23 vezes em que o Oscar errou feio (ou poderia ter sido mais justo)
Cerimônia da Academia é conhecida por eternizar filmes que perdem relevância com os anos ou são reconhecidamente inferiores aos que não levaram o prêmio
Desde que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood anunciou em 22 de janeiro os indicados para a 91ª edição Oscar, tiveram início as especulações e apostas sobre quais serão os vencedores, que serão conhecidos no próximo domingo (24). Também vieram a reboque os lamentos pelos esquecidos mas, principalmente, o lobby dos estúdios a favor de seus astros, produções, e o inevitável “se”: “se tal ator não vencer esse prêmio…”, “se essa atriz for a vencedora será uma surpresa”; “será uma grande injustiça se tal filme vencer/perder”. O “se”, aliás, permanece por anos, décadas, na boca da turminha do cinema, principalmente quando a categoria é melhor filme e o favorito, ou aquele indiscutivelmente visto como o melhor, não leva. São recorrentes o “se filme tal tivesse vencido seria mais justo” etc. e tal, até virar o eterno “como foi que esse filme não ganhou o Oscar?”. Ainda há os casos em que, em retrospectiva, muitos passam a afirmar que – quem diria – o Oscar errou.
E essa afirmação é mais recorrente do que se imagina em quase um século de premiações, e não importa a época. Antigamente a Academia era mais “tradicional”, então era normal que produções mais convencionais levassem o prêmio em detrimento de outras, que eram mais ousadas em estética, tema, linguagem, história. Mais para frente, com tudo definitivamente se tornando um grande negócio, foi a a hora de a propaganda e o timing ditarem as regras. Basta ver que, tradicionalmente, os filmes “para o Oscar” são lançamentos no último trimestre do ano, perto da temporada de premiações e durante festivais prestigiados como o de Toronto. A partir de então, o que vale muitas vezes é contar com uma história que trate de um tema atual, o estúdio saiba trabalhar o seu “produto”, e zás: um bom filme, às vezes ótimo, leva o principal prêmio, enquanto outro, com mais qualidades, fica esquecido.
O tempo, porém, mostra, como escrevemos lá em cima, que o Oscar errou. Feio. E rude. Afinal, muitas produções agraciadas com o careca dourado de melhor filme são esquecidas poucos meses depois, no máximo em uma ano, dois, três, aquele longa incensado passa em branco na memória das pessoas, enquanto outros se tornam imortais, cultuados, e ganham a aura de clássico, cult, indispensável.
A seguir, a Tribuna aproveita a proximidade da próxima cerimônia do Oscar para lembrar algumas vezes em que a Academia deu vacilos consideráveis – mesmo que, no final das contas, cinema seja arte, e não competição. Mas, já que querem premiar a galera, que façam direito.
1942: COMO ERA VERDE MEU VALE versus CIDADÃO KANE
Ok, John Ford é um dos maiores cineastas de todos os tempos, mas estamos falando de “Cidadão Kane”, né?, figura constante no topo das listas de melhor filme de todos os tempos, a acachapante estreia de um jovem Orson Welles na direção, com todas suas inovações na forma de contar uma história, até hoje uma aula de fazer cinema. Mas foi “Como era verde meu vale” que levou os prêmios de melhor filme e direção, e “Cidadão Kane” ganhou apenas em roteiro original. Mas o tempo colocou o filme em seu devido lugar.
1953: O MAIOR ESPETÁCULO DA TERRA versus MATAR OU MORRER (e CANTANDO NA CHUVA)
Pois é, um filme que usa cenas originais de um circo de verdade e trapezistas em conflito levou a melhor sobre um dos grandes westerns de Hollywood. Para piorar, “Cantando na chuva”, talvez o maior musical já feito, sequer figurou na lista de indicados ao prêmio principal. Mas que vacilo.
1957: A VOLTA AO MUNDO EM 80 DIAS versus ASSIM CAMINHA A HUMANIDADE, O REI E EU e OS DEZ MANDAMENTOS
Os mais velhos devem se lembrar de “A volta ao mundo…” das exibições na “Sessão da tarde”, e está ai um caso inexplicável de produção que levou a principal categoria do Oscar. Por mais simpático que seja, ganhar o prêmio de melhor filme sobre nada menos que três clássicos da sétima arte… Podemos dizer que Hollywood errou rude neste ano.
1965: MY FAIR LADY versus DOUTOR FANTÁSTICO
Estivessem competindo pelo Oscar este ano, todo mundo consideraria uma surpresa “My fair lady” (um grande filme, por sinal) derrotar o clássico de Stanley Kubrick. Neste caso, a injustiça fica pelo fato do primeiro contar uma boa história, porém convencional, enquanto “Doutor Fantástico” mantém-se atual em sua crítica mordaz à corrida armamentista, à guerra e aos delírios daqueles que detém o poder.
1969: OLIVER! versus (o ausente) 2001: UMA ODISSEIA NO ESPAÇO
Sério, gente: QUEM É “OLIVER!” NA FILA DO PÃO QUANDO COMPARADO COM “2001”??? Não importa que seja a adaptação de “Oliver Twist”, de Charles Dickens, pois do outro lado temos apenas um dos melhores filmes já feitos pelo homem, considerado por legiões como a maior ficção científica de todos os tempos, com a trilha sonora inesquecível, cenas e sequências que são referência no cinema e cultura pop, celebrado como o grande momento da carreira de Stanley Kubrick. Mas ainda pode piorar, pois “2001” sequer foi indicado a melhor filme, e até o diabético “Romeu e Julieta” do Franco Zeffirelli estava na corrida. Aqui a Academia não errou feio, aqui a Academia se superou.
1972: OPERAÇÃO FRANÇA versus LARANJA MECÂNICA
Essa entra por dois motivos. O primeiro é que “Operação França” pode ser um grande filme, mas “Laranja Mecânica” se tornou maior que o próprio longa, tendo batizado a seleção da Holanda na Copa de 1974, virou uma das maiores referências da cultura pop (videoclipe do Blur, “Os Simpsons”) e tornou-se indispensável nos cursos de jornalismo (psicologia também?). E o segundo é porque assim o Stanley Kubrick pode pedir música no “Fantástico”.
1977: ROCKY, UM LUTADOR versus TAXI DRIVER, TODOS OS HOMENS DO PRESIDENTE e REDE DE INTRIGAS
Poderíamos ser preguiçosos e usar analogias com o boxe, mas não. Vamos apenas mandar a real: “Rocky” é um clássico, um grande filme? Sim. Ter vencido a categoria enfrentando “Todos os homens do presidente” e “Rede de intrigas”? Ok, a gente deixa passar. Mas não, “Taxi driver” não. O longa de Martin Scorcese é uma aula de cinema, filme para assistir dezenas de vezes, recomendar aos amigos, dar de presente, retrato de uma época em que os Estados Unidos amargavam um de seus piores momentos, pós-Guerra do Vietnã. E tem um Robert De Niro genialmente surtado na pele de Travis Bickle.
1980: KRAMER VS. KRAMER versus APOCALYPSE NOW
Outra situação em que Hollywood fez força para atravessar a rua só para escorregar na casca de banana. Francis Ford Coppola comeu o pão que o Tinhoso pisoteou para concluir “Apocalypse now”, adaptação do romance “No coração das trevas”, e o resultado é de uma brutalidade psicológica que tornou o longa inesquecível e clássico indiscutível, num elenco com Robert Duvall, Marlon Brando, Martin Sheen e Dennis Hopper. “Kramer vs. Kramer” tinha Dustin Hoffman e Meryl Streep, mas quem se lembra da história?
1981: GENTE COMO A GENTE versus TOURO INDOMÁVEL e O HOMEM ELEFANTE
Aqui é simples: mostre-me alguém que afirme que “Gente como a gente” é melhor que “Touro indomável” e arrisco a dizer que essa pessoa não tem caráter. Afinal, esse é um filme que sequer merece entrar na fila do pão, ainda mais quando se tinha do outro lado do ringue (perdão, não resisti) “Touro indomável”, com Martin Scorcese e Robert De Niro no melhor filme sobre boxe já feito. E mesmo que este não existisse, David Lynch estava lá com “O Homem Elefante”. Ah, Hollywood, como você não tem perspectiva histórica…
1982: CARRUAGENS DE FOGO versus OS CAÇADORES DA ARCA PERDIDA
Tem dúvida de que a Academia torce o nariz para os blockbusters, por mais inesquecíveis que sejam? Pois “Os caçadores da Arca Perdida” ter perdido o Oscar de melhor filme para “Carruagens de fogo” é um exemplo. Enquanto o segundo é apenas uma boa história, mas bem mediana, com a inesquecível música do Vangelis, o longa de Steven Spielberg tem um dos mais famosos personagens do cinema, uma grande história de aventura, humor, nazistas, um clima de aventura de matinê e a inesquecível canção-tema do mestre John Williams. E todo mundo conhece Indiana Jones.
1986: ENTRE DOIS AMORES versus A COR PÚRPURA
Assim… “Entre dois amores”, quem conhece? Agora… “A cor púrpura”, quem ousa dizer que o drama dirigido por Steven Spielberg (olha ele aí de novo) não é um desses clássicos que emocionam até hoje? A adaptação do livro de Alice Walker é uma daquelas histórias de partir o coração em 200 mil pedaços, com atuações magistrais de Whoopi Goldberg e Danny Glover, e mesmo assim não levou nenhum dos 11 prêmios a que foi indicado. Que vergonha, Hollywood!
1990: CONDUZINDO MISS DAISY versus MEU PÉ ESQUERDO, NASCIDO EM 4 DE JULHO e SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS
É meio complicado falar mal de “Conduzindo Miss Daisy”, que é um bom filme mas perdeu relevância com o passar dos anos – sem esquecer as críticas à condescendência na relação entre patroa branca e motorista negro. Mas 1990 tinha Tom Cruise e Oliver Stone em “Nascido em 4 de julho”; o sobrenatural Daniel Day-Lewis levando seu primeiro Oscar em “Meu pé esquerdo”; e “Sociedade dos Poetas Mortos”, que até quem nasceu ontem já solta seus “Carpe diem” e “Capitão, meu capitão!” assim que aprende a falar. Ou seja, Hollywood poderia ter dormido sem essa.
1991: DANÇA COM LOBOS versus OS BONS COMPANHEIROS e O PODEROSO CHEFÃO III
Sob a perspectiva do século XXI, ‘Dança com lobos” é outra produção que envelheceu mal com sua visão paternalista do homem branco frente ao “bom selvagem”. Para piorar, o longa que deu a Kevin Costner as estatuetas de filme e direção tinha na competição Francis Ford Coppola (“O poderoso chefão III) e Martin Scorcese com o estupendo “Os bons companheiros”, aquele filme de máfia que tinha Robert De Niro e um Joe Pesci surtado até a medula.
1999: SHAKESPEARE APAIXONADO versus O RESGATE DO SOLDADO RYAN e ALÉM DA LINHA VERMELHA
“Shakespeare apaixonado” é a prova de que o hype e o lobby feitos pela Miramax (que era mestre nessas artes) podem enganar o tempo suficiente para um filme mediano vencer nada menos que “O resgate do Soldado Ryan”, clássico de Spielberg (pede música no “Fantástico”!) que tem uma das cenas de abertura mais impressionantes da sétima arte, coisa de tirar o fôlego – o que lhe valeu os prêmios de direção e fotografia. E ainda tinha “Além da linha vermelha”, também drama de guerra (dirigido por Terrence Malick), com muito mais substância que os devaneios românticos do bardo inglês.
2000: BELEZA AMERICANA versus O SEXTO SENTIDO
Sei que tem gente que vai querer bater em mim quando ler isso, mas “O sexto sentido” está numa categoria de filmes que “Beleza americana”, por mais qualidade que tenha, não consegue alcançar. A história do menino que via gente morta, mesmo depois que descobrimos seu plot twist, merece ser revisto inúmeras vezes; ali, M. Night Shyamalan apresentou todos os elementos que fizeram parte de sua filmografia desde então. Por outro lado, o longa de Sam Mendes tem a famosa cena da sacola plástica voando e… Kevin Spacey. Sim, certas coisas conseguem estragar a graça de um filme.
2003: CHICAGO versus GANGUES DE NOVA YORK e O PIANISTA
Negócio aqui é o seguinte: nem em um milhão de anos o musical dirigido por Rob Marshall mereceria levar o prêmio sobre o épico nova-iorquino de Martin Scorcese, mesmo se o prêmio fosse melhor… musical. Enquanto o primeiro já foi devidamente esquecido, o segundo é considerado um clássico. E ainda tínhamos “O pianista”, com um tema caro aos velhinhos da Academia: a II Guerra Mundial, a perseguição contra os judeus e baseado em fatos reais, apesar de Roman Polanski na direção pesar contra.
2004: O SENHOR DOS ANÉIS: O RETORNO DO REI versus (o ausente) KILL BILL
Vamos ser contraditórios. Reclamamos de “Carruagens de Fogo” vencer “Os caçadores da Arca Perdida”, mas… Olha, gente, é Quentin Tarantino em sua magnus opus, aquele filme que dá vontade de gritar “Ah, é Tarantino!” em seus melhores momentos – e “Kill Bill” sequer foi indicado a melhor filme. “O retorno do Rei” é um grande filme, fechou com pompa e circunstância a trilogia “O Senhor dos Anéis”? É um clássico que todo mundo assiste até hoje? Sim, mas… Geral sabe que o longa de Peter Jackson levou uma baciada de prêmios pelo conjunto da obra, a insana tarefa de gravar três filmes numa tacada só. Não é injusto, né? Mas poxa, era “Kill Bill”, seus infiéis.
2006: CRASH – NO LIMITE versus O SEGREDO DE BROKEBACK MOUNTAIN e MUNIQUE
Ninguém se lembra de “Crash – No limite”, certo? Agora veja quantas pessoas não sabem do que se trata “O segredo de Brokeback Mountain”. O longa dirigido por Ang Lee era pule de dez na ocasião, mas vai entender a cabeça da Academia. E estamos falando de um ano que ainda tinha “Munique” (Spielberg, sempre ele), sobre o ataque terrorista durante os Jogos Olímpicos de 1972.
2009: QUEM QUER SER UM MILIONÁRIO versus O CURIOSO CASO DE BENJAMIN BUTTON
Até por ser relativamente recente, o longa de Danny Boyle é lembrado por muita gente, mas a adaptação do conto de F. Scott Fitzgerald dirigida por David Fincher é filme que encanta até hoje. É o tipo de filme que jamais será esquecido, enquanto que o vencedor logo, logo vai se transformar em mais um caso de “ganhou, mas todo mundo esqueceu”.
2010: GUERRA AO TERROR versus BASTARDOS INGLÓRIOS e, ahn… AVATAR
“Guerra ao terror” tem um grande mérito: ter impedido que o superestimado “Avatar” (sim, os efeitos especiais são de cair o queixo, mas a história é ordinária demais) de levar o prêmio de melhor filme. Mas veja bem, tínhamos Quentin Tarantino e sua absurda história de soldados caçadores de nazistas na França ocupada durante a II Guerra Mundial. Hollywood não se rendeu ao óbvio, mas poderia ter feito melhor.
2011: O DISCURSO DO REI versus A ORIGEM e CISNE NEGRO
“O discurso do Rei” é um filme simpático, mas só. Não aguentaria cinco minutos de porrada com “Cisne Negro”, o drama/terror psicológico de Darren Aronofsky, e cairia com a primeira careta feita por “A origem”, o filme do sonho dentro do sonho dentro do sonho de Christopher Nolan.
2013: ARGO versus DJANGO LIVRE e LINCOLN
Baseado numa história real, o filme dirigido por Ben Aflleck sabe misturar os momentos de suspense e drama, até hoje é bom de se assistir, mas ninguém lembra que existiu. Por outro lado, “Django livre” é o primeiro western de Quentin Tarantino e clássico instantâneo, a ponto de pessoas (não digo nomes) batizarem cachorros com o nome do protagonista. E ainda tivemos um Daniel Day-Lewis tão arrebatador como o presidente americano Abraham Lincoln que o longa de Steven Spielberg é celebrado até hoje.
2016: SPOTLIGHT: SEGREDOS REVELADOS versus MAD MAX: ESTRADA DA FÚRIA
Nós, jornalistas, não somos corporativistas (sei…), então é preciso ser honesto: “Spotlight” é sim um ótimo filme sobre o trabalho jornalístico, trata de um tema sensível (a pedofilia na Igreja Católica), mas no final das contas é uma trama convencional, muito bem contada, mas que ninguém colocaria entre os dez, cinquenta ou cem mais da história do cinema. E é por isso que é um absurdo pensar que “Mad Max: Estrada da Fúria” não levou essa, pois se trata de uma história que todo mundo vai lembrar daqui a uns 50 anos. Aliás, é só perguntar hoje de qual dos dois filmes a galera lembra.