Fecha-se o cerco contra exigência de CPF na compra

Câmara quer fiscalização do Procon no comércio de JF; órgãos de defesa alertam consumidor sobre proteção de dados


Por Gracielle Nocelli

23/12/2018 às 07h00- Atualizada 23/12/2018 às 17h39

Para Ministério Público, captura constante dos hábitos de consumo de forma oculta e sem informação prévia representa invasão à intimidade do consumidor (Foto: Marcelo Ribeiro)

A Câmara Municipal de Juiz de Fora solicitou à Prefeitura, por meio da Agência de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon-JF), maior fiscalização em lojas e farmácias da cidade que pedem o número do CPF na hora da compra. Conforme informações do Legislativo, há casos em que o preço anunciado nas prateleiras só é repassado ao consumidor se ele apresentar o documento. Quando esta exigência não é atendida, o valor cobrado é mais caro. O assunto foi levado ao plenário pelo vereador José Márcio (Garotinho, PV) durante reunião ordinária realizada no último dia 12.

Citando a recente investigação do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), que culminou em multa de quase R$ 8 milhões à Drogaria Araújo por exercer esta prática, José Márcio questionou o quanto o consumidor fica vulnerável ao ter dados pessoais expostos. Ele também relatou a situação de quando foi a uma farmácia da cidade, e o funcionário pediu o documento alegando que se tratava de um programa de descontos. “Sem pensar muito, acabei fornecendo o número. Na semana seguinte, li no jornal que uma drogaria de Belo Horizonte, que também se instalou em Juiz de Fora, foi multada por condicionar o desconto à informação do CPF. De acordo com o Código de Defesa do Consumidor (CDC), isto caracteriza prática abusiva”, afirmou. “Protocolamos requerimento nessa Casa pedindo ao Procon-JF que exerça ação de fiscalização quanto às denúncias de estabelecimentos comerciais de Juiz de Fora que estão capturando o CPF do cidadão de forma irregular e indevida.”

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Em apoio ao relato de José Márcio, o vereador André Mariano (PSC) destacou que muitos estabelecimentos comerciais não deixam claro a finalidade de exigir o documento. “Há uma nova rede de drogarias que se utiliza de um artifício absurdo: na prateleira, o preço é um, mas quando você vai ao caixa descobre que só irá pagar aquele valor mediante o fornecimento do CPF. Caso contrário, o preço é diferente. Esta é uma ação maldosa”, declarou. “Quero me unir à fala de indignação de José Márcio e pedir a fiscalização com relação a este tipo de prática.”
O superintendente do Procon-JF, Eduardo Schröder, explicou que a fiscalização do MPMG tem sido realizada em todo o estado. “Este trabalho já está sendo feito e abrange todos os municípios. Os estabelecimentos não estão agindo de forma isolada em uma localidade. Mas com certeza estamos à disposição para auxiliar neste trabalho.”
A decisão do MPMG foi dada no dia 5 de dezembro, e a Drogaria Araújo teria dez dias para recorrer. Em nota, a assessoria da rede informou que “não vai se manifestar sobre o assunto neste momento.”

Para MPMG, prática viola direitos

O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) afirma que condicionar descontos ao fornecimento do CPF viola o direito do consumidor à informação clara e adequada sobre o serviço ofertado, representando ainda riscos à segurança de dados, especialmente por capturar informações pessoais sem informação prévia ao consumidor. “De acordo com o Código de Defesa do Consumidor (CDC), a abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele”, explica a assessoria.
Segundo o MPMG, a decisão condenatória de pagamento de multa no valor de R$ 7.930.801,72 da drogaria ocorreu após investigação dos fatos e recusa da empresa em ajustar a conduta. “O promotor de Justiça de Defesa do Consumidor de Belo Horizonte Fernando Ferreira Abreu concluiu que o escopo principal do suposto programa de fidelidade é o de ter acesso aos CPFs dos consumidores e não desenvolver, em si, um programa de vantagens ou fidelidade, o que configura prática abusiva, pois a concessão de descontos não pode estar condicionada ao fornecimento de dados pessoais. O promotor ainda destacou na decisão que as palavras “capturar” e “captar” os CPFs dos consumidores constam inclusive de documentos internos da empresa.”

Riscos à intimidade e vida privada

Ainda, conforme o MPMG, na decisão, o promotor explica que “a captura constante dos hábitos de consumo do consumidor de forma oculta e sem informação prévia representa severo risco à intimidade e à vida privada do consumidor, além de sujeitá-lo a riscos das mais variadas espécies”. O órgão esclarece que “em caso de vazamento de dados, os registros de aquisição de medicamentos, por exemplo, podem ser utilizados por uma operadora de plano de saúde ou seguradora para negar cobertura, seguro ou indenização.”

A decisão do MPMG foi dada no dia 5 de dezembro, e a Drogaria Araújo teria dez dias para recorrer. A Tribuna entrou em contato com a assessoria da rede e não obteve retorno até o fechamento desta edição.

Fornecer documento não é obrigatório

O superintendente do Procon-JF, Eduardo Schröder, alerta que o consumidor não deve ser obrigado a fornecer o CPF na hora da compra. “Com exceção das transações feitas pela internet, nas quais é preciso fornecer dados pessoais para a entrega do produto; nas lojas físicas, nenhum tipo de documento deve ser obrigatório.” A Proteste – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor destaca que “o CPF é o registro mais importante do contribuinte brasileiro” e diz que “há um risco de uso indevido desse dado, que é absolutamente privado.”

Em agosto deste ano foi sancionada legislação específica sobre a proteção de dados pessoais. A Lei 13.709 dispõe sobre o tratamento destes dados, inclusive nos meios digitais. Conforme diz o texto, o objetivo é “proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade”. Na prática, as empresas poderão coletar informações pessoais apenas com o consentimento do titular e desde que sejam necessários para a execução dos serviços. Por isso, deverão deixar claro qual é a finalidade de solicitar tais dados. A lei entra em vigor em fevereiro de 2020.

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