“Na próxima encarnação, posso ser Deus”?


Por Daniela Arbex

30/09/2018 às 08h53

Dia desses, Diego soltou uma de suas muitas pérolas. “Mãe, na próxima encarnação, eu posso ser Deus”? Já vi gente querendo voltar rico, bonito, famoso, mas sonhando em ser a causa primária de todas as coisas foi a primeira vez. Expliquei para ele que Deus já existia antes de nós e que esse papel superior cabia só a Ele. Meu filho ficou frustrado por não poder experimentar “o poder supremo”, embora eu ainda não soubesse exatamente o que ele pretendia fazer com toda a potência da criação. Fiquei olhando aquela pessoinha na tentativa de entender o que realmente queria dizer. Decifrar filhos é uma arte que exige experiência e um bocado de tutano.

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É que se engana quem pensa que uma criança é uma página em branco e que nós, os pais, somos aqueles que os ajudarão a “escrever” seu livro de vida. Se fosse simples assim não haveria tendências, desejos e informações que se manifestam desde a idade mais tenra e que se mostram bem independentes da vontade e até do conhecimento dos adultos. É claro que a família é a grande referência para a infância. Infância só, não. Para toda a existência. Mas os filhos carregam uma bagagem própria e é justamente o que trazem que exige capacidade de compreensão.

O que não muda em qualquer endereço é o esforço que eles demonstram para fazer valer suas vontades. Nisso, eles são muito bons. Como para crianças não há entendimento sobre o tempo futuro, tudo para eles é visceral. Aqui e agora é o que importa. Lá em casa, por exemplo, todos os dias são os melhores da vida do Diego. Quase todos. Eu sou quase sempre a melhor mãe do mundo, com direito a beijinho na mão para amolecer corações. Mas basta alguns nãos para que nem tudo seja assim tão bom e para que o dia mais incrível se torne tedioso. Dá para acreditar que tédio faça parte do dicionário dessa geração?

Falando em dicionário há algumas palavras que parecem mais difíceis de se aprender do que outras. Resiliência, tolerância, empatia, aceitação do outro. Escrevendo agora percebi que muitos substantivos e verbos são incompreensíveis até para o mundo adulto. Em tempos de ódio absoluto, no qual diálogo pode ser confundido com fraqueza e construção de paz com mimimi, é duro perceber que a inconsequência da criança está mais presente no cotidiano das nossas relações do que pensamos. Quando a força assume o lugar da razão, o “pior dia da vida” pode não ser apenas uma mera força de expressão infantil.

Voltando ao Diego e a próxima encarnação, descobri que a pergunta dele sobre ser Deus não tinha nada a ver com o desejo dele de mudar o mundo. Na verdade, ele só queria ter o poder de mudar as regras lá de casa que o proíbem de assistir YouTube durante semana. Ah, se todo dilema fosse tão simples assim!

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