Professora conta em livro como vencer desafios no cuidado com Alzheimer

Lucia Helena Cardoso encontra na escrita e no bordado uma forma de encarar a vida sob nova perspectiva


Por Júlia Campos, estagiária sob supervisão da editora Isabel Pequeno

11/11/2018 às 07h00

 

Lucia Helena reuniu cartas destinadas ao marido no livro “Mal de Alzheimer: entre cuidados e bordados”, como forma de homenageá-lo e ajudar pessoas que passam pela mesma situação (Foto: Olavo Prazeres)

“O amor supera tudo”. É o que costumam dizer quando um casal se depara com alguma dificuldade em sua vida conjugal. No entanto, em determinadas situações, é preciso superar problemas não só com amor, mas também com carinho, cuidado, dedicação e total entrega, a ponto de mudar toda a sua vida para viver a do outro.

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A professora aposentada Lucia Helena Cardoso vive uma marcante história, que a fez publicar o livro “Mal de Alzheimer: entre cuidados e bordados”, lançado na última quarta-feira (7). Casada há 13 anos com o marido de 83 anos (que ela preferiu manter anônimo), ela viu suas vidas mudarem. Ele foi diagnosticado com mal de Alzheimer há cinco anos.

Lucia Helena conta que, nos dois primeiros anos após a descoberta da doença, o marido levava uma rotina praticamente normal, incluindo viagens esporádicas, apesar de ser resistente ao tratamento. No entanto, com a evolução do quadro, ele perdeu a fala, não consegue se alimentar sozinho e só se locomove com ajuda dos cuidadores.

Processo doloroso

Ver o marido adoecer “foi muito doloroso desde o início”, segundo a aposentada. “Eu comecei a notar as confusões dele, as perdas de objetos pessoais e documentos. Com o agravamento e novos exames, a doença foi constatada. “Comecei, justamente por isso, a fazer registros, quase que diariamente, como uma forma de chegar para o médico com informações precisas”, relata Lucia Helena. Desta reunião de registros, nasceu a ideia de escrever o livro. “Outra etapa foi descobrir como publicar, porque eu não queria que fosse uma publicação triste, de reclamações, eu não queria me vitimizar diante da doença.” Durante uma conversa com uma amiga, veio a ideia de publicar o livro em formas de cartas. A autora hesitou, já que, atualmente, cartas são pouco usadas como forma de comunicação entre pessoas. Me veio um insight, a carta é para ele. Assim eu comecei, e deslanchou a elaboração”. A preocupação de Lucia Helena ao publicar estes registros foi a de não expor o marido, tanto que o nome Alcides, adotado por ela no livro, é fictício.

Para Lucia Helena, o livro, além de um alento, é uma ajuda para aqueles que cuidam de pessoas que sofrem do mal de Alzheimer. “Os médicos cuidam da medicação, mas o cuidado do paciente é a gente que tem que aprender como fazer. Por exemplo, eu tive que deixar de servir a mesa com todas as travessas, pratos e alimentos, porque cada coisa dessa o distraía muito. A minha expectativa é que o meu exemplo possa servir, mas não há receita pronta, cada um precisa descobrir do que o seu ente querido precisa, mas talvez seja uma opção.”

Bordados como terapia

Apesar de já estar aposentada e poder cuidar do marido, Lucia Helena reconheceu que era preciso cuidar de si mesma. “É tudo muito desgastante, muito triste, por isso fui buscar a terapia, busquei uma atividade fora de casa e encontrei no bordado essa atividade de lazer. Eu bordava desde criança. Eu vi um calendários com pontos turísticos de Juiz de Fora que as alunas bordaram e busquei contato com a professora que orientou este trabalho. Desde então, participo das aulas. O bordado foi muito significativo para mim, porque bordar exige paciência, exige escolha, e é como se a gente aprendesse, ou reaprendesse a viver dia a dia.

A entrega ao tratamento do marido, que tanto exige de Lucia Helena, não parece ser uma questão que interfere no seu sentimento. Ao contrário, a delicada situação pareceu refinar e tornar ainda mais especial o amor que ela sente por Alcides. “Eu tenho que agradecer a Deus por ter me dado a oportunidade de crescer pessoalmente, de ter um amor profundo por uma pessoa a ponto de dedicar a minha vida a ele”, conclui, emocionada.

Saiba mais

Segundo a Associação Brasileira de Alzheimer (Abraz), estima-se que existam no mundo cerca de 35,6 milhões de pessoas com a Doença de Alzheimer (DA). No Brasil, há cerca de 1,2 milhão de casos, a maior parte deles ainda sem diagnóstico.

A doença de Alzheimer é uma enfermidade incurável que se agrava ao longo do tempo, mas que pode e deve ser tratada. Quase todas as suas vítimas são pessoas idosas. Talvez, por isso, a doença tenha ficado erroneamente conhecida como “esclerose” ou “caduquice”.
A doença se apresenta como demência, ou perda de funções cognitivas (memória, orientação, atenção e linguagem), causada pela morte de células cerebrais. Quando diagnosticada no início, é possível retardar o seu avanço e ter mais controle sobre os sintomas, garantindo melhor qualidade de vida ao paciente e à família.

Não se sabe por que a Doença de Alzheimer ocorre, mas são conhecidas algumas lesões cerebrais características dessa doença. As duas principais alterações que se apresentam são as placas senis decorrentes do depósito de proteína beta-amiloide, anormalmente produzida, e os emaranhados neurofibrilares, frutos da hiperfosforilação da proteína tau. Outra alteração observada é a redução do número das células nervosas (neurônios) e das ligações entre elas (sinapses), com redução progressiva do volume cerebral.

Estudos recentes demonstram que essas alterações cerebrais já estariam instaladas antes do aparecimento de sintomas demenciais. Por isso, quando aparecem as manifestações clínicas que permitem o estabelecimento do diagnóstico, diz-se que teve início a fase demencial da doença.

As perdas neuronais não acontecem de maneira homogênea. As áreas comumente mais atingidas são as de células nervosas (neurônios) responsáveis pela memória e pelas funções executivas que envolvem planejamento e execução de funções complexas. Outras áreas tendem a ser atingidas, posteriormente, ampliando as perdas.

Tratamento

Até o momento, não existe cura para a Doença de Alzheimer. Os avanços da medicina têm permitido que os pacientes tenham uma sobrevida maior e uma qualidade de vida melhor, mesmo na fase grave da doença.

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As pesquisas têm progredido na compreensão dos mecanismos que causam a doença e no desenvolvimento das drogas para o tratamento. Os objetivos dos tratamentos são aliviar os sintomas existentes, estabilizando-os ou, ao menos, permitindo que boa parte dos pacientes tenha uma progressão mais lenta da doença, conseguindo manter-se independentes nas atividades da vida diária por mais tempo. Os tratamentos indicados podem ser divididos em farmacológico e não farmacológico.

Fatores de risco

A idade é o principal fator de risco para o desenvolvimento de demência da DA. Após os 65 anos, o risco de desenvolver a doença dobra a cada cinco anos.

As mulheres parecem ter risco maior para o desenvolvimento da doença, mas talvez isso aconteça pelo fato de elas viverem mais do que os homens.

Os familiares de pacientes com DA têm risco maior de desenvolver essa doença no futuro, comparados com indivíduos sem parentes com Alzheimer. No entanto, isso não quer dizer que a doença seja hereditária.

Pessoas com histórico de complexa atividade intelectual e alta escolaridade tendem a desenvolver os sintomas da doença em um estágio mais avançado da atrofia cerebral, pois é necessária uma maior perda de neurônios para que os sintomas de demência comecem a aparecer. Por isso, uma maneira de retardar o processo da doença é a estimulação cognitiva constante e diversificada ao longo da vida.
Outros fatores importantes referem-se ao estilo de vida. São considerados fatores de risco: hipertensão, diabetes, obesidade, tabagismo e sedentarismo. Esses fatores relacionados aos hábitos são considerados modificáveis. Alguns estudos apontam que se eles forem controlados podem retardar o aparecimento da doença.

 

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