1977: o ano em que os motores roncaram no Cascatinha

Testemunhas do primeiro motocross de Juiz de Fora falam sobre os impactos do evento no motociclismo da cidade


Por Wendell Guiducci

30/08/2018 às 07h00- Atualizada 31/08/2018 às 21h38

Barraquinha montada e veículos estacionados no terrão do Cascatinha em 1977 (Foto: Blog Maurício Resgatando o Passado)

“O Doutor Antonio Carlos Corrêa Saraiva loteou o Cascatinha”, conta Eugênio Martins, 62 anos, enquanto acende calmamente um cigarro no escritório de sua empresa de antenas e telecomunicações no Bairro Granbery. “Ele tinha que promover aquilo lá e chamou o Tiziu para organizar um motocross.” Tiziu é o nome pelo qual todos que conhecem o arquiteto Luiz Antonio Saraiva Campos, sem parentesco próximo com o empreendedor supracitado, o chamam. “O Doutor Saraiva queria um acontecimento para divulgar o Cascatinha, que já estava todo arruado. Naquela época, eu e o Carlos Repetto promovíamos festas e pegamos para organizar o primeiro motocross de Juiz de Fora. Levamos no mínimo umas 5 mil pessoas para lá.” Mais que popularizar o novo loteamento que nascia no entorno do Cascatinha Country Club, também fundado pelo Doutor Saraiva, que comprara o terreno de 16 alqueires da Santa Casa de Misericórdia, o evento, realizado em meados de 1977, tornou-se um marco para o motociclismo da cidade, especialmente o off road.

Abaixo, veja fotos do ano seguinte, 1978, quando o Cascatinha recebeu sua primeira etapa do Campeonato Mineiro de Motocross.

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Foto: Aelson Amaral

Naturalmente, não se começou a andar de moto em Juiz de Fora somente em 1977. Há registros de uso de motocicletas na cidade desde as primeiras décadas do século XX, inclusive com passeios de estrada e competições, como o Raid de Juiz de Fora a Petrópolis realizado em 1917. Mas na década de 1970 a chapa esquentava entre a garotada. “A gente não tinha moto de trail, era raro. A minha era uma Honda CB 125cc de 2 cilindros, ano 1974”, lembra Eugênio. “Eu pelei a moto toda para correr a prova do Cascatinha na categoria estreante. Era o que nós fazíamos, arrancávamos as partes das motos e botávamos para correr. Quem ganhou a prova na estreantes foi o Ricardo Procópio, que tinha uma Suzuki trail.”

Segundo Tiziu, que gostava de moto desde garoto mas não correu em 1977, Carlos Repetto tinha contatos no Rio de Janeiro por conta de seus irmãos mais velhos, que já haviam competido. “A maioria dos pilotos profissionais veio do Rio, mas tinha mineiros também, tanto na categoria 125cc quanto na 250cc. Jorge Balbi venceu uma, Casanova Torman a outra. Pedimos licença à Federação Mineira e realizamos a prova aqui como uma etapa do Carioca daquele ano, mas nem divulgamos que era federada. Foram mais de 50 pilotos. Na estreante tinha umas 15 a 20 pessoas aqui de Juiz de Fora, pessoal que gostava de andar, não era profissional, mas já estava socando a moto nas trilhas.”

Motociclismo de impacto

Eugênio Martins em sua possante Honda CG 125cc 1974, reconhecendo a pista do Cascatinha em 1977 (Foto: Arquivo pessoal)

Ainda garoto, o fotógrafo Aelson Amaral assistiu ao Motocross do Cascatinha, que teve um dia de treinos, no sábado, e as provas propriamente ditas, no domingo. “A PM deu uma volta de reconhecimento na pista, com uma CG 125cc e uma CB 400cc”, lembra, destacando que eram máquinas que não se costumava ver por essas bandas. “Os profissionais corriam de Suzuki, Yamaha, Honda! Todas importadas, de motocross mesmo.” Tiziu tem orgulho do sucesso que fez o evento. “Aqueles morros ali onde hoje tem o Independência Shopping estavam cheios de pessoas, famílias inteiras, a Avenida Doutor Paulo Japiassu Coelho lotada de carros estacionados, a Ladeira Alexandre Leonel… Juiz de Fora inteira foi pra lá, tanto no sábado quanto no domingo.” Segurança? Praticamente nenhuma: as pessoas cruzavam a pista no meio da corrida, e plateia acocorada nos barrancos não tinha proteção alguma. “Mas estávamos em 1977 e valia tudo!”, releva Aelson Amaral.

Depois do êxito do evento, a relação do motociclismo com Juiz de Fora mudou. Mais três provas foram realizadas no Cascatinha, duas em 1978 e uma em 1979. Mas não eram só as competições. “Todo mundo começou a gostar de motociclismo na cidade”, valoriza Tiziu, apontando um impacto inegável. “Aí vieram os trilheiros, o pessoal que começou a andar todo fim de semana nas roças da região. Porque para fazer motocross o custo é elevado, você tem que andar com equipamento de primeira para competir, mas a trilha não, é só para curtir a natureza, você vai em uma loja aí, compra uma baratinha ou mesmo usada, e já sai andando”, recomenda o arquiteto que ainda hoje não deixa de dar suas voltas em uma Honda CRF na companhia dos filhos. “Mas de leve, porque a carcaça é modelo 6.3, pesado! Agora é só na natação!”, brinca o bem-humorado ex-atleta das piscinas do Bom Pastor.

Eugênio Martins também anda regularmente de moto. Aliás, regularmente, não: apenas de moto. “Eu só ando de motocicleta. Todo ano viajo para os Estados Unidos e ando 4.500km com meus amigos”, conta o empresário, ele mesmo simultaneamente testemunha do impacto que o Motocross do Cascatinha teve na relação de Juiz de Fora com o motociclismo. “Depois daquilo o Renato Machado (empresário, da U&M Mineração) fez uma pista na casa dele, na Estrada União Indústria, depois outra atrás do Restaurante Viagem, já na década de 1980. Eu saía do fórum, onde trabalhava, e ia para lá treinar. Foi ali que surgiu o Guto Lima, ainda menino”, lembra Eugênio, grande incentivador do piloto, maior nome do motocross juiz-forano, que hoje vive nos Estados Unidos. E o impacto não foi meramente esportivo, mas também comportamental, como reflete o veterano motociclista. “Antes do Cascatinha era outra coisa. A gente fazia muita cagada na rua. Foi ali que percebemos que tinha lugar certo para aquilo.”

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Tópicos: corrida / memória

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