“Sou mais do campo que do mar”, diz Martinho da Vila, em JF no dia 30
Martinho da Vila apresenta, nesta terça-feira (30) no Cine-Theatro Central, show da turnê de seu mais recente álbum “Bandeira da fé”
Entrevistar Martinho da Vila, mesmo que por telefone, é experiência que se torna conversa das boas, como se o interlocutor fosse quase um amigo sumido, bem-humorado, cheio de coisa para contar. Nem parece que o cantor e compositor fluminense, natural de Duas Barras, já chegou aos 81 anos. A voz segue firme, o riso corre solto, a simpatia é a mesma que transparece em suas músicas, em participações na televisão. Se “os 60 (anos) são os novos 40”, os 80 seriam “os novos 60”?
“Até mais”, afirma Martinho, que conversou com a Tribuna na última terça-feira (23). “Esta semana vou para São Paulo e de lá para Ribeirão Preto, onde faço um show antes de Juiz de Fora. Depois tenho um evento no Rio, dia 1º de maio, e dia 6 vou para a Europa.” E é este senhor octogenário, porém com disposição que colocaria muito marmanjo de 30 ou 40 anos no chinelo, que se apresenta na próxima terça-feira (30), às 21h, no Cine-Theatro Central com o show da turnê de seu mais recente e (garante ele) último álbum de sua prolífica carreira, “Bandeira da fé”.
Acompanhado por sua banda, formada por Gabriel de Aquino, (violão) Alaan Monteiro, (cavaco) João Rafael, (baixo) Paulinho Black (bateria) e Juliana Ferreira (vocais), Martinho leva ao palco as músicas do novo disco e mais uma série de sucessos e clássicos de sua trajetória que ultrapassa as cinco décadas, como “Devagar devagarinho”, “Casa de bamba”, “Madalena do Jucu”, “Mulheres”, e “O pequeno burguês”.
Pragmatismo com os ‘novos tempos digitais’
A turnê, iniciada no final de 2018 no Rio de Janeiro, já passou por algumas cidades brasileiras e segue em maio para a Europa, onde Martinho da Vila se apresenta nas cidades do Porto e Lisboa (Portugal), Dublin (Irlanda) e Paris (França). A oportunidade vem num momento em que Martinho, assim como muito apreciador da “arte” de ouvir álbuns, se mostra pragmático em relação ao atual contexto da indústria fonográfica.
“Os empresários fizeram esse contato num momento interessante, porque eu já pensava em não gravar mais álbuns; porém eu gosto de estúdio, é um lugar de criação, então resolvi fazer o ‘Bandeira da fé’. O disco físico, atualmente, não está muito ‘conveniente’ de fazer, muitas pessoas não têm sequer aparelho de CD”, lamenta. “Minha ideia é gravar uma ou duas músicas e botar no streaming, divulgar nas redes sociais.”
“Tudo em razão dos novos tempos digitais, o tempo vai passando e precisamos nos adaptar a isso. Antigamente, para falar por telefone com alguém em Juiz de Fora, demorava. A gente mandava telegrama, cartão, quando era Páscoa, aniversário, Natal, e hoje em dia ninguém faz isso, é tudo imediato. As pessoas nem usam o telefone, preferem o WhatsApp! Mas eu ainda uso muito o e-mail, não uso o WhatsApp para não ficar igual a todo mundo, que não sai do telefone. Celular, só uso para fazer ou receber ligações, como esta que você fez para mim.”
‘Tá complicado’
‘Tá complicado’
“Bandeira da fé” é um trabalho típico da carreira de Martinho. Além da qualidade ímpar, é marcado pela diversidade sonora, jamais presa exclusivamente ao samba, a exaltação ao carnaval, samba, à mulher e à negritude, com letras de tom político mais evidente. O álbum foi lançado, numa dessas tristes ironias, num momento em que a sociedade brasileira deixou mais claro o seu conservadorismo e até mesmo posições de exclusão racial, social e de gênero.
“Eu parei de conversar sobre essas questões, porque está tão complicado… Ninguém quer falar desses assuntos, prefiro ficar com as amenidades. Como a minha função é criar, passar a mensagem através da música, fico com o meu disco e o palco. Com um jeitinho a gente consegue passar nossa mensagem e emocionar as pessoas”, diz. “O mundo mudou bastante e inclusive ficou mais triste. Outro dia li sobre um levantamento de países com melhor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), mais alegres, mais tristes, e o Brasil caiu muito no ranking da alegria. Aqui no Rio, por exemplo, hoje (dia 23) é Dia de São Jorge,e não tem mais festa como antigamente.”
Mesmo quando o assunto passa pelo atual momento do país, nem assim o compositor, símbolo da escola de samba Unidos de Vila Isabel, perde o bom humor. Um exemplo é quando questionado sobre as dificuldades para as agremiações colocarem seus enredos na Marquês de Sapucaí por conta dos cortes sucessivos feitos pelo atual prefeito do Rio, Marcelo Crivella.
“As escolas conseguiram superar essa situação, porque uma das coisas mais organizadas no Brasil são as escolas de samba. Temos cerca de quatro mil pessoas desfilando com tudo no seu lugar, direitinho, as alegorias funcionando, tudo no tempo certo. Mas ‘tá’ tudo muito estranho. Temos um prefeito evangélico, contra o carnaval do Rio, e que é importante para a cidade. É um carnaval cultural, pois toda escola de alguma forma fala de cultura, e que além disso atraiu um milhão e meio de turistas; é uma arrecadação que recebemos graças ao carnaval, e o prefeito não quer reconhecer isso. Mas conseguimos superar tudo.”
Homem do campo
É assim, fazendo suas músicas, seus álbuns (mesmo que este seja o último), shows, que Martinho da Vila mostra sua disposição, com mais de 50 anos de carreira. Como ninguém é de ferro, porém, na hora do descanso o seu lugar preferido continua a ser a fazenda onde nasceu, em Duas Barras, e que comprou há algumas décadas.
“É o melhor lugar pra mim. É uma fazendinha pequena, não uma dessas grandes fazendas mineiras, é mais para o lazer mesmo. Toda vez que tenho alguns dias de folga vou para lá descansar. É onde me sinto mais à vontade, fico mais próximo à natureza, pois sou mais do campo que do mar. Quando fico muito longe, sinto a necessidade de retornar, recarregar as baterias.”
MARTINHO DA VILA
Terça-feira (30), às 21h, no Cine-Theatro Central