Racismo velado
Em pleno 13 de maio, embora possa parecer clichê, ainda é preciso falar de racismo no Brasil…
Quando se pensa em racismo, vêm a mente injúrias, ofensas verbais, agressões, cyber racismo (racismo no ambiente virtual), ou outros gestos e atos pejorativos motivados pela discriminação em função da cor da pele. Entretanto, há muitas atitudes implícitas que caracterizam um tipo de discriminação tão cruel quanto a outra modalidade. É o racismo moderno: o racismo velado, com outra roupagem, mas não menos importante!
A questão é que a maioria das vítimas do tal racismo velado não o percebe, porque ele é travestido de “brincadeira”, ou porque já é uma “rotina” com a qual a sociedade já se acostumou. Ou, talvez, mesmo que a vítima perceba, ela acaba por desistir de fazer a denúncia, já que é mais difícil comprovar a materialidade (existência de elementos físicos para caracterizar o delito). São tantas as entrelinhas, que diversas pesquisas nas áreas de: antropologia, sociologia, genética, neurologia, psicologia, história e afins apontam a questão racial como discursiva, não como biológica, isto é, o preconceito é um fenômeno social que aprendemos ao longo da vida.
Outrossim, alguns estudos em Ciências Sociais trazem, entre outras teorias, a chamada hierarquia racial, onde o homem caucasiano ocuparia o topo da pirâmide, seguido pela mulher branca; já os negros ocupariam uma posição inferior na divisão, onde a mulher negra ficaria ainda abaixo do homem afrodescendente. É triste constatar, mas a prática reflete essas teorias! Basta olhar para o Brasil, onde cerca de 54% da população se considera preta ou parda, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e, mesmo assim, há racismo…
E a bandeira da igualdade racial, por mais que seja levantada, ainda vai trabalhar muito para edificar uma sociedade em que atitudes racistas sejam somente lembranças de um tempo ruim e maus exemplos do que não seguir. Enquanto isso as pessoas negras, pardas e afins seguem vivenciando episódios absurdos no seu dia a dia; atitudes aparentemente inofensivas, mas que ferem a alma! Ah, quão sublime seria se todos nós refletíssemos e nos colocássemos do lugar do outro ao menos uma vez na vida!
Seria confortável, por exemplo, ver a pessoa (branca) que chegou depois de você na loja ser atendida primeiro (e sem ser preferencial)? Seria justo questões de pele influenciarem no grau de dificuldade de se obter credibilidade e colocação no mercado de trabalho? Teria o negro menos acesso a determinadas carreiras, principalmente as que lidam diretamente com a imagem? Ou se é bem-sucedido, “deve ter burlado alguma norma”.Como você se sentiria se caminhasse “monitorado” pela segurança privada dentro do supermercado? Por quantas vezes já foi indagada se “você é a mãe da criança” quando se é mãe negra de filho branco? Encararia como brincadeirinha um “você tem sorte de não ser muito preto”? Já ouviu um “você é bonito para um (a) negro (a)”? Alguma vez sofreu com apelidos pejorativos no ambiente de trabalho? Se achas que não pode piorar, aí vai: existe o tipo que pode ser considerado, o pior de todos: o racismo do negro contra o negro. Este sim é de doer, mas, diferentemente do outro ditado, não tem “cem anos de perdão!”
Tudo isso porque o negro foi liberto da escravatura, passou por uma política oculta de embranquecimento e outros subjugos, mas ainda se mantém preso a outras amarras – as culturais e as sociais. A maior delas é a estigmatização. De acordo com a pesquisadora Alba Zaluar (1994), essa estigmatização faz, inclusive, com que o negro povoe as prisões brasileiras. Ou do outro lado, sendo, estatisticamente mais vitimizado pela violência, mais acometido pelo desemprego e pela falta de representatividade!
Diante de todos os aspectos históricos, sociais, culturais, econômicos, políticos, etc. que envolvem a questão do subjugo racial no Brasil, pode-se dizer que abolir essa chaga da nossa realidade é um trabalho de gerações, que engloba, sobretudo, a conscientização e a ação popular em prol da construção cidadã. Eduquemos nossas crianças numa base familiar de respeito às diferenças (seja qual for)! Que a escola possa ampliar os debates acerca do que consiste ser um negro num país racista e de como ser ativo(a) no seu meio social! Que a sociedade faça o seu papel na engenharia da evolução e trate essas questões transversais com mais seriedade. E que não sejamos manipulados por padrões insanos de beleza! Que os representantes do poder público eleitos pela nossa própria força popular adotem políticas universais de atenção à questão racial e a outras embutidas nela, a exemplo do feminismo negro! Que sejamos um Estado Democrático de Direito com vistas ao bem-estar do povo sob diversos ângulos, para além dos muros da vaidade, do poder, do preconceito, da alienação e da eterna luta de classes!
Em resumo: seja velado ou não, denuncie! Racismo é crime!