Mônica Prado, Mandakini ‘in natura’

A paz interior (e exterior) que Mandakini, testemunha da história da ioga em Juiz de Fora, encontrou ao escolher o verde da cidade


Por Mauro Morais

20/05/2018 às 07h00

Mônica Prado encontrou a si mesma e a própria escola, que completa 20 anos em 2019, ao se mudar para o Bairro Graminha: “Agora me considero muito mais próxima de uma professora de ioga” (Foto: Fernando Priamo)

O galo estica o pescoço e com a cabeça para o alto canta. A água escorre da mina e deságua no lago que recebe quem cruza o portão. O tucano pousa num galho de um dos 72 pés de frutas. Eugenia, a fruta, cresce vermelha. As galinhas cruzam o gramado ciscando e protegendo a casa das aranhas e cobras que nascem e morrem num verde que parece não ter fim. Siriemas saltam a cerca de arame e bailam no pasto. Como as garças que, em grupo, dançam num céu azul de fazer os olhos fecharem. Lá no fundo, noutros campos, vacas malhadas pastam. Callie, a cadela da raça Cane Corso, e o vira-lata Ziggy Marley correm, rolam e brincam. Quando se cansam, deitam na soleira da casa, diante de um pinhão frondoso, do mamoeiro cheio de frutos ainda verdes, como são verdes os pequenos tomates que insistiram em brotar onde seria uma vaga de garagem. Próximo ao açaí e aos ipês amarelos um arbusto de dama-da-noite exibe as pequeninas flores de um perfume gigantesco. O vento é como uma abraço. As estrelas, conta Mônica Sólia Prado Rocha, acalentam qualquer sono. O silêncio é vivo e nunca mudo.

“Aqui é o cúmulo da simplicidade e da beleza. Sou muito feliz aqui”, comenta a mulher que há cinco anos escolheu tornar gesto o que já era discurso. “Acordo em agradecimento. Todos os dias são lindos. Reconheço milhões de sons de pássaros. Não pego carro para trabalhar. Só saio para malhar e, ocasionalmente, comer fora. Tenho outro ritmo. Agora me considero muito mais próxima de uma professora de ioga, capaz de ajudar. Percebo, de fora, como as pessoas estão vivendo mal, desde a água impura que elas consomem, até o estresse de todo dia. Fisicamente todo mundo está ruim, e a cabeça também, há muito confusão mental. Domenico Di Masi (professor e sociólogo italiano) escreveu, em 2000, ‘O ócio criativo’, dizendo que a definição de riqueza era ter aquilo que ninguém ou poucos têm. E previu que em 2015 seria rico quem tivesse silêncio. Olho ao meu redor e só vejo riqueza”, emociona-se.

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Aos 49, quase duas décadas deles dedicados à divulgação da ioga em Juiz de Fora, Mandakini Dasi, seu nome espiritual, trocou sua Escola de Yoga Ananda Chandra, que mantinha no Calçadão da Halfeld, por uma casa no Graminha, onde as montanhas parecem se reproduzir indefinidamente, do verde ao azul do firmamento. “Na época em que comecei, havia quatro professoras famosas, mais velhas, que davam aulas em casa. Foi uma inovação ter uma escola de ioga no Centro. Fiz isso porque a ioga era tão pouco conhecida, então, para eu poder viver de ioga tinha que estar num lugar que houvesse fluxo de pessoas. Logo depois me casei e comprei esse terreno. Mas levei 13 anos me dedicando à escola, com o lote parado. Precisei aprender administração para gerir a escola. Abri um bistrô natural, porque sempre fui ligada à alimentação natural, e vendia produtos que tinha que repor estoque e controlar. Na escola tinha as aulas de ioga, cursos e massagens. Era muita coisa dentro de uma só. Quando virou empresa mesmo, foi um estresse. Depois de 15 anos, eu não aguentava mais. Fui fechando, desfocando de lá e focando aqui”, recorda-se ela, que desenvolve a iogaterapia, em aulas coletivas e individuais, nas quais ensina a prática e a filosofia da ioga. “É preciso mudar os paradigmas para mudar as ações.”

Mônica Prado viveu em diferentes templos desde que descobriu a filosofia aiurveda em Paraty. (Foto: Fernando Priamo)

Toda preservação

Ao chegar para a disciplina “Industrialização de alimentos”, na escola agrícola de Barbacena, Mônica conheceu o cruzamento do susto com a ojeriza. “Quando cheguei para a aula, que era numa casinha, vi que os alunos, do lado de fora, recebiam uma faca e um coelhinho branco de olhinho vermelho. Olhei para dentro da casinha, e ela estava cheia de ganchos e respingos de sangue nos azulejos brancos. Pedi um minuto e fui falar com o diretor. Cheguei furiosa e falei: ‘Olha, a partir desse momento, não vou fazer essa matéria, vou passar de ano e me comprometo a não comer mais carne.’ Ele respondeu: ‘Que ótimo! Pode se juntar à galera dos vegetarianos, que não comem e não matam’. Quando cheguei ao refeitório, todos já sabiam e me esperaram vibrando. Tive muito incentivo para continuar vegetariana”, lembra ela, que se formou técnica agropecuária sem ter matado os coelhos e as galinhas do primeiro ano, nem os carneiros e porcos do segundo, nem o boi do terceiro e último ciclo. Com o diploma nas mãos, pegou a estrada com destino a Paraty. “Lá havia uma lojinha que vendia produtos naturais. Eles faziam um biscoito que, quando comi pela primeira vez, senti um sabor que nunca havia sentido na vida. Era a coisa mais gostosa do mundo. Sabe o que era? Ghee! Foi transformador aquele sabor. Desde então só uso ghee. Nessa lojinha, um dia tinha uma pessoa tocando harmônio e cantando. Eu ficava comendo os biscoitinhos bem devagar só para ouvir. Quando tomei coragem e subi a escada, ele me chamou. Daí em diante, ele começou a me contar toda a filosofia que até hoje eu sigo”, conta. Era o aiurveda, a “ciência de vida”. “Chegou um ‘mara raje’, um ‘swami’, uma pessoa que fez um voto de castidade para se dedicar somente à vida monástica e de Deus, com uma banda de reggae-mantra. Ele chegou a Paraty num microônibus todo carimbado. Quando o ouvi tocando, falei: ‘É com ele que eu vou!’. Dali fomos direto para a Eco-92 e fui morar no templo do Rio de Janeiro. Tudo começou em Paraty, depois fui para o Rio de Janeiro, em seguida para Teresópolis (onde ainda tem um templo), mais tarde, Goiânia e, por fim, Brasília. Nos templos, eu era treinada e fazia ioga. Naquela época, havia muito preconceito com a hatha ioga, que é a ioga do corpo, e muitos consideravam desprezível. Eu tinha que fazer escondida. Dentro dos templos, eu era estranha por isso. A prática comum era a bacti-ioga, a ioga do amor”, diz ela, que, ao regressar para Juiz de Fora, trouxe no ventre sua Ananda Chandra.

Toda felicidade

Ananda é uma qualidade da alma. E a alma é “atman”, átomo, explica Mônica. “Os sábios, há oito mil anos, descreveram que nossa alma é mil vezes menor do que a ponta de um fio de cabelo. É atômica, não é?! As qualidades dela são: eternidade, sabedoria e felicidade. Somos isso. O que está fora disso é que é temporário e ilusório. Ananda significa felicidade, bem-aventurança”, afirma Mandakini, cujo mestre tinha no nome Chandra, que representa lua. “O nome espiritual te ajuda a lembrar que você é um espírito”, pontua ela, treinada monja, quando aprendeu o sânscrito. Nascida em Itajubá, Mônica mudou-se aos 10 anos para Juiz de Fora, com a mãe e os irmãos. Ali começou a aprender sobre as mutações que a vida, camaleoa que é, oferta dia após dia. “Minha mãe estudava, trabalhava e cuidava dos filhos. Ela me entendia. Meu pai era um alto executivo, diretor do ‘Jornal do Brasil’, andava de chofer com segurança. Fiz uma escolha diferente. E trabalhei a renúncia, a simplicidade, para me fortalecer”, comenta ela, que decidiu fazer da criação da filha Ananda Chandra um exercício pleno das verdades que carregava desde Paraty. “Quis muito educá-la nesses princípios. E não foi fácil. Eu acompanhava televisão, nunca comprei um pacote de biscoito recheado para ela, nem refrigerante. Ela tomava quando ia à casa de alguém ou à casa da avó. Eu nunca dei. Quando pedia um suco de caixinha, lia para ela os ingredientes. No meio da leitura, ela desistia. Fui muito criteriosa e exigente. Travei uma guerra contra os valores do mundo. E hoje ela me agradece. Ela diz: ‘Mãe, te agradeço, porque todos os meus amigos queriam ser vegetarianos, mas não conseguem'”, orgulha-se a mãe da menina, que, aos 21 anos, se prepara para cursar a Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), além de dar aulas na escola da mãe, para a qual dá seu nome.

Com vista para a natureza: no lugar onde mora, no Graminha, Mônica construiu uma sala para aulas de ioga e uma sala de massagens. (Foto: Fernando Priamo)

Toda consciência

Há quase duas décadas, quando abriu sua escola na cidade, Mônica recebeu para a aula inaugural o professor Hermógenes, doutor em iogaterapia e pioneiro da medicina holística no país, falecido em 2015. Ao lado de um mestre, ela projetava um espelho. E seguiu formando outros profissionais. “Sou uma das pioneiras no Brasil”, orgulha-se a profissional, que, nos 15 anos em que esteve no terceiro andar da Galeria Pio X, trabalhou com muitos de seus alunos, que se fizeram professores após suas aulas. Experiência sintetizada no livro que escreveu há três anos, sobre a filosofia da ioga e que espera editar com o incentivo da Lei Murilo Mendes. A trajetória a encorajou a abrir uma segunda escola em outro paraíso natural, Ibitipoca, onde também atende em aulas particulares. “O resultado é próximo do de um milagre”, defende, certa de que a prática não prescinde da consciência. “Recentemente fui dar aula num hotel. Geralmente em aulas assim, os alunos têm o primeiro contato. Pedi um exercício simples e, enquanto olhava para uns, uma senhora bem acima do peso, fazia uma posição invertida, encostada na parede e toda torta. Quando vi, levei um susto. Qual a necessidade de ela fazer isso, com todo o peso sobre sete mínimas vértebras? Era um risco que ela corria, que não a levaria a lugar algum. É bom a ioga se popularizar? Depende do estilo e do professor. O que acontece hoje é que os professores estão muito ansiosos, agitados, correndo para ganhar dinheiro”, lamenta, citando o pouco valor dado a esses profissionais, o que acaba por excluir o equilíbrio indispensável, que encontrou em estado puro diante do verde que se põe ao alcance das próprias mãos.

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