Quais lições a paralisação nos deixou?


Por Daniela Arbex

02/06/2018 às 09h20- Atualizada 03/06/2018 às 01h14

Os dez dias de paralisação do Brasil estão longe de chegar ao fim. Se por um lado a greve dos caminhoneiros foi encerrada na última quinta-feira, os efeitos dela ainda serão sentidos por longo tempo, afinal, somos nós que iremos pagar a conta do colapso na economia. Enquanto o diesel fica mais barato nas bombas, o país de pouca saúde e educação perderá ainda mais o que lhe resta. E não há dúvida que tiraremos importantes lições de um movimento que começou de maneira espontânea, mas se manteve a custa de ameaças, de medo e até de morte. O grupo que começou tudo isso não foi o mesmo que terminou. Quando a imprensa passou a ser expulsa das rodovias, em atitudes orquestradas por todo o país, e a radicalização tomou conta dos manifestantes, ficou claro que, politicamente, alguém estava no comando e queria levar vantagem em meio ao caos. Quanto pior, melhor, devem ter pensado. Precisou que o Exército, a Polícia Militar e a Polícia Rodoviária Federal agissem em conjunto para libertar centenas de caminhoneiros mantidos reféns nas estradas brasileiras.

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E em meio ao caos, o WhatsApp tornou-se o grande aliado das fake news. Entre as coisas que a greve dos caminhoneiros nos mostrou, uma das mais evidentes foi o poder desse aplicativo. Em um artigo interessante, o jornalista Rodrigo Ratier afirma o quanto é chocante notar a credulidade das pessoas em relação às mentiras plantadas e compartilhadas milhares de vezes nessa espécie de “condomínio fechado”. “Quando a informação é de má qualidade, as decisões também serão. Pessoas passam a agir com base no pânico, na paranoia, em perseguições, conspirações e outros tipos de sentimentos com pouco amparo na realidade. Tudo isso pode ser e vem sendo explorado por gente com interesses políticos e econômicos que lucram com o estado de permanente confusão”, analisou, lembrando que, em um passado recente, o grande temor era que os meios de comunicação pudessem, com suas sofisticadas estratégias discursivas, “manipular” as pessoas. “Saudades desses tempos ingênuos”, ele escreveu, acrescentando o quanto as pessoas estão desequipadas para checar o básico: a procedência de uma informação.

A greve dos caminhoneiros e por que não dizer, das transportadoras, também mostrou a fragilidade de um país que, nos últimos 50 anos, não investiu em nenhuma outra alternativa ao modal rodoviário para o transporte de cargas. Dados da revista Exame, conseguidos a partir do último levantamento da Empresa de Planejamento e Logística do governo federal (EPL), apontam que 65% da carga do país são transportadas por meio das rodovias e só 15% circulam por ferrovias. Outros 11% são transportados por cabotagem (quando um navio se desloca entre portos do mesmo país); 5% por hidrovias; 4% por dutovias; e só 0,2% por via aérea. “Não é de se espantar, portanto, que uma única categoria – a dos caminhoneiros -, tenha tamanha influência no funcionamento da dinâmica econômica do país”, comenta Luiz Vicente Figueira de Mello Filho, especialista em mobilidade urbana do Mackenzie Campinas.

Se a infraestrutura do país é insuficiente, o que dizer de uma classe política que, nas últimas décadas, nada fez para potencializar o Brasil? A greve dos caminhoneiros, disse o jornalista Leonardo Sakamoto, mostrou o quanto é fácil parar um país sem governo. O diploma de incapacidade não é só do MDB. Há décadas, a política brasileira é liderada pelos mesmos caciques. Partidos ideologicamente diferentes, mas que se assemelham no que existe de pior nos líderes políticos: a arte de enganar um povo.

Não adianta votarmos em novos nomes se continuarmos viciados na velha política.

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