Cavar asfalto
Quando acordamos já não havia filas de carros nos postos de combustíveis. Também não havia frentistas entediados em frente às bombas de gasolina. Os motoboys não ziguezagueavam entre os automóveis – não o fariam nem se quisessem: faltavam tráfego, corredor, retrovisores.
Vimos uma charrete trotar o asfalto, anacrônica, o condutor estalando os lábios e sacudindo as rédeas.
– Vamos buscar Teresa! -, e acelerava o animal.
Um cavalo de potência.
Seguimos nosso caminho a pé pelas ruas esvaziadas de motores, homens de ternos escuros pedalando bicicletas coloridas, skatistas voando soberanos pelo pavimento, leves, super-humanos, invejados.
Chegara o dia da caça.
Fluxo de feriado, sentido cidade-campo.
Para a roça iam advogados, engenheiros, entregadores de jornal, bancários, padeiros, prostitutas, biólogos, pedreiros, cozinheiros, balconistas, bicheiros e nós, porque já não havia o que fazer aqui. O silêncio férreo das indústrias, a mudez dos escapamentos nos empurravam para fora.
Do centro para a margem.
Íamos atrás dos verdadeiros mestres, porque era preciso aprender com eles o que até então ninguém mais queria saber. Professores universitários, blogueirinhas, catedráticos, magistrados togados, hackers, todos todos em busca da ciência dos homens de mãos grossas e unhas pretas e pés cascudos.
Era a lei educar-se e então voltar, demolir edifícios e edificar plantações, currais e chiqueiros, galinheiros e silos, poços e ranários.
Reaprender a eletricidade. Então cavar o asfalto, remover o petróleo.
E voltar ao chão.