Ame-o ou deixe-o


Por Júlia Pessôa

11/11/2018 às 17h00

Sempre achei de um tom péssimo, e de um contrassenso tamanho a imposição militaresca do “ame-o ou deixe-o”. Veja bem, quando a gente ama, a gente não quer largar. Claro, às vezes as circunstâncias da vida separam quem ou o que amamos de nós, por necessidade, fatalidade ou apenas um golpe de azar (ou timing errado). Mas nesse caso, acho que o imperativo “deixe-o” só reforça a dor de quem parte ou é deixado ainda caindo de amores. É como chutar cachorro morto. Há também os casos em que o “deixe-o” é questão de sobrevivência: seja de um relacionamento, um emprego, um crush, um parente, alguém ou algo que nos faz mal, nos consome e em casos extremos, pode chegar a matar – física ou emocionalmente. Mas aí, a sabedoria pagodeira fala por mim: “não era amor, era cilada.”

Quando tem amor no meio, não existe fórmula simples. Não amo passas na comida (alô, Natal!), deixo-as no cantinho do prato. Por outro lado, amo a liberdade, por isso deixo que todo mundo – mesmo quem eu não amo nem um cadiquinho – tenha a chance de desfrutar dela, ainda que isso se volte contra mim. Odeio tempo chuvoso com frio, mas sempre deixo a sombrinha em casa e me estrepo. Não é porque eu ame alguém, em qualquer modalidade, que eu vá deixar que esse amor seja maior que meu próprio – pelo menos não mais, nunca mais. Amo meu trabalho e meus estudos, mas não deixo que eles me definam – somos muito mais complexos que nossos ofícios e obrigações.

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Amo, não deixo, não amo, deixo, amo e deixo…. Que arrogância infinita querer fazer disso uma regra-de-três! O único caso em que admito que a relação é invariavelmente direta, militarista e autoritária como o slogan “Ame-o ou deixe-o” do Brasil dos anos de chumbo, refere-se a uma emissora que fez o papelão de replicá-lo em sinal aberto para todo o país nos últimos dias. Não dá para amar o canal, logo deixo-o. E uma multidão vem atrás de mim, não é de hoje. Basta ver os índices de audiência: a pipa não sobe mais faz tempo.

 

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