Exposição e livro revelam diário de Arlindo Daibert
Livro lançado nesta sexta, 23, reúne trechos do diário do artista visual Arlindo Daibert sobre sua relação com as artes; exposição também apresenta material crítico e biográfico
“A sanidade não passa de um dado a mais ou a menos”, escreveu Arlindo Daibert em seu diário no dia 27 de novembro de 1973, no estado da Guanabara, nome que passou a Rio de Janeiro dois anos mais tarde. “O fluxo criador é o mesmo nos esquizofrênicos ou nos normais”, acrescentou o artista no registro que dava conta de sua visita ao carioca Hospital Psiquiátrico do Engenho de Dentro e o Museu do Inconsciente de Nise da Silveira, médica revolucionária pela introdução da arte no tratamento de pacientes psiquiátricos. A premissa defendida pelo juiz-forano morto há 25 anos revela-se plena em coerência ainda hoje.
Considerada uma das principais – senão a principal – exposição do país, a Bienal de São Paulo, em cartaz em sua 33ª edição, traz em um de seus setores, sob curadoria da artista Sofia Borges, trabalhos realizados por nomes consagrados e artistas revelados no espaço criado e coordenado por Nise da Silveira. Um dos eixos da proposta recente é a certeza de que a arte pode se estabelecer distante da consciência. Arlindo, portanto, permanece fazendo sentido. Em suas criações e em seus pensamentos, como comprova “Diário: Excertos” (Editora UFJF/MAMM), livro organizado por Júlio Castañon Guimarães e Ronald Polito com trechos do diário de Arlindo Daibert.
A obra de 303 páginas tem lançamento nesta sexta, 23, às 19h30, no Museu de Arte Murilo Mendes (Mamm), quando também será inaugurada a exposição “Retratos do artista: Arlindo Daibert”, com documentos, fragmentos do diário, cartas, fotografias, relatos de exposições e eventos de que participou e cartões postais compartilhados pelo artista com familiares, amigos e seus pares. Ainda integra a mostra trabalhos de Arlindo, convidado da 15ª edição da Bienal de São Paulo, em 1979 (sobre a qual ele fala no diário), e de muitas outras prestigiadas exposições e coleções nacionais e internacionais. “Recomecei a desenhar. É preciso desenhar mais para saber até onde o raciocínio chega”, escreveu o artista em seu diário no dia 7 de fevereiro de 1980.
“Os fragmentos transcritos do diário contêm diversas pistas para a interpretação de obras específicas de Arlindo ou de séries que desenvolveu, além de fornecerem elementos para conhecermos as posições do artista com relação às artes plásticas, em particular, e às artes em geral, como a literatura e o cinema. Por certo, novos trabalhos que se dedicarem à obra do autor terão de levar em conta esses excertos para uma compreensão mais aprofundada do que ele fez”, ressalta o poeta, ensaísta e historiador Ronald Polito, um dos organizadores do livro que se soma a outras fundamentais publicações póstumas, como “Caderno de escritos” (7 Letras), de 1995, “Arlindo Daibert: Depoimento” (C/Arte Editora), de 2000, e “Arlindo Daibert: Fortuna crítica” (Editora UFJF/MAMM), de 2011.
‘Procuro mudar o rumo da minha vida’
“Focados preponderantemente nas referências sobre obras que realizou ou iria realizar, nas viagens e interesses artísticos e culturais, os excertos aqui apresentados denotam a sensibilidade do artista na produção de um espaço particular, onde se combinam e se misturam, numa refinada dimensão intelectual, reflexões sobre aspectos inconscientes do trabalho artístico, as possíveis articulações entre artes visuais e literatura, decisões a serrem tomadas, situações e eventos”, reforça, no prefácio da obra, Ricardo Cristofaro, aluno de Arlindo e hoje professor do Instituto de Artes e Design e diretor do Museu de Arte Murilo Mendes, cujo acervo se formou a partir de esforço do autor das aclamadas séries “Macunaíma”, “Alice no país das maravilhas” e “Grande sertão: Veredas”.
O trabalho de mediação para trazer as coleções bibliográficas e pictóricas de Murilo Mendes para Juiz de Fora, inclusive, marca o último registro do diário de Arlindo publicado no livro. Em 12 de agosto de 1993, escreveu o artista: “41 anos comemorados da maneira mais estranha: trabalhando. O dia começou com uma série de decisões que diminuíram meu nível de ansiedade e tensão. Comuniquei ao MEC e à UFJF meu afastamento do ‘affaire Murilo Mendes’. Procuro mudar o rumo da minha vida e mergulhar no GS:V (Grande Sertão: Veredas). Passei meu aniversário numa sala de edição trabalhando num vídeo-demo da exposição. Como primeira experiência na área, posso dizer que os resultados foram muito bons. Amanhã me dedico à gráfica. Muito trabalho ainda até a exposição estrear mas acho que os resultados serão positivos. Feito o balanço: tive um ‘feliz aniversário'”. Apenas 16 dias depois desse registro, Arlindo Daibert faleceu.
“Arlindo foi um contemporâneo de seu tempo, estava bem informado sobre o que acontecia nas artes plásticas no Brasil e em certos nichos do exterior. Obviamente, ele possui posições específicas sobre esse campo. Essas opiniões interessam para os estudiosos das artes plásticas no Brasil no período coberto por suas anotações, ou seja, de 1973 a 1993”, defende Polito, que ao lado de Castañon Guimarães teve o zelo e a delicadeza de preservar a intimidade de Daibert, tornando público apenas os episódios que ajudam a revelar a grandiosidade do artista, como os desenhos que ilustram o livro, também extraídos das páginas do diário. “Eles tornam mais concretas as ideias que ele está desenvolvendo. Além disso, possibilitam em alguns momentos compreender seus interesses variados e permitem que observemos o virtuosismo que o caracterizou”, finaliza Polito.
DIÁRIOS: EXCERTOS Lançamento do livro de Arlindo Daibert (organização de Júlio Castañon e Ronald Polito) e abertura da exposição “Retratos do Artista: Arlindo Daibert”, nesta sexta, 23, às 19h30, no Museu de Arte Murilo Mendes (Rua Benjamin Constant 790 – Centro)