Achado em galpão, protótipo de lendário carro nacional circula em JF
Automóvel que serviu de base para todos os Santa Matilde em circulação no Brasil foi resgatado em fábrica de Três Rios
Largado no canto de um galpão recém-adquirido na cidade de Três Rios, o carro não passava de sucata à vista do mecânico de máquinas e empresário Geraldo Chapinoti. Foi um dos projetistas da Companhia Industrial Santa Matilde quem advertiu, em 2006: aquela sucata era, na verdade, o protótipo número 1 do lendário esportivo nacional Santa Matilde. “Eu sabia que o Seu Geraldo era um amante de carros antigos e falei pra ele. ‘Vamos restaurar esse carro, Seu Geraldo'”, conta Fernando Monnerat, que por anos, junto com o irmão Flávio, trabalhou nos projetos do Santa Matilde. Chapinoti corrobora a versão: “Foi o Monnerat quem me incentivou. Ele montou os pedaços do carro e levou, do jeito que estava, sucateado, para uma exposição em Três Rios. E de lá foi para a oficina dele”. Depois de dez anos de restauração, estava de pé, e rodando, a matriz original de todos os 937 Santa Matilde fabricados.
O carro tem história. Quando decidiu fabricar automóveis esportivos na década de 1970, numa época em que a importação era proibida e os brasileiros amantes dos modelos mais invocados apenas podiam sonhar com Porsches e Ferraris e Maseratis, o empresário Humberto Pimentel, dono da Companhia Industrial Santa Matilde, montou uma equipe para desenvolver um veículo nos moldes dos grandes ícones da época. A Santa Matilde já era uma potência industrial, líder na fabricação de torres de transmissão de energia, e investia também em outras áreas, inclusive na produção de tratores, vagões de trem e maquinaria agrícola. Fã de esportivos _ possuía um Porsche Targa 911 S, adquirido antes do veto ditatorial aos importados, e um Puma GTB -, Pimentel convidou Renato Peixoto, piloto e funileiro responsável por desenvolver carros de corrida, para trabalhar no projeto do SM.
Com mão de obra da própria fábrica, o carro ficou pronto em 1975. “Mas o Humberto Pimentel não gostou nada”, relata Chapinoti. “Dizem que ele dirigiu o carro e achou horrível, que tinha defeitos demais, era ruim de dirigir.” O industrial mandou Renato Peixoto embora no ato e, reza a lenda, quis até incendiar o protótipo, mas acabou contido pelos funcionários. Ainda bem: é esse controverso protótipo, o Santa Matilde número 1, que está na garagem de Geraldo Chapinoti e pôde ser visto no mês passado, exposto no Encontro Anual da Associação de Veículos Antigos (AVA). O carro, de chassi monobloco e carroceria de fibra de vidro, trabalha com mecânica do Opala 4.1 de seis cilindros. Chapinoti evita sair com ele. “Ainda estou ordenando a documentação para emplacá-lo como protótipo”, justifica. Mas sempre funciona a raridade aos sábados, na garagem onde divide espaço com Corvette, Cadillac, Ford Thunderbird e outras joias, para mantê-lo devidamente “azeitado”.
Um luxo de Santa Matilde
Humberto Pimentel estressou, mas não desistiu do SM: iria fabricar o esportivo com sua própria equipe. Foi nessa época que entrou em cena Fernando Monnerat. “O Santa Matilde usava mecânica do Opala SS, tinha freio a disco nas 4 rodas, motor GM 250S 4.1 de seis cilindros”, elenca Monnerat, explicando que era um carro luxuoso para a época, custava mais que um Ford Landau, e muito seguro. Possuía, por exemplo, chapas de aço nas portas, que protegeriam o condutor de uma eventual colisão lateral. Vinha com toca-fitas, desembaçador elétrico, tinha partes cromadas no motor. O livreto que acompanhava o SM dizia: “Apresentamos o primeiro carro esporte equipado com o conforto de um Mercedes, a elegância de um Ferrari, a sofisticação de um Porsche e o requinte de um Maserati. E o desempenho de todos eles, por um preço que não dá para comparar”.
“O protótipo ficou pronto em 1975. Foram dois anos de análises e correções. Em 1977 começamos a montar a linha, e o Santa Matilde entrou no mercado em 1978”, relata Monnerat. Foram fabricados 490 modelos hatch, 371 cupês e 76 conversíveis. Depois de uma crise administrativa e a saída de Humberto Pimentel da direção da empresa, a produção foi descontinuada em 1986. Poucos modelos, “nem dez”, segundo Fernando Monnerat, foram feitos sob encomenda até 1997, quando nasceu o último Santa Matilde, com mecânica do Chevrolet Omega 3.0 de seis cilindros. Mas a lenda continua viva e forte até hoje. Monnerat até hoje restaura e fabrica partes do Santa Matilde para colecionadores do Brasil inteiro, que se reunirão para um grande evento em Três Rios no feriado de 15 de novembro próximo. O interesse pelo modelo, um clássico absoluto do automobilismo nacional, segue em alta. Em uma pesquisa rápida em sites especializados na internet, é possível encontrar modelos sendo vendidos a R$ 70 mil, R$ 80 mil. E o pai de todos, o protótipo número 1 na garagem de Geraldo Chapinoti? “Não está à venda”, encerra o assunto o veterano mecânico.