Eu LTDA


Por Júlia Pessôa

25/11/2018 às 07h00

Recentemente, ouvi a frase que talvez seja uma das que melhor me define na vida. “Você é viciada em correria, em estar sempre superatarefada.” Apesar de ter me reconhecido completamente, fiquei desapontada com a constatação, porque acredito, de verdade, que precisamos de pausas, escapadas, intervalos e alívios para mantermos a sanidade. E também para de fato vivermos, em vez de simplesmente passarmos pelo curto conjunto de dias que temos neste planeta. E penso neste respiro, esse desacelerar, tanto no sentido das tarefas e objetivos cotidianos quanto nas metas emocionais que, sem percebermos, estabelecemos para nós mesmos.

Tenho horror absoluto desta cultura que faz da gente um empreendimento, e, ainda assim, me flagro tentando levar a vida com um selo ISO9000 (ou seja lá a numeração de maior excelência) em todas as esferas. Só para, é claro, acabar frustrada. Ninguém é bom, feliz, satisfeito e seguro em tudo, nem o tempo todo. Muito menos impecável. E percorrer nossa existência buscando essa perfeição intangível só nos afasta, dia a dia mais, da possibilidade de sermos felizes, na integralidade do que somos. Notando, inclusive, que, em um sentido amplo, este “ser feliz” inclui, para cada um, se permitir falhar, cair, entristecer-se, fechar-se.

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Dia desses eu simplesmente não consegui dizer a frase “eu estou feliz”. Balbuciei algo ridículo como “eu estou sentindo algo tão bom, como eu senti algum tempo atrás, uma liberdade, um senso de que as coisas estão em seu lugar, dando certo…” Ao que ouvi, como resposta: “Você notou quantas voltas você deu para dizer que está sentindo ‘talvez alguma coisa análoga à felicidade? Você tá feliz, Júlia. Tudo bem dizer isso.'” E estava mesmo. Estou. Porque tenho feito um esforço para me entender nas minhas falhas, minhas limitações e na minha necessidade de desacelerar a correria a que estou tão acostumada. Nem sempre dá certo, claro. Mas estar atenta a isso é o primeiro passo para isso.

Todo dia mais um pouquinho, tento viver sob a lógica de que nossa existência não é, ao contrário do que dizem coaches, empreendedores e gestores de sei lá o quê, uma empreitada de sucesso. Que cada um de nós possa – em seu tempo, claro – decretar a falência de sua “Eu LTDA”. Enquanto levarmos a vida como empresa, estaremos sempre no modo “gestão de crise” e tudo que poderemos ter é uma experiência como anuncia o nome da firma: “limitada”. Viver não tem CNPJ.

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