Sai Jimmy McGill, entra Saul Goodman
Oi, gente.
Poucos são os seriados que, com o passar dos anos, conseguem manter ou até mesmo elevar a qualidade de suas tramas e episódios. Sitcoms como “Friends” e “The Big Bang Theory”, por exemplo, ainda entregam/entregavam alguns momentos que faziam valer a pena a fidelidade. Outros, entretanto, perdiam o timing de seu fim (“Arquivo X”) e se tornaram produtos patéticos, tentando manter uma magia que havia acabado. “Lost”, outro triste exemplo, se perdeu muito mais por dar respostas estapafúrdias aos mistérios e, principalmente, por um series finale que dá raiva e vergonha até hoje.
Mas nem sempre é assim. Várias séries conseguiram manter o nível do início ao fim, basta lembrar de “The Sopranos”, “Fringe”, ou até mesmo melhorarem e consolidarem suas condições de clássicos a cada nova temporada. É/foi assim, por exemplo, com “The Americans” (não esqueça, A MELHOR SÉRIE DO UNIVERSO) e “Breaking Bad”, que até hoje tem um dos desfechos mais memoráveis da história da TV.
Pois temos mais dois exemplos de programas que, com o tempo, só melhoram e pode ter um desses desfechos memoráveis: “BoJack Horseman, já comentada semanas atrás, e “Better Call Saul”, spin-off (série derivada) de “Breaking Bad”, um dos melhores programas de todos os tempos. Assim como sua predecessora, a atração é imperdível – como podemos conferir em sua quarta temporada, lançada este ao pela Netflix e que é uma das três melhores coisas com as quais você pode ganhar seu tempo ao decidir se isolar do mundo na paz de seu lar.
Vamos reconhecer que foi uma bela e arriscada aposta do criador de “Breaking Bad”, Vince Gilligan. Afinal, quando a jornada de Walter White teve seu desfecho, legiões queriam mais, mais e mais. Sabemos como isso pode dar muito certo (as franquias “CSI”, “Law and Order”, “NCIS”, que já era um derivado da pouco lembrada “JAG”) ou muito errado (“Joey”, a única tentativa de sugar algo de “Friends”).
Mas não havia, teoricamente, como dar continuidade à trama, basta lembrar sua trágica conclusão. Por isso, a decisão – algo arriscada – foi escolher um personagem secundário e que sequer estava na história desde o seu início: o canalha, imoral e totalmente corrupto advogado de quinta categoria Saul Goodman, interpretado de forma magistral por Bob Odenkirk.
Como seria a história, então? Mostrar as tramoias do patife paralelamente aos eventos da série original? Contar como ele se virou após o final do seriado? Ou mostrar a trajetória que o levou a ser um advogado tão inescrupuloso e desonesto? A decisão, felizmente, foi pela última, a mais interessante delas. Porém, num artifício engenhoso e do qual não sabemos ainda o que pode significar, “Better call Saul” inicia suas temporadas sempre em preto e branco, mostrando Saul Goodman com uma nova identidade, a de gerente de uma lanchonete num shopping center qualquer em local igualmente desconhecido.
Foi assim, então, que conhecemos James (Jimmy) McGill, advogado medíocre que, além de lidar com casos típicos de quem não é levado a sério no ramo, vive às turras e à sombra do seu irmão, o respeitado Chuck McGill (Michael McKean), numa recíproca infinita de ressentimentos. Durante os três primeiros anos pudemos observar o crescimento da série não só em sua história e qualidade, mas na mudança progressiva na personalidade e caráter de seu protagonista. Como bônus, alguns personagens já vistos em “Breaking Bad”, em especial Mike Ehrmantraut (Jonathan Banks, que já cruzou caminho com Jimmy) e Gus Fring (Giancarlo Esposito), que prepara a ampliação de seu império enquanto assiste a deterioração física do rival Hector Salamanca (Mark Margolis).
Sempre ficamos na expectativa do momento em que Jimmy se tornaria, de vez, Saul Goodman. E a quarta temporada acelerou esse processo com alguns dos melhores episódios do programa, em que James McGill, privado por um ano do direito de advogar, precisa lidar com empregos mundanos que, por conta disso, despertam nele aquilo que tem de “melhor”: a capacidade de agir à margem da lei e mandar os escrúpulos às favas.
Mas não só ele evolui neste quarto ano: Kim Wexler (a excepcional Rhea Seehorn), fica dividida entre a ética da profissão, o sucesso profissional, e a tentação da adrenalina em participar das artimanhas do namorado, – que ainda acredita ter salvação. Gus Fring mostra toda sua capacidade de vislumbrar possibilidades para ampliar seu poder, além da frieza que sempre marcou suas ações, e Mike, apesar de eventualmente ganhar mais espaço que o necessário, tem momentos de capanga implacável contrapostos à dificuldade de lidar com os laços de amizade desenvolvidos.
Com uma sequência de episódios antológicos, em especial a partir da segunda metade da temporada, temos o desfecho sensacional em “Vencedor”, marcado por uma (agora) agridoce versão de “The winner takes it all”, do ABBA, em que o que poderia ser a redenção de James McGill se torna, na verdade, no grande plot twist na vida do personagem. A surpresa de Kim à comemoração de Jimmy, por exemplo, já dá pistas sobre o esperado distanciamento dos personagens, ensaiado em momentos anteriores e potencializado com a esgrima verbal vista em “Wiedersehen”.
A decisão de Jimmy, porém, no encerramento da temporada, mostra que o fim está próximo, seja do seu relacionamento com a namorada, dos valores morais que ainda restavam, da ética profissional, do respeito às leis, e, infelizmente, do ponto derradeiro de uma das melhores séries da TV nos últimos anos. Resta saber até que ponto de “Breaking Bad” a excepcional “Better Call Saul” vai alcançar antes do adeus.
Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.