Juiz-foranos tentam driblar falta de gás de cozinha
Com crise no abastecimento, população recorre a eletrodomésticos, churrasqueiras e fogões a lenha; distribuidoras não têm previsão de restabelecimento do estoque
Desde a última semana, como vem acontecendo em outras cidades, Juiz de Fora vem sofrendo impactos de abastecimento em diversos setores por causa da greve que completa dez dias nesta quarta (30). A falta de gás de cozinha é um dos efeitos que tem afetado claramente o dia a dia dos estabelecimentos comerciais e da população em geral. Na casa da empregada doméstica Rafaela de Oliveira, em que o botijão está completamente vazio, cozinhar tem sido um desafio. “Acabou na sexta-feira (25), e ligo para as distribuidoras desde então. Nunca tem e, nas poucas vezes que achei, estava muito caro, mais de R$ 100”, relata ela, que deixou seus dois filhos, uma menina de 11 anos e 8, na casa do ex-marido, que ainda tem gás. “Assim garanti que eles não passariam dificuldades de alimentação. Aqui em casa, eu e meu marido estamos nos virando com uma churrasqueira, comprei carvão e usamos umas madeirinhas e dá para improvisar pouca coisa: um arroz, um macarrão, não é muita coisa, mas não ficamos sem refeição alguma até agora”, diz ela, moradora do Ipiranga.
A arquiteta Mariana Rebelatto, que vive com o companheiro e mais três crianças em casa, também buscou alternativas ao fogão. Como mora em uma granja na BR-040, na altura do Salvaterra, e dispõe de espaço, eles construíram um fogão a lenha improvisado no quintal. “O gás não zerou ainda, mas está quase. Somos uma família com dois adultos e três crianças, não podemos deixar acabar sem ter outra solução para alimentar nossos filhos. Eu e meu companheiro somos arquitetos e adoramos criar soluções para esses tipos de problemas, não só o gás, mas energia, alimentos e tal. Já estávamos planejando nosso fogão a lenha há algum tempo, inclusive já finalizamos o projeto, mas ainda não tivemos tempo de executá-lo. Então improvisamos um fogão com blocos de concreto. Já está quase saindo o feijão”, disse ela, entrevistada próximo à hora do almoço (ver vídeo). “Confesso que essa crise nos estimulou bastante em deixar nossa casa ainda mais sustentável. Somos dependentes demais do petróleo e seus derivados”, reflete ela.
Na casa da jornalista Cláudia Nunes, o gás, que “está quase no fim”, tem sido usado só para o essencial. “Só fiz arroz e feijão. Desde sexta-feira (25), venho economizando porque, pelo meu planejamento, eu teria que comprar um novo botijão essa semana. Então estou me virando no resto como posso: usando forninho elétrico, air fryer, cafeteira. E o pior é que meu micro-ondas está estragado, senão podia ser mais uma alternativa”, diz ela, que mora no Bom Pastor. Já a bióloga Pilar Conzendey cogita a possibilidade de ir para a casa de amigos caso não consiga comprar um botijão em breve. “Há a chance de conseguir um emprestado, mas moro com mais três pessoas, que já saíram para a casa de amigos, porque aqui estamos totalmente sem gás. Tentei usar a air fryer, que deu certo para algumas coisas, mas para outras não. E um agravante é que, em fim de mês, não dá para comer fora direto. Vou me virando como posso, comendo lanche que é mais fácil e, enquanto ainda tiver dinheiro, comendo fora, mas está complicado. Pior: ligo para as distribuidoras e ninguém atende.”
Segundo a presidente da Abrasel, Carla Pires, a maioria dos estabelecimentos que está de portas fechadas está economizando o que ainda há de gás. “No feriado, o movimento costuma ser muito maior, então os restaurantes têm preferido estar preparados. Há sim, relatos de comerciantes que estão zerados, e outros, como eu, que estão usando recursos alternativos sempre que possível, como forno elétrico e churrasqueira.
Restabelecimento nas distribuidoras é lento
Das 20 distribuidoras que a Tribuna fez contato até o fechamento desta matéria, na maioria, não houve quem atendesse as ligações. Em uma delas, a funcionária, que preferiu não se identificar, informou que “o estoque acabou e não há previsão de reposição, e as pessoas estão ligando direto para saber”. Numa distribuidora situada no São Mateus, com a qual conseguimos fazer contato, o proprietário Marcus Amaral relatou situação semelhante: sem abastecimento. “A previsão é que ainda esta semana estejamos reabastecidos, mas não nos deram uma data. Não recebemos orientações sobre preços, mas, se meu distribuidor não aumentar, meu botijão segue com o valor que estava antes da greve, R$ 74. Se essa situação durar muito mais tempo, fico com medo de as pessoas ficarem agressivas, alguns já quiseram entrar para ver meu estoque ao acharem que eu estava mentindo quando disse que não tinha gás”, preocupa-se o empresário.
Na última terça (28) o prefeito Antônio Almas assinou decreto de situação de emergência em Juiz de Fora que, ao respeito do fornecimento de gás de cozinha, permite a aquisição de um botijão por residência. Em caso de não cumprimento, o decreto prevê o enquadramento do consumidor na infração contra a ordem econômica, que deverá ser apurada pelo Procon. De acordo com o superintendente do Procon, Eduardo Schroder, o órgão tem feito vistorias a denúncias de preços abusivos e de descumprimento da determinação de uma unidade por cliente. “Estamos mandando equipes para apurar todas as denúncias, mas ainda não encontramos preço abusivo, até porque ainda não há gás na cidade.E a fiscalização da limitação de um botijão é feita facilmente com a emissão de nota fiscal, com endereço e dados do cliente”, afirma ele. “Mas o mais importante é que o consumidor seja seu próprio fiscal neste momento. A limitação da compra é para aplacar o desabastecimento, é um ato de civilidade. Esperamos bom senso do consumidor para comprar apenas o que realmente precisa e pense num sentido de comunidade”, alerta o superintendente.