Abastecimento deve demorar mais de um mês para voltar ao normal
Diante de prejuízos bilionários e uma população desabastecida após a greve dos caminhoneiros, prioridade deve ser dada para setor de alimentação e transporte
Os impactos econômicos da paralisação dos caminhoneiros, encerrada na última quarta-feira (30), devem se prolongar por um bom tempo. A expectativa do setor produtivo e de especialistas é de que a normalidade para o reabastecimento de combustíveis e alimentos demore entre 15 e 30 dias após o término da mobilização. O prazo pode chegar a dois meses no caso das carnes de aves e suínos, devido à grande taxa de mortalidade dos animais nos últimos dias, conforme informações da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA). Outro reflexo, com previsão de maior durabilidade, será a manutenção da fragilidade econômica, uma vez que houve queda no faturamento de toda a cadeia produtiva e perdas bilionárias. O desenho do cenário pós-paralisação aponta o problema histórico de logística do país, que direcionou maior parte do transporte apenas para o modal rodoviário, e também a ausência de uma política de preços coerente capaz de garantir estabilidade à população.
As perdas na economia mineira foram estimadas em R$ 6,6 bilhões pela Federação da Indústria do Estado de Minas Gerais (Fiemg), sendo R$ 1,35 bilhão somente no setor industrial. Em comunicado na última segunda-feira (28), a entidade pedia o fim da paralisação dos caminhoneiros, justificando que “sem condições de receber matéria-prima, produzir e transportar a produção, é impossível vender” e, consequentemente, pagar salários e fornecedores, o que poderia criar um “risco de insolvência generalizada na economia”.
De acordo com os especialistas ouvidos pela Tribuna, ainda não é possível quantificar as perdas econômicas em Juiz de Fora, mas os impactos serão severos. A cidade, que tem no comércio e nos serviços as principais atividades econômicas, ficou vazia nos últimos dias, com a paralisação de parte das atividades dos setores público e privado, e da dificuldade de mobilidade dos juiz-foranos e de moradores da região. “A situação já não estava fácil, mas piorou muito. Com exceção dos supermercados, nos demais segmentos, a movimentação de consumidores parou”, relatou o vice-presidente do Sindicato do Comércio (Sindicomércio-JF), entidade que representa ambos os setores, Nício Fortes Garcia. A queda no faturamento também traz reflexos para os funcionários, como explica o presidente do Sindicato dos Empregados no Comércio (SEC-JF), Silas Batista. “O maior problema para o trabalhador é ter o salário afetado, pois a baixa demanda implica na redução das comissões.”
O economista André Zuchi avalia que todos os setores foram impactados. “As propriedades rurais ficaram sem ração para os animais, e a produção leiteira teve dificuldades para o escoamento. Já a indústria deixou de receber matéria-prima. É um efeito cascata, como se fosse uma fileira de dominós em que o primeiro é derrubado. O Brasil todo vai sentir o reflexo da paralisação por algum tempo.” Ele destaca as perdas na área de transporte em Juiz de Fora. “Foi um setor que sentiu muito. Os ônibus circularam com a frota reduzida, e os táxis tiveram que parar por causa da falta de combustível. É um faturamento que não será resgatado, assim como, no caso das vendas que não foram feitas por comércio e serviços.” Para ele, no cenário pós-mobilização, a prioridade deve ser o reabastecimento de combustível e alimentos. “Sabemos que vai demorar, entre 15 e 30 dias, até que a oferta se normalize, por isso, seria importante começar garantindo a alimentação e a mobilidade.”
‘Reflexos são piores para o produtor’
Não só a área urbana, mas o campo também sofreu com a situação. Os produtores rurais da região perderam,pelo menos, 25% da receita do mês de maio, segundo estimativa da Embrapa Gado de Leite. “Estamos falando de um produto perecível que precisa ser transportado a cada dois dias da propriedade. O que vimos foi a perda da produção, sendo que a alimentação dos animais e as outras despesas foram mantidas”, diz o chefe-geral da unidade, Paulo do Carmo Martins. Ele acredita que os reflexos são piores para o produtor do que para a indústria. “É uma perda muito direta. A Zona da Mata produz 650 mil litros de leite por dia.” Ainda, assim, afirma que a situação é mais grave no que tange aos animais. A estimativa da ABPA é que o país tenha perdido 64 milhões de aves na última semana, devido à falta de espaço e ração. O prejuízo da cadeia frigorífica foi estimado em R$ 3 milhões.
O proprietário da empresa Rivelli, do setor de aves e leite, Márcio Rivelli, define os últimos dias como “um verdadeiro caos”. Nas propriedades localizadas em Barbacena e Carmo do Cajuru, ambas em Minas Gerais, contabilizou a perda de 150 mil animais e 30 mil litros de leite. “Falta produto químico para o tratamento de água, papelão para as embalagens e até ração. É uma situação muito delicada. Apoiamos o movimento dos caminhoneiros, mas os impactos são imensos.” Além de todo o Estado de Minas Gerais, a empresa atende cidades no Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo, e exporta para 20 países. “Com certeza, o mercado vai ficar desabastecido por um bom tempo. Após o fim da mobilização, teremos que esperar os animais crescerem para a produção se normalizar.”
Consumidor deve enfrentar oscilação de preços
No cenário pós-mobilização, ainda não é possível traçar o comportamento dos preços. Uma vez que o transporte pode baratear com a redução do valor do diesel, a regra correta seria que as mercadorias que vêm de fora da cidade, como alimentos e matéria-prima para a indústria, também tivessem os preços reduzidos, conforme explicam os especialistas. No entanto, o fator de aumento da demanda pode não contribuir para esta realidade. No caso das carnes de aves e suínos, que haverá uma maior demora para o reabastecimento completo, a expectativa é que os itens cheguem bem mais caros ao consumidor.
O preço da gasolina também tende a encarecer, apesar das medidas anunciadas pelo Governo para o diesel. “O custo da produção do diesel corresponde a 56% do valor do produto. Já 28% são de impostos, sendo o ICMS, que é destinado aos estados, e o Pis-Cofins, que é federal”, explica a economista Fernanda Finotti Perobelli.
“A retirada destas arrecadações num momento em que temos um déficit de R$ 160 bilhões, aos quais serão somados mais quase R$ 10 bilhões decorrentes da paralisação, antecipa que os estados e o Governo federal continuarão quebrados. É um voo de galinha, e estamos empurrando o problema para frente. A população vai pagar a conta com menos saúde, educação e previdência numa situação muito complicada.”
Neste sentido, ela destaca que a gasolina, que tem 34% do valor decorrente do custo de produção e 45% relativos a impostos, não entra nas medidas do Governo, e pode ser uma das alternativas para aumento da arrecadação. Na última sexta-feira (1º), quem conseguiu comprar o produto, pagou R$ 4,99 o litro.
Problemas estruturais de governança
Destacando que as reivindicações dos caminhoneiros são legítimas, os especialistas ouvidos pela Tribuna explicam que os impactos econômicos da mobilização se mostram tão agressivos por conta dos cenários político e econômico que foram criados no país. “Fica claro que temos um governo fraco, que não agiu na prevenção e deixou a crise chegar. Outro erro histórico é a estratégia de manter o transporte tão direcionado para as rodovias, prejudicando a possibilidade de alternativas”, analisa o economista André Zuchi.
A falta de uma política de preços que ofereça mais estabilidade à população é outra falha apontada pela economista Fernanda Finotti Perobelli. “O correto seria deixar os preços dos combustíveis flutuarem, mas com um mecanismo que fosse bem administrado, no caso a CIDE (Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico), para quando eles aumentarem demais lá fora não haver repasse automático para o consumidor”, afirma. “Nós tivemos mês em que o combustível foi reajustado cinco vezes, isto impede o planejamento dos setores produtivos.”
Para Fernanda, os últimos governos não adotaram uma política de preços coerente. “Até o Governo Lula, tivemos um respeito às leis de mercado. No Governo Dilma, nós tivemos um congelamento artificial dos preços. Enquanto o petróleo subia lá fora, aqui isto não ocorreu. O que o Governo Temer fez, em 2016, foi reverter esta medida e deixar os preços retornarem ao normal. Mas isto foi feito num momento em que a economia estava debilitada, o que criou todo este efeito.”
A especialista destaca que, por “economia debilitada”, entendem-se “todos os setores econômicos prejudicados, famílias endividadas, 12% de desemprego, e crescimento econômico de 1% impulsionado pela agricultura – o que mostra que as empresas não estão investindo, crescendo”. Ela explica que o Governo possui déficit de 10% do PIB, e a situação irá demorar a se restabelecer. “Todos os setores ainda estão sofrendo os impactos da crise, e isso demora muito para ser revisto, não é de um dia para o outro. As medidas exigidas pelos caminhoneiros são apenas paliativos, não irão resolver o problema.”