firme. Por que é tão importante?

– O não tratamento de esgoto é uma chaga aberta que a cidade tem. O ribeirão que corta a cidade toda na faixa de 17 a 18 km, com casas nas duas margens, e mais os córregos, com cerca de 30 km de extensão na malha urbana, correm a céu aberto e recebem todo o esgoto de Ubá. Coloquei como função principal desde a campanha viabilizar o tratamento do esgoto. Enfrentamos muitos problemas no início, inclusive, de pessoas contrárias que preferiam um outro tipo de projeto. Não tenho como aquilatar quais seriam as conveniências dessas pessoas, mas como o tratamento de água em Ubá já era com a Copasa, assumi que seria ela também a responsável pelo esgoto. Lutei com isso, com diversas manifestações, porque, além de tudo, enfrentamos o maior déficit hídrico da história de Ubá em 2017. Não choveu metade do que costuma chover o ano inteiro, e as chuvas foram mal distribuídas ao longo do ano. A falta de água, o processo em andamento e o fato de a empresa ser estatal com suas potencialidades, mas também com seus desafios, nos obrigou a trabalhar muito para que este projeto vingasse. Inclusive na esfera jurídica. Conseguimos levar a bom termo, negociamos, assinamos um Contrato de Programa e, assim, passamos também a rede de esgotamento sanitário para a Copasa. O projeto para o tratamento do esgoto já está finalizado.

Todas as áreas necessárias para as tubulações que vão recolher o esgoto até as estações de tratamento e elevatórias já foram decretadas como de utilidade pública. A empresa está negociando as indenizações devidas e finaliza o projeto ambiental, para implantação de imediato e, em breve, fará a licitação em torno de R$ 110 milhões a R$ 120 milhões.

Além disso, estamos com um projeto em fase de conclusão para captação de água no município vizinho, uma transposição do chamado Rio dos Bagres, em Guiricema, que atravessa Visconde do Rio Branco, Guidoval e chega em Ubá, para complementar a nossa produção de água. Não temos qualquer córrego que vem de outro município. O Ribeirão Ubá é nosso até a divisa com a foz do Rio Xopotó que deságua no Rio Pomba. Toda água consumida em Ubá é produzida aqui e com isso nós temos um trabalho muito grande de geração. O tratamento do esgoto é essencial. Não admito mais ficar vendo o ribeirão do jeito que está hoje, sem água. Só tem esgoto, até porque a água é retirada antes de chegar à malha urbana, para servir à população.

 A Prefeitura também está incentivando financeiramente a produção de água nas propriedades rurais. Como é isso?

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– Temos um trabalho muito consistente de produção de água que está dentro do programa de governo e é de longo prazo. Estamos contratando produtores rurais para que, nas suas propriedades, desenvolvam ações que busquem preservar a água, aumentando a capacidade de retenção. Criamos um projeto de arborização, de tratamento do esgoto primário com fossas sépticas nas localidades e de tratamento de esgoto nos distritos, principalmente de Miragaia que é o principal fornecedor de água de Ubá. Esse projeto chamado PSA (Pagamento por Serviços Ambientais), junto com o tratamento de esgoto, é o que precisamos trabalhar. Já estamos indo para cem produtores contratados e esse ano pagaremos a primeira parcela da segunda equipe. É um contrato de cinco anos renovável por mais cinco. A gente espera que em dez anos, cada propriedade dessas e das outras que virão, estejam produzindo de 30% a 40% mais de água ao que produzem hoje e com um detalhe: com qualidade monitorada. Para isso, temos o trabalho da nossa própria equipe e convênio com a Universidade Federal de Viçosa para não só monitorar, como criar condições para que o produtor rural se sinta cada vez mais consciente. Quanto mais ele demonstrar que está produzindo água em quantidade e qualidade, mais o contrato prevê pagamento a ele. Espero que outros prefeitos consigam encampar essa sistemática e até aumentá-la no futuro. Temos problemas muito sérios em nossa bacia e estamos fadados a ter falta de água em pouco tempo. Por outro lado, também é importante mostrar à população que é preciso economizar.  É um trabalho longo? Sim, mas já estamos atrasados.

A produção de água pode ser mais lucrativa que o leite, por exemplo?

Pela minha formação, conheço quase todas as regiões agrícolas do Brasil. Em nossa região são muitas montanhas, o solo é menos adequado para uma agricultura de precisão, não há como usar maquinário. Sabemos das nossas limitações, e, por isso, vamos usá-las a nosso favor. O trabalho é convencer o produtor rural que é melhor ele receber por estar reflorestando topos de montanha do que colocando ali duas ou três cabeças de gado que não vão render muito. Temos também todo um trabalho de conservação de estradas baseado nesse conceito de sustentabilidade. A estrada é um indutor natural de água e de erosão. Se conseguirmos controlar as enxurradas, distribuindo-as adequadamente ao longo da estrada, retendo parte delas com caixas de contenção, barraginhas, cordão em contorno, curva de nível… Por que não aplicar esses fundamentos conhecidos há séculos? Os produtores estão entendendo que isto é interessante não só para o município, mas para eles mesmos e cuidando para difundir o máximo possível. Minha formação ajuda neste processo, porque não tenho apenas conhecimento técnico, como também consegui reunir uma equipe com capacidade de aplicar o que é necessário para a indução, por meio de ideias, projetos instalados, dias de campo e isso está funcionando. A velocidade é menor do que gostaria, por causa de recursos financeiros, mas conseguimos aprovar projetos junto a Agência Nacional de Águas e, dentro do projeto de tratamento de esgoto, colocamos uma margem exclusivamente para este trabalho de infraestrutura, para influenciar o produtor rural a deixar parte da propriedade parada produzindo água.

A cidade tem atraído recentemente grandes redes varejistas de diversos segmentos pela sua capacidade de consumo. Que outros fatores o senhor incluiria como atratividade para investimento?

Ubá é uma cidade que atrai por ser naturalmente acolhedora e pela capacidade de geração de empregos. Estamos muito bem localizados em relação a capitais, como Rio de Janeiro e Belo Horizonte, e entre duas universidades federais de alto nível como a UFJF e a UFV. A indústria, o comércio e os serviços são muito atrativos. Aliado a isso temos uma boa estrutura educacional, inclusive escolas públicas de primeira linha. As do município são muito bem-conceituadas. O setor de saúde também é referência na microrregião. Estamos modernizando a administração municipal e cuidando de questões estruturais, como o projeto de segurança Olho Vivo, em parceria com a Polícia Militar, a instalação de iluminação pública com lâmpadas de LED, calçamento e melhoria dos acessos. Temos que trabalhar junto a outras esferas de poder para melhorar nossas estradas e sua conservação, a exemplo da ligação com Juiz de Fora e Barbacena. Ubá pode ser sim a cidade da região mais atrativa para outros segmentos além da indústria moveleira, que já está na sua quinta geração de novos empreendimentos. O setor de confecção, por exemplo, já é bastante representativo. Somos o único município da região que tem crescido acima da média em população, com a atração de pessoas de cidades menores.

“Nossa história de empreendedorismo também é muito forte e estamos alavancando esse potencial com a Casa do Empreendedor, para facilitar e estimular a abertura de novos negócios”.

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