Sobrinho-neto de Pedro Nava resgata objetos pessoais, fotos e vídeos do escritor
Matheus Nava está em JF, onde exibe vídeos e fotografias para comemorar os 115 anos do memorialista juiz-forano
Ele era bem grande. Como eram grandes os adultos. Mas parecia ainda maior que os adultos com os quais Matheus estava acostumado a lidar. “Lembro-me de flashes. Ele parecia ser uma figura importante, eu não conseguia entender muito bem. Havia certa formalidade. Ele sempre estava de terno, como meus outros tios-avós e meu avô. Para mim tinha, ali, um choque de geração muito forte”, conta o sobrinho-neto que, aos 40, ajuda a resgatar e divulgar o gigantismo do tio-avô com quem pouco conviveu. “Quando ele morreu, eu tinha apenas 6 anos”, diz o arquiteto e artista plástico de Belo Horizonte, em passagem por Juiz de Fora, para celebrar os 115 anos do escritor considerado um dos maiores memorialistas do país, na noite desta quarta-feira, 27, no Museu de Arte Murilo Mendes. No segundo dia de exibição das memórias preservadas pelos Nava, Matheus apresenta fotografias, desenhos, objetos pessoais e uma entrevista na qual o autor de “Baú de ossos” revela-se, sobretudo, humano.
“Ele é um sujeito com uma capacidade incrível de absorver o mundo e escrever de forma a mostrar como somos desatentos. Ele é uma espécie de colírio que abre nosso globo ocular. Quando a gente entra em contato com Pedro Nava, com suas entrevistas, entendemos que se tratava de um sujeito muito bem dotado, com uma característica de observação muito apurada. Ele era um grande escritor, um grande desenhista, um grande músico, um grande arquiteto, um grande pintor e traduz isso nos livros”, elogia o sobrinho-neto, negando a tristeza com a qual o escritor ficou, por longos anos, associado. “Existe uma tendência a dizer que ele era depressivo porque se matou. É interessante isso? É. Pode tornar a obra mais interessante? Pode. Mas o foco não é esse. Quem for mais a fundo vai perceber que ele era irreverente, com os termos chulos que usa nos livros, dono de um lado jocoso e irônico. Ele tinha um conhecimento vastíssimo, e todos gostavam de ficar perto dele.”
Casa de silêncios
Nos cantos de casa, Matheus pouco ouviu sobre o tio-avô, gigante e ilustre que se transformou em silêncio quando apontou um revólver para a própria cabeça e puxou o gatilho, aos 80 anos. “Tudo o que sei é baseado em investigação. Nunca tive resposta imediata para nada”, diz. “Sempre enfrentei certa resistência, por ser o mais novo da família, o mais inexperiente e por não ter formação literária. Eu queria saber, mas tinha vergonha. E havia dois assuntos polêmicos: um era referente ao suicídio, o outro, uma suposta homossexualidade”, pontua Matheus, que sobre a orientação sexual do tio-avô foi conversar com os amigos Ziraldo e Zuenir Ventura, que muito debateram sobre o assunto e rejeitam a ideia. “Falo sobre isso no bate-papo”, comenta o belo-horizontino, que escolheu a cidade natal do escritor para estrear as comemorações acerca dos 115 anos de seu nascimento. Estreia que ele mesmo faz ao falar do parente que sempre lhe causou fascínio. “Tive uma primeira oportunidade ao fazer o trabalho do site. Propus juntar esse material da família, colocar na internet, para que todo mundo tivesse contato, mas teve pouca projeção. Eu morava fora do Brasil, e acabou não ficando da forma que eu queria. De lá para cá, ficou esquecido. Mas foi bom para que eu pudesse absorver tudo, estudar mais e propor algo novo. Meu foco é nos leitores de Pedro Nava e, principalmente, essa geração nova, leitores que estão chegando”, destaca ele, que reserva para 2019 a mega exposição com a memória do escritor “ViaNava”, que estreia no Centro Cultural Banco do Brasil de Belo Horizonte e espera passar por Rio de Janeiro e Juiz de Fora, cenários das obras de Nava.
Caixa de ossos
Quando Pedro Nava morreu, em 1984, enterrou consigo o desfecho para “Cera das almas”, sua obra póstuma, e também a de seu projeto literário. “Por ser uma morte inesperada, ficou uma lacuna muito grande. Quem vai mexer nas coisas do Nava? Ele deixou uma obra incompleta, que seria o desfecho da memorialística dele. Ninguém na família Nava teve coragem de dar continuidade a esse projeto. O sobrinho da esposa dele, então, o Paulo Penido, foi quem assumiu e saiu procurando editoras. Imprimiu alguns livros na Nova Fronteira e depois foi para a Companhia das Letras. Há dois anos ele morreu, e eu, por minha característica de arquivista, recebi esse material que estava com o Paulo”, afirma Matheus Nava, que agora abre publicamente a caixa. “É uma releitura que faço, com uma intenção artística. Estou mostrando um material inédito, que estava em posse da família”, explica.
Na caixa, um áudio com a voz do tio-avô retomou-lhe memórias pueris e também presenteou-lhe com outra face da gigante visita que irrompia, esporadicamente, em sua casa. “Quando tive contato com o áudio, gravado em 1983, numa visita dele à Faculdade de Letras da UFMG, percebi outro Pedro Nava. Ele não tinha papas na língua, e nos livros consegue colocar isso de forma bem clara, numa competência muito longe de ser vulgar. Alguém na plateia gravou essa conversa. Contratei um técnico para me ajudar a melhorar o áudio e colocar legenda, já que não dá para entender em alguns momentos. Também consegui recuperar algumas entrevistas, que reuni ao longo de 15 anos”, orgulha-se o sobrinho-neto.
Quando Paulo Penido, detentor dos direitos autorais de Pedro Nava, morreu, há dois anos, seus filhos e a esposa resolveram voltar com os direitos à família Nava. Atualmente, partilham a responsabilidade a mãe de Matheus e Joaquim Nava, médico carioca sobrinho do escritor, que recebeu a caixa hoje de posse do belo-horizontino. “Cheguei a processar o Paulo, porque Pedro Nava era um escritor que gostava muito de colagens e não dá para aceitar livros com uma capa lisa. Na minha opinião, deveriam ser preservados da forma como foram feitos e pensados”, comenta, referindo-se às recentes edições produzidas pela Companhia das Letras, cujo minimalismo das artes gráficas retoma as antigas pastas de arquivo produzidas nas cores pastéis de papel-cartão com nomes datilografados.
Família em extinção
Ao resgatar Pedro Nava, Matheus lança um generoso olhar sobre toda a família. Mais velho entre cinco irmãos, Pedro foi o que gozou de maior projeção, conta o sobrinho-neto, certo de que a genialidade estava em toda aquela geração. José, o segundo filho de José Pedro e Diva “era escritor também, mas não teve projeção, fez uma investigação sobre tatuagens, que chama ‘Expressões cicatriciais'”. Paulo, o terceiro, era o avô de Matheus, e cujo nome está em “Galo das trevas”, numa passagem na qual Pedro Nava fala sobre a criação do livro “Beira-mar”. Ana, a quarta filha e primeira mulher a nascer na família, era uma síntese dos Nava, como diz Matheus. “Era ela quem fornecia informações com muita riqueza de detalhes. Ela era a fonte que o ajudava a detalhar fatos e lugares nos livros”, destaca o sobrinho-neto. Já a mais nova, Maria Luiza, era a mãe de José Hyppólito. “Ele morreu num acidente estúpido, em 1969. Tudo havia sido depositado nele, que deixou vários desenhos. Todos tinham muita riqueza de detalhes. Ele fazia figuras humanas em desenhos rápidos. Produziu uma quantidade espantosa. Deixou um painel todo desenhado numa porta de armário”, recorda-se Matheus, pontuando que, atualmente, parte da família está na capital mineira, e outra porção, na capital fluminense. “É uma família de poucos reprodutores. Da minha geração, tem a minha irmã e mais dois primos, apenas”, lamenta, pontuando que na geração que segue a sua, estão apenas seus dois sobrinhos.
Pedro Nava, 115 ANOS
Nesta quarta, às 19h, no Museu de Arte Murilo Mendes (Rua Benjamin Constant 790 – Centro)