Um punhado de bons quadrinhos (e outros bem mais ou menos)

Por Júlio Black

20/02/2019 às 07h05 - Atualizada 20/02/2019 às 08h04

Oi, gente.

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Faz algumas semanas que não temos comentado nada sobre quadrinhos, acho que desde o final de 2018, confere? Tempo tem andado escasso, temos lido não apenas um, mas dois livros de mais de 800 páginas sobre a Primeira Guerra Mundial, livros da Chimamanda Adichie (por favor, Antônio, seja um guri feminista quando crescer), do Philip K. Dick, Oscar Wilde, Liudmila Petruchévskaia, e tem os seriados, os filmes do Oscar, os filmes que a gente quer assistir por motivos de então, e rolou um certo desânimo com as HQs também, daí o tempo passa e deixamos algumas coisas de lado. Mas depois voltamos.

Foi assim que aproveitei um tempinho livre nos últimos dias para ler algumas histórias aleatórias, que estavam lá na pilha de quadrinhos e livros e puxamos o que deu na vista primeiro. Uma delas foi a minissérie “Soldado Desconhecido”: as quatro edições foram publicadas originalmente em 1997 pela Vertigo/DC Comics e têm a assinatura do grande Garth Ennis, com arte de Kilian Plunkett. O personagem foi criado em 1966 por Robert Kanigher e Joe Kubert e chegou a ter alguma popularidade, mas nunca chegou a fazer parte do primeiro time da DC.

Na minissérie, Garth Ennis adota um tom sombrio para o personagem, que na maior parte do tempo é mais um MacGuffin do que protagonista. A história segue os passos de um agente da CIA que esbarra na lenda do Soldado Desconhecido, um espião norte-americano de rosto desfigurado, sempre coberto de bandagens e mestre nos disfarces, que realiza missões nada edificantes para o governo norte-americano desde a Segunda Guerra Mundial.

A investigação do agente é marcada por uma série de assassinatos, matadores profissionais, intrigas, mistérios e um desfecho surpreendente. O roteirista norte-irlandês sempre gostou de escrever histórias com a guerra como pano de fundo, e aqui ele manda bem, ao mostrar como o patriotismo, o senso de dever, a ideia de que se está fazendo o melhor pelo seu povo podem se revelar uma dolorosa ilusão. A história, no início, pode parecer não sair do lugar, mas os dois últimos capítulos fazem valer a pena para quem teve paciência.

 

Também lemos “Chega de humanos” a tão falada “primeira graphic novel dos X-Men desde (a clássica) ‘Deus ama, o homem mata'”, de Chris Claremont e Brent Anderson. Essa eu comprei só porque estava na promoção, pois até hoje não engulo a asneira do Brian Michael Bendis de trazer para o presente os X-Men da formação original para ver as cretinices feitas pelo Ciclope e não as repetirem.

Antes não tivesse comprado, porque apesar da dupla criativa (Mike Carey e Salvador Larroca) ser boa, a sinopse mostrar-se interessante, a história é mal desenvolvida, o conflito entre os personagens são rasos e repetitivos (Wolverine e Ciclope se estranhando mais uma vez?), as lutas são qualquer nota e o desfecho é o Ó. Na trama, os seres humanos sem o Gene X desaparecem da face da Terra, sem explicação, e sobram apenas os mutantes no planeta. Do nada, aparecem milhares de Homo superior de outras realidades. O responsável por isso é um tal de Raze, que confesso ter conhecido graças à graphic novel, filho (!) do Wolverine (!!) com a Mística (!!!), que apesar de ser um zé-ninguém consegue bolar um plano que nem Magneto imaginou.

Aí temos os dois grupos de X-Men divididos entre aproveitar a oportunidade e ter um mundo sem opressão e aqueles que acreditam que a convivência pacífica é possível, a mesma ladainha que vemos há anos. No final, mais uma histórica genérica em que a realidade mutante anda, anda, anda, e não sai do lugar.

E não podia faltar Mark Millar na história, desta vez com o “Flash genérico” de “MPH”. O roteirista escocês é esperto e desde muito cedo percebeu que o lance é criar personagens e publicá-los por meio de acordos com as editoras e depois vender os direitos para o cinema ou a Netflix, para onde levou seu “Millarworld” por alguns milhões de dólares. Pode perceber que várias séries de Millar são pensadas assim: “Kick-Ass”, “O Procurado” (que já foram para o cinema), “Superior”, “Nêmesis”, “O Legado de Júpiter”, “Crononautas”.

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Em “MPH”, Mark Millar e Duncan Fegredo (desenhos) contam a história do traficante pé-de-chinelo que é traído, preso, condenado, vai parar na prisão e lá topa com uma nova droga, a tal MPH. O que ele – e o traficante que ofereceu o bagulho – não sabia é que a parada concede supervelocidade a quem tomar uma das pílulas, aí o sujeito aproveita para fugir e colocar a namorada, o irmão dela e seu melhor amigo para roubar bancos, bens de consumo e ficar milionários.

A trama tem um contexto social interessante, pois se passa em Detroit e mostra os protagonistas buscando “vingança” contra o sistema econômico vigente e os empresários/governo que abandonaram a cidade à própria sorte e numa miséria só. O discurso antissistema tem lá seus méritos, o desfecho guarda alguma surpresa, mas “MPH”, como um todo, está mais de olho numa franquia cinematográfica do que ser uma boa HQ.

Por fim, temos que falar de “Sandman”, que tenho lido de forma lenta e gradual na sua ordem original – os encadernados da versão “Absolute” valem todos os reais investidos. E a edição 50 é uma dessas provas da genialidade de Neil Gaiman e sua capacidade de escrever belas histórias num universo de fantasia. A trama se passa em um passado distante, quando o califa de Bagdá, a mais espetacular cidade construída pelo homem, tem medo de que todo o esplendor de seu reino seja esquecido com o passar dos séculos, afinal, cidades e impérios têm sua ascensão e queda. Por isso, ele convoca Morpheus e faz uma proposta inusitada para o soberano do Sonhar – e que não vamos revelar aqui. É uma das pequenas obras-primas em pouco mais de 20 páginas do escritor inglês, que conta com a arte do excepcional P. Craig Russell.

No geral, “Soldado Desconhecido” vale seu preço de capa, enquanto “Sandman” continua essencial para os leitores da nona arte. “Chega de humanos” e “MPH”, por sua vez… Não chega a ser algo do tipo “você pode trocar por um churrasco de melancia”, mas há vários outros quadrinhos bem mais interessantes por aí.

Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.

Júlio Black

Júlio Black

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