Tráfico representa mais da metade das denúncias feitas ao 181 em JF

Das 5.684 ligações feitas no ano passado para o serviço, mais de três mil foram relativas ao comércio de drogas. Para polícias, programa ajuda a agilizar resolução do crime, que, muitas vezes, desencadeia outros delitos, como roubos e homicídios


Por Marcos Araújo

27/06/2018 às 07h00- Atualizada 27/06/2018 às 07h27

Do total de 5.684 ligações oriundas de Juiz de Fora, em 2017, 3006 tiveram como objetivo denunciar o tráfico de drogas (Foto: Marcelo Ribeiro)

Há tempos inserida nas áreas de zona quente de criminalidade em Juiz de Fora, a Rua José Inácio de Trindade, no Bairro Ladeira, na Zona Leste da cidade, foi cenário de diversas ações policiais de combate ao tráfico de drogas. Atualmente, conforme a Polícia Civil, os moradores da via gozam de mais tranquilidade. Para o delegado titular da Delegacia Especializada Antidrogas, Rogério Woyame, o êxito no enfrentamento ao tráfico no local deve-se ao trabalho realizado pelas polícias que, em muitas situações, contaram com informações recebidas pelo Disque Denúncia Unificado (DDU) 181. Em dez anos, o programa que permite à população fazer denúncias de crimes de forma sigilosa recebeu 43.615 ligações de Juiz de Fora, colaborando para o enfrentamento da criminalidade pelas forças de segurança pública. Do total de 5.684 ligações oriundas do município, em 2017, 3006 tiveram como objetivo denunciar o tráfico de drogas, o que representa 52,90%. Os jogos de azar ficaram na segunda posição com 21,19% e os maus-tratos a animais em terceiro lugar com 5,09% (ver quadro).

Juiz de Fora é reflexo de todo o estado, que tem o narcotráfico como o delito mais denunciado. A explicação para tal circunstância é que a venda de drogas exige movimentação, que acaba ficando suspeita aos olhos do cidadão, que vê ameaçado o seu direito de ir e vir com segurança. “É aquela movimentação na esquina, que incomoda muito a vizinhança. Por meio do anonimato, uma prerrogativa do 181, a pessoa se sente incentivada a fazer a denúncia. Além disso, por meio do tráfico de drogas, diversos outros crimes acontecem. Assim, há uma grande preocupação do cidadão com esse crime, que o denuncia até como forma de evitar outros delitos”, ressalta o superintendente de Integração e Planejamento Operacional da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp), Leandro Henrique Almeida.

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Dados da Sesp colocam a cidade em terceiro lugar no ranking de ligações ao 181, ficando atrás de Belo Horizonte e Contagem e, sendo seguida, posteriormente, por Uberlândia e Betim. Desde a criação do serviço telefônico, os casos denunciados no município tiveram um salto, passando de 50 comunicações em 2007 para 5.684 no ano passado, quando completou uma década de funcionamento (ver quadro).

De acordo com Leandro, desde a inauguração, o disque-denúncia vem ganhando cada vez mais a confiança da população. “É um canal direto, e a melhor forma, hoje, de o cidadão participar ativamente de uma ação policial de forma resguardada. O programa funciona nos 853 municípios do estado, há dez anos, de forma ininterrupta e 24 horas por dia”, destaca o superintendente. Em todo o estado, são mais de dois milhões de chamadas, com mais de 1.500 inquéritos instaurados, 145 mil prisões efetuadas diretamente por meio das denúncias recebidas e apuradas, apreensão de mais de 16 mil armas de fogo e 196 mil munições ao longo dos dez anos. A Sesp não divulgou os números dos resultados referentes a Juiz de Fora.

“É notório que, ao longo do seu funcionamento, alcançamos números substanciais, que justificam a existência do programa. É perceptível o crescimento e a consolidação dele. Para nós, é a melhor ferramenta de participação social diretamente na segurança pública. Os números indicam que o programa tem contribuído cada vez mais com o enfrentamento ao tráfico de drogas, crime ambiental, jogos de azar, maus-tratos de animais, na questão do desarmamento. São diversas denúncias que fortalecem a consolidação do programa, e isso só acontece porque o cidadão acredita e tem ligado cada vez mais.”

Os resultados possibilitaram o pensamento de criação de uma plataforma mais moderna como canal de denúncias. Já está em estudos a implantação de um website. “O processo de criação dessa nova plataforma ainda está fase de andamento, e temos a perspectiva de, no final deste ano ou no primeiro semestre do ano que vem, lançar o atendimento virtual com as mesmas características de sigilo, de atendimento e resposta, promovendo a acessibilidade”, adianta Leandro.

Informações recebidas ampliam a atuação dos policiais

Na Delegacia Especializada Antidrogas, as comunicações recebidas via 181 completam o trabalho de investigação realizado pelos policiais. “Essas informações são importantes, pois, por meio de uma comunicação simples, permitem que cheguemos ao local e façamos a identificação de quem está traficando e onde está vendendo. Às vezes, só com isso, dá para fazer a prisão em flagrante ou, a partir daí, conseguir um mandado de prisão ou de busca e apreensão”, pontua o delegado Rogério Woyame. Ele explica que, em alguns casos, o denunciante não consegue dar conta de toda a situação. “Quando vamos ao local, não é exatamente o que a pessoa observou. Então, envolve um pouco mais de trabalho para entender como efetivamente ocorre o tráfico no local denunciado”, afirma.

Conforme Woyame, a denúncia contribuiu para identificar fatos antes desconhecidos pela investigação. Há casos em que a apuração está em andamento e uma denúncia chega para ampliar a atuação dos policiais. “Existem crimes em que a mesma pessoa recebe várias denúncias de envolvimento com o tráfico, sobre o local onde vende, onde fica a casa dela, assim monta-se um histórico acerca de determinado traficante. Um trabalho que duraria duas semanas em campo pode ser resolvido por meio de duas denúncias. Eu sempre fortaleço a ideia de que as pessoas devem colaborar, denunciando quando saibam de algo ilegal que esteja acontecendo perto dela”, enfatiza o delegado, lembrando que é possível comparecer à delegacia e fazer a denúncia com garantia de anonimato.

O policial observa que a população de determinada área têm mais facilidade para visualizar o narcotráfico acontecendo. “Sabemos que não há policiais para estar na cidade inteira e como a pessoa está no local todos os dias, ela consegue identificar que determinado indivíduo está ali diariamente, que faz algo errado. O modo como o tráfico atua facilita para que as pessoas que moram ao redor consigam observar a sua existência e, por isso, talvez seja o crime mais denunciado, sem falar que incomoda bastante”, avalia Woyame, acrescentando: “Estamos tentando em nossas operações chegar não somente às pessoas que vendem, mas as que fornecem e comandam o esquema. Prender apenas quem vende não surte efeito, pois, no outro dia, terá outra pessoa no lugar dele. Na Rua José Inácio Trindade, no Bairro Ladeira, por exemplo, conseguimos prender muitas pessoas que estavam envolvidas, assim como no Bairro Vista Alegre, onde conseguimos prender o dono da droga, o que era responsável por guardá-la e o rapaz que vendia. Então, tivemos êxito ali. No caso da José Inácio de Trindade, o local já tinha sido alvo de operações e, durante nossas investigações, denúncias foram importantes para a efetivação de prisões”.

No caso da via do Bairro Ladeira, o delegado destacou que sua equipe recebia informações sobre quem traficava durante o dia ou à noite. “Isso ajuda muito, porque, num dia de observação no local, por exemplo, essas pessoas não apareciam e, por meio dessa comunicação, conseguimos ligar alguns pontos. Mas como sabíamos que havia uma atuação no local, tivemos a oportunidade de voltar no outro dia e configurar o flagrante. Hoje a rua está mais tranquila, pois os principais autores que atuavam lá ainda estão presos. O movimento do tráfico, que era constante, acabou.” Woyame explica que não é possível para a Especializada determinar a quantidade de apreensões de drogas realizada por sua equipe somente por meio do DDU, pois, no dia a dia da unidade, não há separação entre as ações efetivadas.

Repressão qualificada da violência

Para a Polícia Militar, o Disque-Denúncia 181 colabora para que a corporação desempenhe uma repressão qualificada da violência. Segundo o assessor organizacional da 4ª Região da PM, major Jovanio Campos, esse tipo de trabalho acontece quando a PM atua, cirurgicamente, em determinado local, sem precisar fazer diversas abordagens, incidindo direto sobre a pessoa que é o alvo das informações. “Conseguimos uma intervenção pontual graças a essa colaboração da comunidade. Destaco que percebemos, ano após ano, o aumento das chamadas, o que mostra que as pessoas estão confiando mais no serviço realizado”, ressalta o major.

Ele lembra que o artigo 144 da Constituição Federal afirma que a segurança pública é dever do Estado e direito e responsabilidade de todos. “A carta não obriga os cidadãos a abordarem as pessoas nas ruas e correr atrás, mas, de certa forma, por meio do DDU, a sociedade pode participar e contribuir para a segurança pública.”

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Na visão dele, o tráfico de drogas é o crime mais denunciado, porque a comunidade consegue ver o fato acontecendo, tornando-se uma testemunha visual. No caso dos jogos de azar, que é o segundo crime mais denunciado na cidade, o major afirma que se deve ao fato da existência de grupos que controlam as máquinas caça-níqueis. “Muitas vezes, essas denúncias partem da disputa entre esses grupos. Outra situação referente a essa questão tem a ver com os próprios familiares de pessoas que estão viciadas nesses jogos, que acabam fazendo denúncias com a intenção de dar fim ao vício do parente”, explica o militar. “A máquina caça-níquel é o carro-chefe do jogo de azar, sendo mais denunciada do que o jogo do bicho. Para se ter uma ideia, Juiz de Fora, foi a cidade, entre 2011 e 2012, que mais apreendeu caça-níqueis no estado, chegando a mais de mil máquinas retiradas de circulação, muitas delas com ajuda de denúncias realizadas ao DDU.”

Como funciona o disque-denúncia

Quando a pessoa liga para o DDU, não precisa se identificar, mas ela recebe um código para que consiga acompanhar o desenrolar da investigação. No início da ligação, o denunciante recebe a informação de que o 181 é um serviço diferente dos que servem para uma chamada de emergência, como o 190. Posteriormente, a ligação vai para um atendente que passa ao denunciante sua senha. Em seguida, o cidadão pode fazer sua denúncia.

Existe um protocolo a ser seguido, no qual é solicitado endereço e ponto de referência do local da denúncia, além de outras informações pertinentes ao fato que está sendo comunicado. “Assim, a denúncia é inserida no sistema e, dentro de 90 dias, há a resposta da apuração. Muitas vezes, o denunciante acaba sabendo, mesmo pela mídia, que a sua denúncia teve resultado. Desta forma, o DDU tem esse potencial de mostrar ao cidadão que as forças de segurança agiram e que ele contribuiu para que o problema fosse solucionado, o que acaba fomentando uma rede de divulgação e denota uma sensação de satisfação”, ressalta o superintendente de Integração e Planejamento Operacional da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp), Leandro Henrique Almeida.

O DDU funciona como unidade integrada sob coordenação da Sesp, funcionando com a Polícia Militar, a Polícia Civil e o Corpo de Bombeiros. “Quando o fato está ocorrendo no momento e necessita de atendimento imediato, a ligação deve ser para o 190 (PM), o 193 (Corpo de Bombeiros) e o 197, que é um centro integrado de atendimento. Já a denúncia é aquela hipótese de que algo errado está acontecendo e tem o prazo de 90 dias para apuração.

Casos de violência sexual e abusos contra os Direitos Humanos não devem ser denunciados ao DDU, mas ao Disque 100, que trata desses temas. “Muitas vezes, recebemos denúncias que são condicionadas à representação da vítima. Essas devem ser encaminhadas ao Disque 100. Isso é importante para que as pessoas não confundam os canais e, assim, o 181 fica liberado para as comunicações que cabem a ele”, pontua Leandro.

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