Aprovação do projeto “Infância sem pornografia” termina em confusão na Câmara

Com empurra-empurra no plenário, presidente da Câmara precisou suspender a sessão por 30 minutos


Por Renato Salles

17/04/2018 às 21h44

Clima esquentou no plenário durante as discussões sobre o projeto de lei de Fiorilo (Foto: Marcelo Ribeiro)

Em mais uma votação polêmica, a Câmara Municipal aprovou, em segundo turno, de viés definitivo, projeto de lei de autoria do vereador José Fiorilo (PTC) que visa a implementar em Juiz de Fora programa denominado “Infância sem pornografia”. Diante de manifestantes favoráveis e contrários à proposição, o texto foi votado na forma de substitutivo e, na prática, resulta em uma compilação de regras e legislações já vigentes e cita artigos constitucionais, do Código Civil, da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos e de outros decretos e leis ordinárias federais. Agora, o texto retorna para debate em plenário apenas para possíveis adequações em sua redação final, antes de seguir para a apreciação, por meio de sanção ou veto parcial ou total do prefeito Antônio Almas (PSDB). Os únicos votos contrários à proposição foram manifestados por Roberto Cupolillo (Betão, PT) e Wanderson Castelar (PT).

Durante a discussão que antecedeu a votação, os dois vereadores petistas fizeram pronunciamentos contrários à proposição. Ligado a setores da educação da cidade, Roberto Cupolillo (Betão, PT) afirmou que a proposição tem vieses de inconstitucionalidade, assedia servidores municipais e tem pouca função prática. “A pornografia infantil é crime para qualquer pessoa. Não precisa de um projeto que foque o servidor municipal. Estamos fazendo um falso debate”, afirmou o petista. O posicionamento foi reforçado por Wanderson Castelar (PT), que apresentou entendimento de que a proposta seria inócua “sobre vários aspectos”.

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Por outro lado, além do autor, o vereador Carlos Alberto Mello (Casal, PTB) foi o único a pedir a palavra para debater a matéria e, em síntese, minimizou possíveis aspectos inconstitucionais do dispositivo, ressaltando que o texto foi analisado pelos procuradores da Câmara. Por fim, Fiorilo fez a defesa de seu projeto. “Não deveria ter tanta preocupação se o projeto é inócuo. Nunca falei que um servidor municipal tenha feito atos de pornografia. Mas o projeto tem objetivo preventivo, de evitar que alguém venha a praticar qualquer ato daqui a 20 anos. Não há o intuito de punir ninguém, pois a punição já está prevista em lei”, justificou.

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Além de trazer uma compilação de uma série de normas vigentes, em termos gerais, o projeto substitutivo de Fiorilo defende o “respeito dos serviços públicos municipais à dignidade especial de crianças e adolescentes” e prega garantias de que “pais ou responsáveis têm o direito a educar seus filhos menores de acordo com suas convicções religiosas e éticas”.

Ânimos inflamados

Antes da votação do projeto “Infância sem pornografia”, com a palavra durante o Pequeno Expediente, o vereador Wanderson Castelar (PT) afirmou que a proposição de Fiorilo era inócua por reunir regras já vigentes e representaria “uma provocação desnecessária a profissionais do Município, basicamente a duas categorias: os professores e profissionais da Saúde. Ao invés de apoiar as crianças, você está constrangendo profissionais do Município”.

A assertiva provocou reações distintas dos presentes, arrancando palmas do grupo contrário ao dispositivo, formado em sua maioria por representantes da educação municipal, e vaias daqueles que defendem a aprovação da matéria, que em sua maioria era formada por grupo auto-intitulado “Direita JF”. A partir daí, o debate ganhou contornos partidários nada relacionados à proposição de Fiorilo. A partir de manifestação de Castelar, em defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), os ânimos se inflamaram ainda mais, deixando claro o confronto de ideias entre defensores de Lula e partidários do deputado federal Jair Bolsonaro (PSL).

Empurra-empurra

A pedido do vereador José Márcio (Garotinho, PV), o projeto de lei que quer implementar o programa “Infância sem pornografia” – que seria o terceiro na pauta de votação – teve sua apreciação postergada para o final da sessão, passando a ser o último a figurar na ordem do dia. A movimentação, no entanto, não apagou os ânimos que voltaram a se acirrar durante os debates sobre projeto de resolução de Carlos Alberto Mello (Casal, PTB), que pretende proibir o acesso à Câmara de pessoas portando instrumentos musicais e aparelhos que produzam som, como megafones; com cartazes e faixas que contenham peças de madeira, metal ou similares; além do uso de máscaras.

Já no início da discussão do projeto de resolução, o vereador Roberto Cupolillo (Betão, PT) sugeriu que a proposta de Mello tramitasse de forma concomitante a de Wanderson Castelar (Betão, PT), que pretende proibir o acesso de pessoas armadas nas dependências do Palácio Barbosa Lima. A partir daí, as falas se tornaram mais acintosas tanto entre os vereadores, como entre o público presente, resultando uma vez mais no enfrentamento de discursos de vieses progressistas e de característica mais conservadora. Por muito pouco, a situação não saiu fora de controle quando um empurra-empurra teve início na audiência do plenário, o que levou o presidente da Câmara, o vereador Rodrigo Mattos (PHS), a suspender a sessão por 30 minutos.

No retorno dos trabalhos, já com a audiência do plenário mais esvaziada, o vereador Wanderson Castelar – que falava sobre o projeto de Mello quando a sessão foi interrompida – retomou a palavra afirmando ter sido ameaçado fisicamente por um dos presentes. “Não podemos continuar nos reunindo sobre este clima. Isto é inadmissível”, afirmou o petista. Casal, por sua vez, afirmou que teria ocorrido um mal entendido acerca da manifestação oral feita por um dos presentes.

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Durante a fase votação, a bancada do PT se absteve da apreciação. O texto substitutivo acabou aprovado pela maioria do plenário.

Polêmica antiga

Quando da aprovação da proposição em primeiro turno, no último dia 31 de março, os ânimos se acirraram entre defensores e detratores da matéria “Infância sem pornografia ” dentro e fora do plenário. Diante do calor da discussão, o vereador Vagner de Oliveira (PSC) chegou a pedir vista, com o intuito de adiar a apreciação da matéria e ganhar um tempo extra para analisar o projeto substitutivo. O pleito, no entanto, foi rejeitado pelo plenário, o que foi considerado como um ato anti-democrático por parte dos parlamentares contrários ao projeto, além de resultar na movimentação de quatro vereadores – Antônio Aguiar (MDB), Vagner de Oliveira (PSC), Roberto Cupolillo (Betão, PT) e Wanderson Castelar (PT) – que optaram por se retirar do plenário. Como todos aqueles que permaneceram em plenário se mostraram favoráveis à proposição, o dispositivo avançou para debate em segundo turno.

Desde o início de sua tramitação, o texto provocou desconforto em setores ligados ao funcionalismo público municipal, em especial, aos professores. Para os docentes, a proposta se vale do apelo da palavra “pornografia”, para criminalizar os docentes de maneira geral ao colocá-los sob constante suspeição. Diante da existência de normas federais, compiladas no texto final apresentado por Fiorilo, o entendimento é de que a proposição funciona mais como uma ferramenta de assédio direcionado à categoria e a outros servidores municipais.

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