O que os filhos pensam de suas mães
Tribuna convida filhos para traçarem perfil de suas mães e contarem como é tê-las a seu lado em diversos momentos de suas vidas
Empoderada e antenada
Se existe uma pergunta que todo filho único já cansou de ouvir é: “você sente falta de ter irmãos?”. Para a consultora em comunicação, Flávia Cadinelli, a resposta está na ponta da língua há muito tempo. “Não sinto falta porque eu não tenho apenas pais, eu tenho grandes amigos! Minha mãe é minha grande companheira, temos exatamente 30 anos de diferença, ou seja, 30 anos de uma amizade repleta de respeito às nossas personalidades, muito afeto, diversão, carinho, preocupação com o bem-estar uma da outra”. Definir Fátima, sua mãe, em uma só palavra é uma tarefa complicada para a consultora, mas diante de tudo aquilo que ambas já viveram juntas, não existem palavras mais adequadas do que “empoderada” e “empreendedora”.
“Minha mãe se dedicou intensamente a seu crescimento profissional, chegando a um cargo admirável dentro da sua carreira como bancária, saindo da sua zona de conforto. Dos meus 10 aos 17 anos, principalmente, convivi muito com meu pai, que comprou a ideia do desenvolvimento profissional dela, apoiando cada etapa e assumindo casa e tarefas do dia a dia a meu lado. Nos víamos mais aos fins de semana, e ela fazia questão de passarmos momentos só nós duas, compartilhando aquela fase adolescente tão importante. Há um tempo, eu disse para ela que nunca se culpasse por ter investido fielmente na carreira, afinal vivemos em uma sociedade em que a mulher geralmente carrega uma culpa por ter o desejo de ser mãe e também uma profissional de sucesso, pois ela foi e é grande exemplo de empreendedora para mim, que admiro muito essa junção de mulher forte, em cargo de liderança, com a sensibilidade de mãe e esposa que ela tem com tanta naturalidade”, derrete-se.
Flávia não expressa esse orgulho apenas em palavras, mas em atitudes que toma em seu dia a dia. Hoje, com a maturidade, ela consegue ver o que aprendeu com a mãe dentro de si própria. “Minha mãe é uma mulher guerreira, determinada, sensata, intensa, mas ao mesmo tempo amorosa, sensível e alto astral. Me vejo muito nela nesses pontos, nesses valores que ela me mostrou na prática. Hoje ela é aposentada, aliás, a aposentada mais atarefada que conheço: faz atividade física regularmente, cuida da minha avó com muita dedicação, organiza vários eventos entre as amigas e ex-colegas de banco, faz trabalhos manuais, viaja com meu pai, faz todo administrativo-financeiro da casa, me dá todo o suporte quando preciso – seja na minha empresa ou pessoalmente -, se cuida esteticamente, faz trabalho voluntário e cria várias coisas novas. É, eu acho que eu me pareço mesmo com ela!”, brinca.
Há cinco anos morando sozinha, Flávia descobriu uma nova faceta de Fátima: a paixão pela internet. “Por ela ser superdigital, nossos áudios, mensagens e fotos no Whatsapp amenizam bastante os momentos que não estamos presencialmente juntas. Ela faz questão de aprender todas as novidades tecnológicas, ficar por dentro das séries do momento, de lugares novos para conhecer. É do tipo que não se pergunta duas vezes se quer viajar ou viver uma experiência nova, ela topa! Tem até mais pique do que eu para explorar e curtir a vida. E mesmo com esse lado sagitariano aflorado, é o melhor colo do mundo. Abraça, chora junto, faz cafuné, adora declarações de amor. Se ficamos um tempo sem nossos momentos mãe-filha, logo sentimos falta, seja um filminho juntas ou um café na rua”, revela a filha, muito orgulhosa.
Determinação e inspiração
A maternidade para algumas mulheres pode vir em dose dupla. Ou, no caso da consultora e coach de imagem e professora de moda, Ana Paula Calixto, a experiência veio em dose tripla, como foi o nascimento dos trigêmeos Felipe, Gabriel e Ana Elisa, há 18 anos. “Quando a gente era pequeno, muitos falavam com ela assim: ‘nossa, três filhos de uma vez, eu com um só já é difícil’, e ela respondia: ‘uai, gente, faz parte do pacote, não é mais ou menos trabalho’. Ela nunca fraquejou, nunca reclamou, e olha que a gente não era fácil. É isso que eu mais admiro nela: sua determinação. Ela está sempre evoluindo e nos inspirando a ser sempre melhores’, ressalta a futura aluna de Medicina, Ana Elisa. Determinação e inspiração são palavras que saem com facilidade da boca dos irmãos e são, praticamente, sinônimos ao nome da mãe.
“Nossa mãe sempre foi muito determinada. Sempre traçou um objetivo em tudo que ela fez, e isso nos inspira a chegar a algum lugar. Me lembro dela fazendo mestrado e estudando mais do que a gente. Cansei de vê-la na sala lendo, fazendo a coluna dela até tarde, e em alguns momentos até dando um cochilo e se negando a ir para a cama”, conta Felipe, estudante de Arquitetura e Urbanismo.
Muitos podem pensar que ao dividir a mesma mãe, principalmente quando todos os filhos são da mesma idade, pode acabar faltando atenção para um deles. Mas os trigêmeos refutam essa expectativa.”Ela é uma mãe para cada um, mas é a mesma mãe para todos nós. Sempre soube dosar a atenção com a gente, estar presente em momentos particulares. Nós nunca nos sentimos desfalcados, mesmo diante da vida cheia de atividades que ela tem e também das ausências”, ressaltam.
Ana Paula está entre os principais nomes da moda juiz-forana. Ela também é graduada em Psicologia, uma profissão que não chegou a exercer com pacientes, mas com os filhos, sim. E foram eles mesmos quem confidenciou essa informação. Aos 18 anos, eles enxergam muito da Ana Paula psicóloga, principalmente na criação e na formação deles, incentivando-os a se dedicarem àquilo que gostam, a serem eles mesmos, com personalidade e amor próprio. “Ela sempre prezou pela nossa individualidade, para que cada um de nós tivesse seus gostos pessoais e grupo de amigos. Tudo aqui em casa foi na base da confiança. Toda vez que eu a vejo trabalhando, fazendo o que precisa e mais um pouco, eu me sinto inspirado e, ao mesmo tempo, isso me dá gás para fazer igual e traçar as minhas metas”, conta Felipe, estudante de Ciências Exatas.
No caso de Ana Elisa, que sempre esteve com a mãe em eventos de moda, sobretudo no Fashion Days, a cobrança externa para seguir o mesmo caminho sempre foi presente. No entanto, ao escolher seguir a área da saúde, Ana Paula foi a primeira a incentivá-la. “Ela nunca quis influenciar nas nossas escolhas. Todo mundo achou que eu fosse seguir o caminho da moda por conta dela, mas ao optar pela medicina, ela me apoiou 100%. É ela quem me bota pra frente, que torce por mim.” Os trigêmeos garantem que a mãe deles é a mesma que a gente conhece. “Ela não tem um lado B. Tudo o que ela faz, e demonstra ser, é a nossa mãe. Ser transparente e verdadeira, ter segurança daquilo que você é, tudo isso nos motiva a ser como ela”, comentam os irmãos, emocionados.
Um encontro de almas
No Dia das Mães do ano passado, a Tribuna publicou a história da supervisora Simone Habel Motta, que encarava a missão de mãe com o nascimento do pequeno Antônio, diagnosticado com Síndrome de Down. Agora Simone conta sobre uma figura importante nesta caminhada: Vera Lúcia, sua mãe. “Nós não temos uma relação de maternidade, temos um encontro de almas! Essa é a melhor definição minha para ela. Nossa ligação é muito forte, além de sermos muito parecidas e termos a mesma personalidade. É uma relação de entrega e partilha”, ressalta.
Caçula de três irmãos, a supervisora revela que, ao se tornar mãe, enxergou muitas das características de Lúcia, como a chama carinhosamente. “Ela cuidou de nós com todo afeto e carinho, mesmo diante das dificuldades. Nos repassou todos os valores éticos, morais e religiosos. De repente, eu cresci, e a vida me deu oportunidade de retribuir tudo o que ela havia feito por nós. Minha mãe sempre teve muitos problemas saúde, principalmente no coração. Quando eu estava na faculdade, ela passou por uma série de internações, e quando fui defender minha monografia, foi uma emoção só, pois todos sabiam o que eu tinha passado. Depois, em 2013, surgiu o câncer, que por uma ironia do destino, fui eu quem descobri, quando ela reclamou que havia alguma coisa no seio dela. A partir disso, busquei os médicos e a acompanhei nos exames, até chegar ao diagnóstico”, relembra Simone.
Dar a notícia à mãe foi uma tarefa dolorosa, pois faltaram as palavras. “Nós somos muito brincalhonas, e eu sempre tenho resposta pra tudo, mas quando minha mãe chora, aí isso mexe comigo, eu travo. Eu não conseguia consolá-la, então, disse para a gente fazer um lanche. Ela chorava, e eu olhava para ela e falava que ia ficar tudo bem.” Assim o tratamento começou, com as sessões de quimioterapia e radioterapia. Quando melhorou – está em fase de controle – Simone achou que o pior tinha passado, mas não. Após a gravidez, que deixou a família muito feliz, outro acontecimento veio para unir ainda mais as duas: os problemas de saúde de Antônio e de Simone. “Com todos esses problemas de saúde e dificuldades, minha mãe tirou forças não sei de onde para me carregar, segurar as minhas dores. Eu me entreguei totalmente, e ela não. Várias vezes vi minha mãe segurando suas lágrimas para enxugar as minhas. Eu acordava de madrugada chorando, ela ia me consolar, me abraçar. Era uma partilha muito grande. Isso eu acho que é a maior herança que minha mãe vai deixar pra mim.”
Um ano depois de tanta batalha, Simone não tem receio em se autointitular como uma “mãe em construção”. “Hoje tenho um consolo, pois apesar de ser uma mãe em aprendizado, não tenho medo, porque tenho a melhor professora em casa. Minha mãe é um exemplo na prática de ser mãe e a melhor professora que eu poderia ter para educar meu filho, para poder crescer com meu filho. Porque mãe também é isso, a gente cresce com filho, não é só o filho que cresce. Eu tenho crescido com minha mãe e quero fazer isso com meu filho, seguindo esse exemplo.”
Antes de ter o Antônio, Simone já dizia ser a continuidade da mãe, por ter herdado muitas qualidades, mas também alguns defeitos dela. “Depois que o Antônio nasceu, comecei a entender todas as picuinhas que a gente tinha com a mãe, e a gente começa a repetir igualzinho com os nossos filhos. O que eu faço com Antônio é o melhor que ela fez por mim. É muito bom poder oferecer a ele aquilo que ela me ofereceu. São gestos simples, mas regados de cuidado, afeto, carinho e amor. Minha mãe sempre fala comigo: a felicidade de uma mãe é ver o filho feliz. Eu acho que é isso mesmo, quando eu vejo Antônio bem e saudável, eu fico feliz. Ela fala isso, quando ela me vê feliz com Antônio, ela também está, apesar das dores, do câncer, das dores nos ombros, nas pernas, mas ela se sente feliz em me ver feliz”, finaliza.