Dia dos Namorados


Por Júlia Pessôa

10/06/2018 às 07h00

Passando pelo Centro com as vitrines todas abarrotadas de corações e a palavra AMOR escrita em letras garrafais, ela de repente teve um estalo, um tino, uma epifania: ela queria mais. Mais que mãos dadas. Mais que belas palavras ao pé do ouvido. Mais que noites frias de sono envolvida no conforto aquecido de um abraço. Mais do que essa baboseira que a cultura pop nos enfia goela abaixo por anos a fio, de que a gente precisa de um outro elo, uma metade, de que somos incompletos, a panela de uma tampa e outros descabimentos do tipo.

Enquanto experimentava botas pelas quais se apaixonou em uma das lojas soterradas por corações, continuava firme: queria mais. Queria mais doses da euforia juvenil de ficar feliz quando o display do telefone mostra a notificação com o nome que não lhe sai da cabeça. Para dizer a verdade, queria até o sutil desespero de esperar por respostas que parecem nunca chegar, até que a tela do celular lhe ilumine todo o rosto (não pela luz em si) com alguma amenidade, um sinal de fumaça, uma aparição desta entidade que habita seu pensamento, em alguma das tantas redes sociais que compartilham, como todo mundo.

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Comprou as botas e riu da contradição que é encontrar plenitude nesses amores incertos que nos cruzam a vida, e oscilam entre uma ansiedade corrosiva e uma felicidade quase pueril, mas de sorrisos capazes de enrugar todo o rosto.  Queria tempestade. Emoções imprevisíveis, noites insones, o clichê absoluto das borboletas no estômago- afinal, clichês não se tornam tal sem razão. Queria brincar de pique com as possibilidades. Ganhar, perder…jogar. E não importava que o pique estivesse ou não com ela, importava só fazer parte da brincadeira. Deste jogo em que cedo ou tarde se pega e/ou de deixa pegar, por vontade ou um conveniente descuido. Ela só não queria mais ser café-com-leite e cair nessa roubada imposta de tampa-de-panela-metade-da-laranja-etc.

“Sou completa”, pensou, logo emendando, “mas posso me transbordar para quem eu quiser.” Deu um sorrisinho quase imperceptível e saiu com as botas novas rumo ao encantamento e a liberdade do não saber. É que ela queria mais.

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