Como os slams despertam alunos para a literatura

Em entrevista à Tribuna, o professor Giovani Verazzani diz que o movimento propicia a formação de novos leitores e escritores


Por Carime Elmor

18/04/2018 às 07h00- Atualizada 19/04/2018 às 15h56

Pergunto a Giovani se ele se considera um MC de rap, e sua resposta dá o tom dessa conversa, que é, em suma, sobre pensar a poesia de slam como um novo gênero, analisando sua origem, os protagonistas do movimento e as peculiaridades desta manifestação literária. Giovani Verazzani, ou poeta Verazz, é mestre em literatura, professor de linguagens para jovens do Ensino Médio e descobriu no Encontro de MCs um espaço para escoar suas poesias, já que antes de se envolver com o hip-hop, percebia em seu modo de escrever traços do rap.

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“Em dezembro de 2012, fiz minha primeira apresentação como poeta, após frequentar um ano do Encontro, recitei um poema do Sérgio Vaz (“o invasor” – uma homenagem à Sabotage) e apresentei “Rimando tudo” para o público.” Giovani está junto aos Slams de Juiz de Fora batalhando, participando da organização e, inclusive, chegou a ser Slam Master do Slam do Encontro, que é uma espécie de mestre de cerimônias ou apresentador daquela batalha.

Tribuna – Quando você teve contato com a poesia slam?

Giovani: “Eu costumo dizer que sou professor, poeta, slammer e hip-hopper, não necessariamente nessa ordem” (Foto: Fernando Priamo)

Giovani Verazzani – Slam é uma tradição que começou a ganhar força no Brasil em 2008, há 10 anos, em São Paulo, com o Slam Zap, que foi o primeiro criado aqui. Eu fui conhecer mais recentemente através do Slam Resistência (SP), nós fomos conhecer o Del Chaves com o pessoal da Ágora e do coletivo Vozes da Rua (ambos grupos de JF). Eu não sabia como funcionava a dinâmica, e eu não sou muito fã de campeonato, de batalha, acho injusto com o artista, não tem como avaliar quem é melhor. Mas ali cria-se um sistema que eu acho válido, na medida em que o lance não é a competição, mas sim uma maneira de segurar as pessoas para ouvirem a poesia. Quando você faz uma batalha, as pessoas ficam até o fim acompanhando para ver quem vai ganhar.

Acha que, com os slams, pode estar havendo a produção de uma literatura amplamente popular no Brasil?
Eu acho que está havendo uma popularização da literatura no Brasil, uma tentativa que os modernistas já começaram no início do século XX. Já era uma proposta, por exemplo, do Mário de Andrade, que a arte fosse democratizada. O Antonio Candido tem um livro que se chama “Literatura e sociedade”, onde consta o capítulo “Direito à literatura”, em que ele fala da literatura enquanto um direito humano, universal, mas que necessita ser proporcionado. Não é simplesmente jogar um Machado de Assis na mão do menino e falar que agora ele tem acesso à literatura. Eu acredito que os slams têm servido na causa da democratização do acesso.

As pessoas que escrevem para as batalhas de poesia slam estão lendo mais?
Elas estão lendo outros autores, ouvindo rap com mais conteúdo, e, como slam é poesia falada, você coloca um vídeo para rodar, e, na verdade, você escuta poesia. Isto já um fator facilitador para se consumir o conteúdo literário. A literatura marginal no início dos anos 2000 começa com esse caráter. Sérgio Vaz assume essa alcunha de poeta da periferia, assim como o Ferréz, que é morador do Capão Redondo. Nesse momento, tem uma galera na periferia que começa a produzir literatura a partir de suas comunidades e de suas vivências e ganha espaço com isso. O slam vai surgir um pouquinho depois, até influenciado pelo Sarau da Cooperifa, criado por Sérgio em 2001. Eu não acho que o movimento slam seja extremamente revolucionário, eu acredito que é bom na medida que propicia a formação de público leitor, que no Brasil é escasso. Como educador, é muito gratificante ver essa mudança. Lógico que a partir do slam a pessoa não vai sair devorando todos os grandes clássicos da literatura, mas há como se mediar esse contato e propiciar a formação de novos escritores. A partir do momento que você começa a formar e a tocar um novo público, porque a poesia do slam é muito emocional, ela quer inspirar outras pessoas, então há o surgimento de novos autores.

Você se considera um MC?
Eu não sou um MC porque eu não faço rap, eu não escrevo em cima da batida, eu nunca tive essa curiosidade, eu nunca recorri a isso, não sei até que ponto eu teria vontade. Mas a minha poesia brinca justamente com isso: Qual a diferença entre um poeta e um MC? Qual é a fronteira que divide uma coisa ou outra? A minha literatura trabalha nessa fronteira, então a Dona Adenilde (Petrina) já falou que eu sou um MC. Vindo dela, para mim é uma honra. Mas, de fato, eu não sou um MC porque eu não produzo rap, mas eu escrevo no limite entre essas duas modalidades de poesia.

E qual seria o limite entre o MC de rap e o poeta?
Rap é ritmo e poesia, e o poema é poesia. O que difere Camões de um Sabotage? O tempo, há muitas coisas que os diferem, mas há muitas coisas que os unem, essa fronteira não é fixa, ela é maleável, eu brinco que essa fronteira é um slackline, e eu quero ficar em cima desse slackline, eu quero esticar, descer, subir, pular, fazer malabarismo em cima dessa fronteira. Eu gosto dessa dúvida do limite entre o MC e o poeta.

“Não me importa se vou ficar famoso ou se vou ser lido daqui há uns anos, o que me importa é que novos autores vão começar a escrever por conta da minha poesia, e talvez esse menino que está começando a escrever seja um grande autor”

O movimento do slam, no Brasil, está sendo muito apoiado por quem trabalha com educação?
O hip-hop já fazia isso há muito tempo antes dos slams. A escola está vendo os slams como um espaço da construção do conhecimento, disseminação da informação, ampliação de vivência, de afeto, desenvolvimento de empatia pela dor do outro e pela dor que ele está expressando ali. O slam é um movimento de rua, surge nas praças, em espaço público, os setores profissionais da educação estão vendo isso de maneira positiva e trazendo para a vivência da escola. Eu acho maravilhoso, inclusive na minha escola (Escola Estadual Nyrce Villa Verde Coelho de Magalhães, mais conhecida como Tupã), ex-alunas minhas vieram me chamar que elas queriam fazer um slam na escola, aí já mobilizei slammers da cidade, o Chagas, o Vitu, e eles foram participar também, os próprios jovens estão se interessando por essa modalidade, porque é uma porta um caminho para se descobrirem, porque a literatura ajuda a gente a se autoconhecer.

Já é possível analisar a literatura que é produzida no slam? Tem alguma peculiaridade?
Não sei se há estudos sistemáticos sobre isso. A academia provavelmente já deve estar desenvolvendo algo nesse sentido. Enquanto especialista de linguagem, a gente tenta analisar o slam como um gênero novo. Não é puramente lírico, poético, mas tem muito do drama, do teatro, da encenação em um palco, da expressão corporal, embora seja proibido o uso de adereços, acessórios, figurinos, objetos cênicos, sendo somente a palavra e o corpo. É a performance. Citando Bakhtin, que fala que os gêneros são infinitos, acredito que o slam possa ser um gênero novo dentro da literatura, mas ao mesmo tempo não tão novo, porque já existia o spoken world nos Estados Unidos e o próprio rap.

Alguns MCs batalham também em slam?
Sim, a Laura Conceição é rapper e também batalha, o Marcelo Marte já participou do slam também. A poesia do slam dá mais ênfase no texto escrito, porque o rap tem também a linguagem musical, então é um elemento a mais para disputar sua atenção e para interagir entre as duas linguagens do MC e do DJ. O slam é somente a poesia falada, então você obriga o MC que entra no slam a aprimorar a própria técnica poética dele.

Rimando Tudo

Ode ao rap e freestyle

Eu invento quando tento,
sem intento, inovar.
O meu talento e meu tormento,
no momento, é rimar.

Só porque é da rua, a minha arte crua
dizem que não é arte.
Então desconstrua-a e diga que é tua
que ainda assim continua a incomodar-te.

Não sou genial, o que eu faço é banal,
visceral igual animal,
e tem uns que até passam mal no final,
afinal é letal aos ouvidos.

Parece fácil pr’um demente,
mas tem que ser ágil
com a mente como um projétil
sai do pente da arma do bandido.

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O marginal colhe a Flor do Mal
no quintal, onde caiu sal, do barraco
escorado com pau, onde come, e
come mal, nem um prato de mingau…

Mas hoje já sabe que a sacanagem
e a pilantragem, primeiro, é de cima pra baixo.
Por isso a coragem de ser sabotagem
num mundo de imagem, montagem e fogacho.

Se peço passagem é porque aqui nu’é viagem,
Morô, malandragem, é mais compromisso.
Essa é a vantagem, outra ideia, outra aragem
Com a velha roupagem em rimar tudo isso.

Esse ímã de rima, esse amor essa sina
Quase me assassina, aporia do grito.
Parece até cocaína, meta-anfetamina,
Essa doce morfina que é falar enquanto rimo.

Isso é o que me motiva
Escrever como quem cativa
O amor, a amizade viva
A união dos irmão na corrida
De quem quer arrancar mais da vida.

Ser rápido como um mágico,
Ser cômico e também ser trágico
Não é agir como o sádico Pânico na TV.

No ártico ou no antártico,
O rap não é Fantástico, é prático,
É jogo tático, não quer só agradar você.

E a diferença entre um poeta e um MC,
Está no beat, que não está aqui,
Ou na levada da base, se preferir,
Porque de resto Arte é isso aí,
se improvisei ou se escrevi o que li.

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