Professor e pesquisador do Acre fala sobre o rock no Brasil

“A cena do heavy metal reflete as contradições do mundo atual'”, defende Wlisses James, que participa de mesa redonda em Juiz de Fora nesta quinta, 28


Por Mauro Morais

28/03/2019 às 15h25

Os timbres saturados e as distorções nos amplificadores ainda ecoam. Todo grito ainda faz sentido. Para o historiador e pesquisador Wlisses James de Farias Silva, o heavy metal, que desembarcou no Brasil nos anos 1980 permanece contemporâneo. Professor do departamento de história da Universidade Federal do Acre, e vice-presidente da Associação Nacional dos Professores Universitários de História (Anpuh) Wlisses é autor do pioneiro “Heavy metal no Brasil: Uma breve história social”, livro resultante de seu doutorado em história social pela Universidade de São Paulo (USP) e um dos mais relevantes estudos acerca do gênero no país.

Vocalista da banda Discórdia, Wlisses escreve com a propriedade de quem acompanhou o movimento heavy metal brasileiro de perto. Seu trabalho é recheado de letras e cifras. E também da política tão relacionada ao gênero do rock popularizado por bandas como Iron Maiden, AC/DC, Black Sabbath e as contemporâneas Alice in Chains e Slipknot. Integrando a mesa redonda “Música e política”, nesta quinta, 28, às 19h, no Auditório da Faculdade de Letras da UFJF, Wlisses apresenta sua pesquisa ao lado dos professores Sylvia Helena Cyntrão, da Universidade Federal de Brasília (UNB) e Alexandra Graça Faria (UFJF), com mediação de Fernando Fiorese (UFJF). “O heavy metal é político por si só”, defende o professor, pesquisador e cantor acreano, por e-mail, em entrevista à Tribuna.

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Tribuna – O que possibilitou a chegada do heavy metal no Brasil?
Wlisses James – A chegada do heavy metal no Brasil, bem como do rock, são fruto direto das transformações que a sociedade ocidental sofreu no pós-guerra, transformações essas que perpassam o chamado baby boom (aumento da taxa de nascimentos), melhoras econômicas e edificação do “welfare state” (estado de bem-estar social) na Europa Ocidental, bem como o aumento do protagonismo da juventude decorrente desse processo. Tais transformações geram um caldo cultural global através da cultura de massas, com auxílio da tecnologia (fitas k7, LPs, vídeos, etc.), fazendo com que a juventude, nos mais diversos locais do globo, tenha contato com essas produções culturais. Como produto disso tudo, o heavy metal chega aos ouvidos da juventude brasileira.

O que há de brasileiro no heavy metal que aqui se instalou?
No início, como ocorreu com outras formas de arte, a ideia era simplesmente copiar o que bandas inglesas e norte americanas estavam fazendo (deixando claro que não vejo nesse ato, demérito ou submissão), mas havia uma questão marcante: a nossa falta de recursos técnicos tornou o som do metal brasileiro mais “sujo”, causando repercussão em locais impensáveis como Noruega, Finlândia e outros. Só para exemplificar vale lembrar que boa parte das gravações de LPs da gravadora Cogumelo (histórica e mítica gravadora de heavy metal brasileira sediada em Belo Horizonte) foram realizadas somente com 8 canais.

Como foi a adaptação ao território brasileiro?
A adaptação se deu num movimento dialético de conflitos e assimilações, no qual os fãs locais conflitavam com a música estabelecida (MPB, pop e o próprio rock nacional, etc), com a cultura local. Tornou-se constante, então, a assimilação e a negação das duas partes.

Você retrata a MTV como uma personagem importante para a divulgação do rock nacional. Ela também influenciou o movimento, ditou um novo caminho?
A MTV foi importante, mas vale lembrar que antes dela já havia a consolidação do rock e metal no Brasil através dos LPs, e fitas k-7. Também cabe resgatar que o alcance da MTV não era nacional, ficando concentrada nos grandes centros. Na primeira metade dos anos 1990, programas como o “Fúria Metal” exerceram, sim, muita influência sobre determinados segmentos do metal brasileiro. Com outra parte do público e das bandas brasileiras, havia uma rejeição a MTV, que era considerada “mainstream”, principalmente para a parte do público mais ligada aos segmentos ditos extremos do metal e adjacências (death, grind core, black metal).

Para professor e pesquisador Wlisses James, autor de “Heavy metal no Brasil: Uma breve história social”, o gênero permanece no Brasil, atento ao momento político. (Foto: Divulgação)

Qual o lugar do discurso político no heavy metal?
O público e os estilos de heavy metal são bastante ecléticos, tendo nele, desde gente bastante crítica até pessoas que simplesmente só estão pela música. Há um aspecto importante: o comportamento outsider, a apresentação visual e a rebeldia apresentada (seja à esquerda ou à direita). Esses são indícios de uma atitude política de confronto com valores estabelecidos pela sociedade, sejam culturais ou religiosos. A parte lírica de inúmeras bandas faz críticas à sociedade, às guerras, às incertezas, aos medos, à violência e à raiva humana. O heavy metal é político por si só.

Há algum diálogo com gêneros tipicamente nacionais?
Ao meu ver, conflituosos ou não, diálogos sempre existiram, pois mesmo na negação deste ou daquele tipo de música ou cultura, é necessário um conhecimento mínimo (diálogo), mesmo que seja para criticar o que se escolhe como antagonista. Com o passar do tempo esse diálogo foi se intensificando até haver trocas rítmicas. Os exemplos mais conhecidos disso são grupos como Sepultura, Raimundos e Chico Science, que fizeram diálogos com samba, maracatu, forró e heavy metal, mas antes deles, bandas como os paulistas do Vulcano já havia flertado, timidamente ou mais claramente, com esses gêneros brasileiros.

Como o heavy metal reagiu ao tempo?
Ao meu ver de forma muito dinâmica, é difícil apontar um estilo musical que conseguiu tantas variações e modificações em seu estilo como o heavy metal (tanto musical quanto liricamente e visualmente). Nesse sentido, o estilo sempre vem apresentando variações, das mais extremas às mais pop. New metal, black metal, doom metal, gothic metal, deathcore, e muitos outros subestilos podem comprovar o que digo.

Na conclusão da sua tese você diz que o heavy metal se tornou uma realidade incontestável a partir dos anos 1980. Hoje ele ainda é uma realidade incontestável? Como percebe a cena atual?
Com o passar do tempo o estilo se modificou (mesmo que essas modificações não agradem todos os fãs do estilo), mas mesmo assim o heavy metal se vê presente na sociedade e na cultura de massas. Até filmes infantis recentes usaram músicas consagradas de heavy metal em suas trilhas sonoras, o que, por si só, nos mostra que o heavy metal faz parte da paisagem da cultura mundial atual. Em relação à cena, creio que ela reflete as contradições do mundo atual, no qual há uma crise da democracia liberal burguesa no ocidente, crise essa causada pela ascensão das políticas neoliberais e consequente destaque para discursos mais à direita, inclusive no Brasil. Tal panorama, fez com que esse discurso seja evidenciado na cena do metal (não que não houvesse antes, mas atualmente está sendo potencializado), a partir de canais da web. Evidentemente, esse discurso não é único, e vejo reações ocorrendo em praticamente todos os estados brasileiros. Parafraseando Jô Soares, acredito piamente que através da luta e do enfrentamento essa fase obscurantista e de culto à ignorância passará, tanto na sociedade ocidental (aí incluindo o Brasil), como no heavy metal.

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MÚSICA E POLÍTICA

Mesa redonda com os professores Sylvia Cyntrão, Wlisses James e Alexandre Faria. Nesta quinta, 28, às 19h, no Auditório da Faculdade de Letras da UFJF.

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